"Todo aborto é um fracasso", diz PL de deputado bolsonarista em São Paulo
Após criar o Dia do Nascituro em São Paulo, o deputado estadual Gil Diniz (sem partido), que se autointitula Carteiro Reaça, propôs na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) projeto de lei que institui o Dia em Memória às Vítimas do Aborto.
Na sua justificativa, ele afirma que "todo aborto é um fracasso das políticas públicas de valorização, incentivo e proteção à gravidez, da educação pública e familiar, em transmitir aos jovens a primazia dos valores da vida e da família". Nessa lista, ele coloca ainda o "fracasso de promover a cultura da vida e combater a cultura da morte."
O aborto é um procedimento permitido no Brasil no caso de estupro, risco à vida da mãe e se o feto for diagnosticado com anencefalia. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) cerca de 55 milhões de abortos ocorreram no mundo entre 2010 e 2014. Destes, 45% foram inseguros.
Diniz é coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Vida na Alesp e declarou à Universa que sua atuação é categoricamente contra o aborto e que seu projeto faz parte da "luta pelo reconhecimento do direito à vida desde a concepção."
"Quero que a consciência do drama humanitário que é o aborto se materialize em ações concretas, da sociedade e do Estado, para que possamos impedir que esta tragédia continue e para salvarmos as duas vidas, sempre. Cada mãe tem que encontrar amparo moral, psicológico, material e social para manter sua gravidez", afirma.
Diniz já trabalhou no gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e foi expulso do PSL no ano passado por causa das investigações do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito do seu suposto envolvimento na disseminação de fake news. Segundo ele, "quem paga o preço mais alto deste fracasso não são os já nascidos, mas o nascituro".
O texto do projeto não fala em acolhimento às mulheres que sofrem o aborto, mas Diniz afirma que haverá atenção a elas, inclusive pensando modos de fazê-las entender que o aborto não é a única opção.
"Muitas mulheres não fizeram o aborto porque verdadeiramente o queriam, mas porque estavam aflitas e desesperadas à época, ou então porque foram pressionadas ou até mesmo coagidas por parceiros, familiares, empregadores ou manipuladas pelo lobby abortista. E há as que se arrependem da decisão fatal que tomaram. Mesmo aquelas que optaram livre e espontaneamente por abortar os próprios filhos não deixam de sofrer danos fisiológicos, psicológicos e espirituais profundos. Tudo isto merece a nossa compreensão."
Questionado se acredita que as mulheres vítimas de violência se sentirão acolhidas com o texto, Diniz assegura que sim.
"Se o fato já está lamentavelmente consumado, ao menos a memória da criança que não tiveram deve ser preservada. Esta criança era inocente, não teve culpa do estupro a que sua mãe foi sujeitada, e sua memória jamais deve ser maculada e confundida pela imagem horrenda do estuprador que teve por genitor. Nenhum filho deve pagar pelo crime de seus pais."
O PL está na fase de discussão na Alesp para que as primeiras opiniões divergentes, se houver, sejam apresentadas na forma de emendas. Depois, o texto será enviado para a análise das Comissões Permanentes e, após isso, é levado para votação.
Em dois anos, Diniz apresentou e aprovou o seu projeto de lei que inclui no calendário oficial do estado o Dia do Nascituro, em 8 de outubro. A data já é celebrada pela Igreja Católica no país desde 1999.
Em julho último, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou ao Congresso um PL para também criar o Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto.
"Maternidade não é só procriação"
Ativista do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, a psicóloga e mestra em Ciências da Religião Rosângela Talib concorda que há um fracasso do estado em oferecer às mulheres possibilidades de controle da natalidade, mas a solução não é criar uma data: é necessário propor educação sexual na escola, melhorar a distribuição de métodos anticonceptivos e garantir a saúde da população.
"Se ele [Gil Diniz] realmente está preocupado com políticas públicas para a manutenção da maternidade, como parlamentar deveria se preocupar em favorecer educação, para que elas possam entender como prevenir uma gravidez indesejada, assim como saneamento básico e saúde para que elas realmente possam ter uma maternidade digna."
Na sua avaliação, a falha do estado afeta diretamente a população mais pobre.
Quando a gente está falando da maternidade, não estamos falando só da procriação, mas do direito de uma mulher em criar o filho como cidadão, com direitos, não só com deveres Rosângela Talib
Desde 2019 ajudando mulheres a ter acesso ao aborto seguro através do projeto "Milhas pela vida das mulheres", a roteirista Juliana Reis classifica o projeto como uma "infâmia". Somente em setembro deste ano, 276 mulheres pediram ajuda a sua organização.
"A única coisa que garante a essa gente a impressão de existir é a controvérsia que ela é capaz de gerar. O que a gente precisa muito é de cientistas da mente humana para estudar esse fenômeno da nossa época. Não tem matéria para discussão; só dá vontade de propor a instituição do dia de qualquer coisa aleatória", opina.
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