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Funk 'Índio' é tirado do ar após crítica de rapper indígena: 'racista'

A música "Índio" foi gravada por MC Pipokinha e MC Nerak. - Reprodução
A música 'Índio' foi gravada por MC Pipokinha e MC Nerak. Imagem: Reprodução

Mara Barreto Sinhosewawe Xavante

Colaboração para o UOL, de Tubarão (SC)

27/11/2021 04h00

Lançada em agosto deste ano, a música Índio, de MC Pipokinha e MC Nerak, foi retirada do ar nesta semana, após denúncia de racismo contra indígenas feita pela rapper Kaê Guajajara, 26.

No vídeo publicado em suas redes sociais nesta terça-feira (23), Kaê criticou o fato de a letra recorrer a estereótipos atribuídos ao jeito de falar - "mim quer", "mim vai tomar" . Além do teor da música das funkeiras, a rapper reclamou do videoclipe dela em que pessoas brancas e negras aparecem fantasiadas e com rostos pintados, usando vestimentas como tanga, cocar e saiote feitos de penas e folhas secas; além de tiaras e vestidos - que, na verdade, não são adereços indígenas brasileiros.

O videoclipe foi retirado do ar dois dias depois da repercussão das críticas da rapper. Até então, ele já tinha pouco mais de 85 mil visualizações. Um vídeo apenas com a música ainda está disponível no YouTube.

MC Pipokinha mantém no ar outro vídeo dos bastidores da gravação, que já tem mais de 5 mil visualizações. Nele, assim como no clipe antes de ser removido, há vários comentários criticando a composição: "apropriação cultural, desrespeito", diz um deles. No vídeo da música ainda no ar, diversas pessoas reclamam: "respeitem os povos indígenas", "racista" e "muito triste ver esse preconceito com nós povos originários da terra".

MC Nerak no vídeo da música Índio. - Reprodução - Reprodução
A música Índio foi gravada por MC Pipokinha e MC Nerak.
Imagem: Reprodução

Após a repercussão das críticas à música, o Instagram da MC Pipokinha chegou a sair do ar por algum tempo, mas logo retornou e apresentou crescimento no número de seguidores. Procurada, a assessoria de imprensa das duas funkeiras não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Liberdade artística

As músicas de MC Pipokinha e MC Nerak possuem letras que falam abertamente sobre sexo. Uma das de maior alcance de Pipokinha é "Cai em cima do Cogumelo", que teve mais de 1,6 milhão de visualizações no YouTube e foi gravada com MC Madan, com produção da KondZilla. Entre as músicas de maior repercussão de MC Nerak está "To tipo a Cinderela e o sapato de cristal", com pouco mais de 600 mil visualizações.

Na música Índio, o teor sexual está presente e é sempre relacionado a estereótipos associados à cultura indígena. "Acende o cachimbo, que mim vai toma p* / Bota na toca tira, tira da toca bota", diz trecho da música.

Para Kaê, um dos problemas com a canção passa pela escolha do título. "Índio" é o nome dado inicialmente aos povos originários quando os colonizadores chegaram ao Brasil, mas que ainda acreditavam se tratar da Índia. "O apelido pejorativo ficou", diz.

"Ser 'índio' na época da invasão era algo ruim e foi o estereótipo que o colonizador criou como um ser inferior a ele, um ser que era um bicho exótico, um animal e não um ser humano. Só fomos considerados humanos em 1988 [com a Constituição Federal]. Isso tudo gerou consequentemente uma ferida para vários povos nossos, que tinham medo e vergonha de falar sua origem. Por muito tempo, não falar foi uma tática até mesmo de sobrevivência para não sofrer nas mãos dos brancos", explica.

MC Pipokinha durante gravação do videoclipe da música Índio. - Reprodução - Reprodução
A música Índio foi gravada por MC Pipokinha e MC Nerak.
Imagem: Reprodução

Originária da etnia Guajajara e nascida em uma terra indígena não demarcada, na cidade de Mirinzal (MA), Kaê é fundadora do Coletivo Azuruhu e autora do livro "Descomplicando com Kaê Guajajara - O que você precisa saber sobre os povos originários e como ajudar na luta antirracista".

Em seu vídeo nas redes, MC Kaê também rebateu alguns argumentos sobre a questão da liberdade artística. Para ela, a "liberdade de expressão tem um limite quando ela é racista com o outro".

Identidade cultural não é fantasia

Ao UOL, a professora e mestre em desenvolvimento sustentável Célia Xakriabá também criticou a música e disse que é preciso ter mais respeito às mulheres indígenas do Brasil.

"Não é nada fofo, bonitinho ou exótico todo esse projeto de violência reproduzida na música, Carnaval e tantas outras manifestações que se apropriam da nossa cultura e adereços, que para nós são sagrados e instrumentos de luta, para se manifestarem folcloricamente", disse a também cofundadora da Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade).

Segundo explica, o racismo consiste na discriminação ou preconceito, direta ou indiretamente, contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. Já a rapper Kaê acredita que ainda há uma falta de entendimento de que racismo não diz respeito somente à população negra no Brasil.

"Isso seria desrespeito com qualquer outro grupo de minoria. Por que com a gente não é? Se fosse ela como branca tornando pejorativos elementos da cultura preta, ela estaria cancelada, pois todos entendem que é racismo. Mas, com a gente, é tudo questionável, questionam até mesmo se o racismo, na verdade, não foi homenagem", disse ao UOL.