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Eleições: Honduras pode ter a primeira mulher a governar o país

A candidata à presidência de Honduras Xiomara Castro, mulher do ex-presidente Manuel Zelaya - AFP
A candidata à presidência de Honduras Xiomara Castro, mulher do ex-presidente Manuel Zelaya Imagem: AFP

Murilo Matias

Colaboração para Universa

28/11/2021 04h00

Honduras pode eleger no domingo (28) a primeira presidenta de sua história. Xiomara Castro, do Partido Liberdade e Refundação (Libre), em sua terceira campanha presidencial, lidera as pesquisas de intenção de voto apesar da hegemonia do Partido Nacional (PN), no poder há mais de uma década, período no qual registrou-se aumento dos índices de pobreza e violência entre a população afetando de maneira mais incisiva as mulheres.

O país apresenta a mais alta taxa de feminicídios da América Latina em 2020, conforme o Observatório de Igualdade de Gênero elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). "Aqui há uma média de 33 mulheres assassinadas a cada mês e a impunidade para esses crimes de feminicídio supera 95% dos casos. Mesmo em meio a esses números terríveis e sabendo da dificuldade em vencer o patriarcado opressor, ter uma mulher com consciência social e de gênero na presidência seria um grande passo para todas as hondurenhas no âmbito trabalhista, político e de proteção, inclusive, de nossos direitos reprodutivos", destaca Luna Gevager, deputada suplente do Libre pelo estado de Francisco Morazán.

A garantia de propriedade da terra a mulheres campesinas assim como igualdade salarial estão entre as propostas-chaves da candidata para combater a dependência econômica vivenciada por grande parte das mulheres. No país, 43,5% delas não possuem renda própria, índice que sobe nas zonas rurais, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe. Quando exercem a mesma função, a diferença de rendimentos entre homens e mulheres ronda os 30%, aponta estudo da Universidade Nacional Autônoma.

"Xiomara fará um governo de inclusão dos grupos esquecidos, é o nome mais forte para levantar e reconciliar essa nação em pedaços. Ela foi contundente com temas dos quais não se costuma falar em uma eleição por medo de perder votos envolvendo direitos das mulheres. A população aceitou bem seu projeto, por isso ela cresceu, apesar da ofensiva dos adversários", explica a socióloga Cindy Rodríguez, da capital Tegucigalpa.

Agenda progressista

Os ataques concentram-se em distorcer a agenda progressista em itens como a lei de educação sexual, descriminalização de medicamentos e a despenalização do aborto em três situações — risco de morte à mãe, má formação do feto e estupro. Algumas restrições indicam o conservadorismo nesse terreno, a exemplo da proibição da venda de contraceptivos de emergência, em vigência desde o retorno dos nacionalistas à presidência em 2009. A candidata afirma que a medida será revogada em caso de sua vitória. Xiomara foi projetada nacionalmente naquele ano ao liderar marchas em defesa do ex-presidente e seu marido Manuel Zelaya, afastado do cargo antes do fim do seu período pelas forças de direita sob a justificativa de tentar prolongar seu mandato, ação classificada de golpe pelos aliados.

'Campanha machista'

"Há uma campanha muito machista promovida pelo oficialismo a fim de desprestigiar Xiomara, acusando-a de querer acabar com a família ou como alguém incapaz por não ter um título universitário. Há também ataques dizendo que não será ela e, sim, Zelaya quem governará e atrás dele, [o presidente da Venezuela] Nicolás Maduro ", conta Luna.

Setores da direita alegam que o triunfo do Libre significaria o caos. "Nós, mulheres, estamos atentas às conquistas das outras sempre e quando não se promova nem violência, nem comunismo", afirma a congressista Welsy Vasquez, do Partido Nacional.

A deputada por três mandatos refere-se à construção de seis sedes de Cidade Mulher como principal mérito da corrente gestão em relação a políticas de gênero — o projeto foi concebido originalmente em El Salvador pela brasileira Vanda Pignato. São complexos nos quais o público feminino de baixa renda tem acesso a tratamentos médicos, cursos de qualificação profissional e outros serviços em San Pedro Sula, segunda maior cidade do país. Trezentas mulheres são atendidas ao dia pelos dados oficiais.

Avanços em outros campos são citados pela Secretária de Mulheres dos nacionalistas: "Antes muitas meninas eram obrigadas a casar aos 15 anos, agora só podem contrair matrimônio a partir dos 18. Na esfera da participação política, temos 50% de representação", garante. Entretanto, menos de 25% do Congresso é composto por mulheres.

Comandos antifraude

Depois de dois últimos processos eleitorais marcados por denúncias de fraude, o país se prepara para em votação manual e turno único escolher, além do próximo presidente, 298 prefeitos e 143 deputados para os próximos quatro anos. Em 2013 e em 2017 apagões, votos duplicados ou de pessoas mortas e demora no anúncio do resultado foram algumas da irregularidades apontadas no processo eleitoral.

Para este pleito, a grande aliança da oposição organiza comandos antifraude para acompanhar de perto as mesas de contagem e transmissão de dados, que estará a cargo de uma empresa estrangeira. Reformas no censo eleitoral, no sistema de identificação dos cidadãos e mudanças na composição do Conselho e na Justiça Eleitoral sugerem um ambiente de maior transparência.

"Estamos cansados de tantos corruptos. Para as pessoas o comunismo ou socialismo não interessam, o único desejo é ver os nacionalistas fora do governo", ecoando o "Que se vayan" — mensagem impulsionada pela oposição. "Para mim não importa que seja um mulher ou um homem e, sim, uma pessoa honrada e íntegra e, sobretudo, com princípios cristãos", acrescenta Rosa Hendrix, moradora de Roatán, ilha que corre o risco de ser vendida para grupos empresarias estrangeiros dentro da política das Zonas de Desenvolvimento (Zedes).

A privatização de grandes espaços do território afeta diretamente comunidades de povos originários e afroindígenas, os garífunas. "Viver com a realidade de uma lei que pode expropriar a terra dos ancestrais não é fácil. Estamos ameaçados 24 horas por dia, existe uma pressão terrível. Sabemos que pagaremos com nossas vidas e lutaremos em desvantagem pois o estado dá armas a policiais, militares e estrangeiros para nos desalojar ", indigna-se Rosa.

Fuga para os EUA

Outro problema a ser enfrentado relaciona-se ao desemprego, cujo reflexo são as impressionantes ondas migratórias que não pararam nem durante a pandemia. Milhares de hondurenhos marcham em direção aos Estados Unidos buscando melhores condições de vida. O candidato governista Nasry Tito Asfura promete geração de empregos, tentando ao mesmo tempo se descolar dos escândalos da gestão do presidente Juan Orlando Hernández, reeleito para o posto ainda que em Honduras a recondução seja proibida pela constituição.

"Papi é diferente" propaga a mensagem do prefeito de Tegucigalpa para desvincular-se das imputações criminais envolvendo a família presidencial. Irmão de Hernandez, o ex-deputado pelo PN Tony Hernandez encontra-se preso nos Estados Unidos por tráfico internacional de drogas e existem acusações contra outras figuras de relevo do partido, incluindo o atual chefe do executivo.

Em pesquisa feita um mês antes da eleição, o Centro de Estudos para a Democracia (Cespad) situava Xiomara com 38% frente a 21% de Asfura. Desde o último domingo rege o silêncio eleitoral. No dia 28 as urnas dirão quem falará mais alto.