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Gizelly Bicalho: 'Se o cara fala o que pensa é forte; já a mulher, louca'

"O parceiro abusivo não começa a relação batendo e xingando a mulher, pelo contrário, é um cara doce, amigável", diz Gizelly Bicalho - Roberto Trumpas
"O parceiro abusivo não começa a relação batendo e xingando a mulher, pelo contrário, é um cara doce, amigável", diz Gizelly Bicalho Imagem: Roberto Trumpas

Júlia Flores

De Universa

30/08/2021 04h00

Dentro da casa mais vigiada do país, a ex-BBB Gizelly Bicalho nunca teve medo de se posicionar —o que rendeu críticas à capixaba, que deixou o reality com fama de "estourada". "Se um cara fala a opinião dele, ele é forte e tem personalidade, quando a mulher fala o que pensa é louca", disse advogada, em entrevista para Universa.

A criminalista usa as redes sociais —principalmente o Instagram— para falar sobre empoderamento feminino, combate à violência doméstica e outros assuntos relacionados aos direitos das mulheres. Ela tem mais de 4 milhões de seguidores.

Isso, porém, não foi o suficiente para Gizelly, que decidiu lançar um curso on-line para ajudar mulheres com histórico de abuso, opressão e violência. Focado no empoderamento feminino, o projeto conta com 10 módulos que abordam desde o surgimento do machismo até a importância do auto-amor para que a vítima possa se livrar de companheiros abusivos.

"Queria aprofundar mais no assunto, sair da bolha do Instagram."

O curso é lançado no mesmo mês em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos e conta com a participação das também advogadas Izabella Borges e Bruna Borges. No bate-papo a seguir, Gizelly Bicalho dá mais detalhes do projeto, relembra momentos em que foi vítima de machismo por parte de colegas de profissão e comenta como a fama de "estressada" a perseguiu para além do BBB.

A ex-BBB Gizelly Bicalho lança curso sobre emopderamento feminino - Roberto Trumpas - Roberto Trumpas
A ex-BBB Gizelly Bicalho lança curso sobre emopderamento feminino
Imagem: Roberto Trumpas

UNIVERSA - Em que momento você se descobriu feminista?

Gizelly - Desde criança, era tratada como estranha, diferente, por não agir igual 'menininha'. Eu dizia para todo mundo: 'Gente, não existe só um perfil de mulher' —aqui já era uma feminista, apesar de nem ter consciência do que era o termo. Quando eu saí do interior do Espírito Santo e me mudei para Vitória [capital do estado], tive ainda mais contato com o tema. Não se nasce feminista, é uma constante construção e desconstrução.

Sim, é uma constante batalha contra o machismo. Você, inclusive, revelou já ter vivenciado várias situações constrangedoras no ambiente profissional. Pode dar mais detalhes?

Uma vez, depois de ganhar uma disputa no tribunal de júri, eu tirei uma foto ao lado do meu colega de trabalho para comemorar a conquista. Enviamos para a família, amigos, conhecidos. Um deles respondeu nossa imagem dizendo que meu parceiro de tribunal estava 'me comendo' e logo em seguida mandou vários prints do meu Instagram em que eu aparecia vestida de biquíni. Ele tentou me intimidar, me xingar, mas eu me mantive firme. Disse que as fotos das redes sociais não diminuíam a profissional que eu era.

Quando a gente consegue alguma vitória na advocacia, as pessoas logo sexualizam nossas conquistas. Dizem: 'Essa daí com certeza só ganhou a causa porque deu para o juiz'. Nossa capacidade intelectual é constantemente questionada.

Esses comentários sempre partiram de colegas homens?

Não! Imagina... Teve uma juíza que, quando eu pedi para ela rever uma decisão, disse que era para eu ir gravar 'vídeo para o Instagram' e parar de encher o saco dela. O mais engraçado é que ela é uma mulher nova, linda, inteligente. Fiquei chocada. Isso aconteceu antes de eu entrar no BBB.

E, por falar em Instagram, você recebe muito ataque de haters por abordar a temática feminista nas redes?

Graças a Deus os ataques estão diminuindo, mas o público vive cobrando que eu me posicione sobre todos os assuntos do mundo —esses dias me chamaram de vagabunda porque eu não tinha comentado, nem falado nada, sobre o casamento da Sammy e do Pyong. No ano passado, vieram falar da minha aparência, me chamar de gorda, tive que tomar remédio para controlar a crise de ansiedade. Falaram: 'Você não tem vergonha do tamanho que está?'. Foi horrível.

Gizelly Bicalho e as irmãs Izabella e Bruna Borges: elas são as criadoras do curso "Sentinelas: empoderamento feminino" - Roberto Trumpas - Roberto Trumpas
Gizelly Bicalho e as irmãs Izabella e Bruna Borges: elas são as criadoras do curso "Sentinelas: empoderamento feminino"
Imagem: Roberto Trumpas

Você saiu do programa com fama "de explosiva". Já o Felipe Prior, outro participante que também era uma pessoa explosiva, foi chamado de "homem de personalidade forte". Como você avalia que o machismo atrapalhou sua performance no BBB?

Quando o cara fala o que pensa, ele é forte, corajoso. Quando é a mulher, ela é louca. Isso é o machismo, né? Lá dentro, a insegurança e algumas atitudes abusivas foram gatilho para que eu perdesse o meu centro. Se, depois da primeira semana [quando um grupo de homens desvalidou o relato de um abuso feito pelas participantes mulheres], a Ivy e o Daniel não tivessem entrado e provado que as meninas estavam certas, eu não teria conseguido continuar no programa.

É bizarro como a palavra e a opinião da mulher são constantemente colocadas em xeque

Esse processo de gaslighting é usado por homens abusadores no ciclo do relacionamento abusivo, né?

O parceiro abusivo não começa a relação batendo e xingando a mulher, pelo contrário, é um cara doce, amigável. Depois, ele passa a afastar a mulher da família, apontar defeitos nela, chamar ela de doida —aqui, então, entra o gaslighting. Ele tenta desestabilizar a companheira, deixa-la tão insegura e desamparada que ela não consegue acabar com o relacionamento.

Na sua opinião, qual a melhor maneira de romper o ciclo da violência? Explicamos melhor no Manual Universa de combate à violência doméstica.

É importante que a vítima não deixe de se amar, de se cuidar, de confiar em si mesma. Terapia é preciosa para esse rompimento, além de contar com apoio de outras mulheres, como amigas e familiares.

Sim, inclusive, um dos pontos altos do "BBB20" foi quando as mulheres se uniram e fizeram um grupo para desmascarar os homens. Você acha que a sororidade é uma arma essencial no combate à violência doméstica?

Foi só com uma ajudando a outra dentro do 'BBB' que conseguimos sobreviver àquela situação machista. Com o apoio de uma amiga, a vítima pode se abrir, conversar, ter mais coragem para denunciar a violência. Às vezes, sozinha, a mulher não consegue tomar uma iniciativa para sair daquela situação.

Você já passou por um relacionamento abusivo?

Sim, eu já passei por um relacionamento que eu era constantemente chamada de louca. Ele dizia que eu não ia encontrar ninguém melhor do que ele, falava que meu peito era caído, que minhas amigas eram putas, que só era para eu mandar mensagem para ele no final de semana, porque ele não queria falar comigo durante a semana... Quando eu lembro dessas coisas e ouço novas histórias, fico surpresa com a semelhança dos abusos —parece que esses caras fizeram a mesma escola.

Todo dia vivo uma busca constante de auto-amor. Quando recebo comentários de ódio sobre minha aparência, eles servem de gatilho e lembro dessa relação tóxica que vivi. Por isso foco muito no processo de cuidar de mim, de ficar feliz sozinha, ter momentos de solitude. É importante entender o que acontece com você

Mas você chegou a sofrer alguma violência física?

Não, e olha só que engraçado. Hoje eu vejo que as violências estão cada dia mais sofisticadas. Um parceiro abusador não precisa te chamar de louca para te desestabilizar. Ele pode simplesmente descobrir qual é o seu ponto fraco e atacá-lo, assim ele vai minando a sua autoestima e te deixando insegura.