Topo

Iza: "No ano passado, não consegui escrever músicas. Tive que me respeitar"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Isabella Marinelli

De Universa

13/08/2021 04h00

Quem escuta a jornada de fortalecimento descrita na letra da música "Dona de Mim" nem imagina que o isolamento social balançou tais estruturas, inclusive do ponto de vista da autoestima. "Para ser sincera, foi um baque", revelou a cantora Iza em entrevista a Universa.

Longe dos palcos, a estrela se viu, como muitas de nós, sentindo dificuldades em manter a produtividade em tempos pandêmicos. "No começo, via as pessoas fazendo ioga em casa e me perguntava por que não estava conseguindo trabalhar", lembra. Mais do que isso, passou por reavaliações pessoais e teve inevitáveis encontros com outras versões que não encarava há tempos. "Eu me deparei com uma Iza que só via entre as trocas de cabelo e sem prestar muita atenção", diz.

Aos 30 anos, eleita como uma das líderes influentes da nova geração pela revista "Time", ela busca estabelecer uma relação mais gentil consigo, enquanto trabalha para inspirar as mais jovens — seja nas redes sociais, por meio da música ou pelas aventuras em universos distintos, como o da beleza, em que recentemente mergulhou para criar um protetor solar dedicado à pele negra em parceria com Garnier. Independentemente do percurso da vez, ela assegura que se mantém fiel às raízes. "A minha vivência é de uma menina preta do bairro de Olaria [Zona Norte do Rio de Janeiro]. Preciso dar essa visão", argumenta. Confira o bate-papo a seguir:

UNIVERSA - O apuro estético é uma característica marcante dos seus shows e dos seus clipes, como do single "Gueto", o mais recente. De que forma a moda e a beleza te ajudam a contar histórias?
IZA - Eu costumo dizer que as roupas cantam quando eu fico em silêncio. É uma forma de me comunicar também. Às vezes, estou indo para um show ou programa de TV, quando não estou me sentindo bem, e o figurino tem esse poder de devolver confiança, principalmente com essa possibilidade de criá-los especialmente para o meu corpo. Escolho as peças como aliadas e acho muito legal quando percebem que estou passando uma mensagem, porque essa é a graça da moda. O público não faz ideia da quantidade de provas de roupa que eu faço! Considerando a agenda, que é sempre maluca, experimento os looks duas da manhã, seis da manhã, para que estejam perfeitos, porque sei que as pessoas prestam atenção. Mas eu gosto, porque sinto que meu discurso também se alinha assim.

Além da maquiagem, o seu cabelo é um acessório poderoso na composição dos seus looks. Quais referências de beleza busca visitar ou criar por meio deles?
Tenho um time de beleza formado por mulheres e que troca muitas ideias. Eu amo mudar os fios, faz parte da minha autoestima. Quero mostrar que é possível variar, mas também, como menina negra, quero demonstrar que ficamos lindas com qualquer cabelo. Busco dividir como as tranças nagô são históricas para a gente, como os bantu knots carregam um peso bonito ancestral.

Acho que é uma forma positiva de influenciar as pessoas, de encorajar que as meninas experimentem um estilo de cabelo antes marginalizado ou somente glamorizado quando usado por outras pessoas que não nós. Faz parte do meu trabalho, não só porque gosto, mas porque entendo o impacto que tem nas garotas que se inspiram em mim

E como ficou a relação com a beleza durante o período de isolamento social, sem shows e tantos compromissos?
Logo no início, sendo muito sincera, foi um baque. Eu, que trabalhava muito e parava pouquíssimo em casa, vivia cuidada pela minha equipe. Era sempre um acontecimento, de unha feita, cabelo feito. E aí, bateram os primeiros meses de pandemia... Sem cílios, sem apliques, sem maquiagem! Foi um encontro comigo mesma, uma menina que eu não via há muito tempo. Era sempre rápido o meu contato com ela entre a troca de um cabelo para outro -- e eu nem parava para prestar atenção. Então, reencontrei meu cabelo natural, que graças a Deus já passou pela transição, e pude ficar bastante tempo só cuidando dele e de mim em relação ao que eu sou. Isso foi muito libertador, mudou completamente a minha relação com a beleza. Eu, hoje, quero fazer o que impacta positivamente as pessoas, mas também quero fazer o que é importante e legal para mim naquele momento. Entendi o quanto é importante cuidar do corpo, não pelo caminho da estética, mas para estar bem com a casa que vai nos carregar pelo mundo.

Fui aprendendo a me olhar com mais carinho e paciência. É óbvio que isso não vem de uma hora para outra; como toda mulher, tenho as minhas inseguranças e preciso ficar cantando 'Dona de Mim' para mim mesma. Mas, durante essa pandemia, passei a me ouvir mais e me importar menos com a opinião alheia. No final do dia, é você com você mesma.

Recentemente, vimos um exemplo muito importante relacionado a essa ideia de se priorizar, quando a ginasta Simone Biles desistiu de competir para se dedicar à saúde mental...
Com certeza. Em 2020, eu não consegui fazer música nenhuma. Não consegui. Eu tinha um lançamento no início do ano, que já estava definido, e outros três, que não eram minhas canções e a parte da composição já tinha sido feita há bastante tempo. Mas obras próprias, como "Gueto", por exemplo, eu não consegui fazer.

Nos primeiros três meses de quarentena, eu pensava: 'Meu Deus, as pessoas estão fazendo ioga dentro de casa. Por que não consigo fazer o meu trabalho?'. E aí, eu entendi que quarentena é quarentena, não é período sabático nem férias. Só de sobreviver e estar bem, já temos que dar tapinha nas costas, porque é um momento muito louco do mundo e ainda moramos no Brasil.

Quer dizer... Não está fácil para a gente. Aprendi a me respeitar. Entendi que os meus fãs, aqueles que realmente são meus fãs, me esperariam. Isso aconteceu. Quem entendeu 'Iza não está bem para fazer música' parou de me cobrar e compreendeu.

Neste ano, você foi apontada pela revista "Time" como uma das vozes mais influentes da nova geração. Que tipo de liderança procura exercer e para quem?
Eu quero que meninas mais novas possam ter o coração tocado por mim. Quando eu sinto que uma garota negra está orgulhosa do meu trabalho, é como se eu estivesse dizendo para a Isabelinha que está tudo bem, sabe? Que ela é bonita, que o cabelo dela é bonito, que o nariz dela é bonito. Fico emocionada falando sobre isso, porque me traz alegria quando vejo do avô ao namorado dançando no meu show, mas é quando encontro as menininhas me olhando que penso: cheguei onde eu deveria estar. A gente trabalha, constrói as coisas, mas não esquece o que viveu pelo caminho.

Infelizmente, sei que sou uma exceção quando se fala em sucesso. Nós não vemos muitas pessoas negras exercendo papéis de liderança e poder. Sabemos que as oportunidades são diferentes para nós. Então, também me sinto na obrigação de abrir portas para quem está vindo. Simplesmente a minha presença, uma mulher preta no horário nobre, abre portas nas cabeças das pessoas de que é possível, sim, se sentar à mesa.

Há uma cobrança recente para que os artistas se posicionem. Você acredita que a classe deve exercer esse papel social? Como enxerga essa pressão?
Ao mesmo tempo que eu defendo que somos livres para fazer o que queremos, enxergo que é meu papel falar sobre as coisas que importam. E aí, não estou dizendo a você que não posso falar sobre festa, sexo, traição, bebidas... A gente vive tudo isso. Mas também não posso calar sobre assuntos que fariam muita diferença, caso tivessem sido abordados quando eu era mais nova. Seria hipocrisia da minha parte. As artistas que me inspiram também são figuras que botaram a boca no trombone, que usaram o microfone como arma de educação. Então, principalmente hoje, um momento em que vemos tanta informação falsa circulando e pessoas usando o público como massa de manobra, é importante que a gente fale. Não acho que todo mundo tenha que "dar palestrinha", não é isso. Mas enxergar as lacunas de informação e pensar onde é possível fazer a diferença. Somos privilegiados por ter tanta gente olhando para nós. Para você estar num show, precisa do público, então o que eu posso fazer por ele? Nada mais justo do que retribuir para a sociedade.

Além da música, você tem participado de cocriações no universo da moda e da beleza, como é o caso da nova linha de solares de Garnier, em que aprovou a tonalidade para pele negra. De que forma as suas vivências, especialmente enquanto uma mulher preta, interferem nos processos criativos com grandes marcas?
Além de me pensar como artista, que tem liberdade de cantar o que eu quiser, sinto que é muito importante que eu traga elementos da minha vivência no que faço. E a minha vivência é: eu sou uma menina preta de Olaria [bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro]. Sou uma menina preta que estudou em escola particular só com brancos, que era minoria. Uma vez, eu participei de uma mesa de debate com várias pessoas legais, uma mulher interessantíssima de Harvard, e eu pensava: "Esse pessoal é louco de me chamar. O que estou fazendo aqui?". Troquei essa ideia com os convidados e uma delas me disse: "Só você pode dar a sua visão daquilo que você vive. Você precisa dizer o que sabe, porque isso é precioso. Ninguém sabe o que você sabe, porque cada um enxerga o mundo sob a própria perspectiva". Desde então, acredito nisso, que preciso dar a minha visão, não por ela ser incrível ou algo do tipo, mas porque é o que gera conexão e é quando encontramos pontos em comum com o outro que consome o que produzimos, a nossa arte.