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Pichadora volta à Bienal dez anos após prisão: 'Fui pega por ser mulher'

 Carol Pivetta foi a única pichadora da Bienal presa em 2008 - Divulgação
Carol Pivetta foi a única pichadora da Bienal presa em 2008 Imagem: Divulgação

Luiza Souto

De Universa

12/09/2021 04h00

Única presa num grupo de 40 pessoas que picharam as paredes vazias de um dos andares da 28ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2008, Caroline Pivetta da Mota voltou pela primeira vez ao pavilhão de arte dez anos depois. O reencontro foi pano de fundo para o curta "Pivetta", dirigido por Diógenes Muniz e Douglas Lambert e com produção-executiva de Tereza Novaes, disponível gratuitamente na internet e que será exibido ainda neste mês de setembro no festival Mammoth Lakes Film Festival, nos EUA.

"Com certeza fui presa por ser mulher. Por que não cataram os moleques? Na época, não tive essa percepção, mas sabia que foi por causa da minha fragilidade, entre aspas", cita ela, que hoje tem 37 anos, ainda picha e trabalha como auxiliar de cozinha.

"Foi muito legal estar lá de novo, porque foi um momento histórico, e vi muitas obras com as quais me identifiquei. Nunca tinha ido a uma exposição em local fechado, porque a rua é uma galeria enorme a céu aberto. Arte é liberdade, né?", observa ela, que estava com a filha caçula, Isis, então com 3 anos.

Carol Pivetta foi a única pichadora da Bienal presa em 2008 - Divulgação - Divulgação
Carol com a filha caçula Isis
Imagem: Divulgação

Carol passou 54 dias na Penitenciária Feminina de Santana, zona norte de São Paulo, acusada de se associar a milicianos com fins de "destruir as dependências do prédio". Após boletim de ocorrência feito por funcionário da Bienal, ela foi enquadrada por destruição de patrimônio cultural.

Mas nada fez com que ela cogitasse se afastar das ruas. Acostumada a pichar desde os 12 anos, quando se identificou com os traços feitos por um colega nas carteiras da escola, diz que já quase entrou em depressão quando parou de cravar sua marca nos muros da cidade de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), por um curto espaço de tempo. Na época, ela não conseguia se pendurar num rapel caseiro, improvisado por amigos, para rabiscar os andares mais altos de prédios abandonados. Juntou, então, três meses de salário para comprar um material profissional.

Maternidade

O curta, no entanto, vai além da discussão entre arte e vandalismo. E mostra a relação de uma mulher criada por mãe solo —e que acabou repetindo esse ciclo— com as duas filhas, de 11 e 6 anos. Sem deixar de ser presente e de dar carinho a essas crianças.

"Nunca quis ser mãe. O pai da Virgínia era pichador, e engravidei na primeira vez em que ficamos. Após o nascimento, ele caiu de um prédio e morreu. Depois, me casei com o pai da Isis. Hoje, consigo compreender que amar minhas filhas é completamente diferente de gostar ou não da maternidade", reflete ela.

 Carol Pivetta foi a única pichadora da Bienal presa em 2008 - Reprodução/Instagram @sustosc.08 - Reprodução/Instagram @sustosc.08
Carol Pivetta investiu três meses de salário num equipamento de rapel
Imagem: Reprodução/Instagram @sustosc.08

Filha única, Carol revela que viveu uma relação um pouco conturbada com a mãe, que era superprotetora e "parou de viver para ser mãe". Por isso, hoje busca dar liberdade às duas meninas.

"Apesar de tudo, minhas referências [de educação] foram minha mãe e minha avó. Mas não superprotejo minhas filhas. Aqui não tem mentira. Não escondo nada."

A relação com as duas é de tanta cumplicidade que Carol é chamada pelo nome, e não como "mãe". "Nos tratamos como amigas." E se as meninas quiserem deixar sua própria marca pelas paredes e pelos muros que cruzarem, terão total apoio da mãe. A caçula, inclusive, a todo instante aparece no curta com tintas na mão e já até andou vendendo suas pinturas para a avó.

Numa das cenas do curta, chega a colar um desenho numa das paredes da Bienal.

"Supertranquilo. Quando dá, explico tudo o que pode ou não acontecer, para ela não ficar assustada nem criar trauma."