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O ódio viral que levou adolescente à morte: caso acende alerta sobre redes

Walkyria Santos compartilhou vídeo em que revelou a dor de ter perdido o filho e como ele reagiu aos comentários no TikTok - Reprodução/Instagram
Walkyria Santos compartilhou vídeo em que revelou a dor de ter perdido o filho e como ele reagiu aos comentários no TikTok Imagem: Reprodução/Instagram

Nathália Geraldo

De Universa

06/08/2021 04h00Atualizada em 06/08/2021 14h57

A cantora de forró Walkyria Santos perdeu seu filho adolescente e, no Instagram, fez um desabafo forte sobre o possível motivo de ele ter tirado a própria vida. Segundo ela, o jovem de 16 anos sofreu ataques homofóbicos em um vídeo publicado na rede social TikTok, no qual ele e um amigo aparecem brincando como se fossem dar um beijo na boca.

O conteúdo viralizou na plataforma. Depois da repercussão, o jovem deixou mais um vídeo afirmando que ele e o colega eram "héteros" e comentando que não esperava a quantidade de visualizações que o material angariou.

"Como vocês sabem, ele postou um vídeo pensando que as pessoas achariam engraçado. As pessoas destilaram ódio na internet, deixando comentários maldosos", diz Walkyria em um trecho do vídeo que publicou no Instagram sobre o caso do filho. "Foram os comentários deste TikTok nojento na internet que fizeram ele chegar a este ponto", desabafou.

A morte do adolescente acende alerta sobre o comportamento dos jovens nas redes sociais, saúde mental e mediação parental na internet. Quais são os impactos da presença de crianças e adolescentes nas redes sociais? E o que as plataformas têm feito diante de situações de bullying e avalanche de comentários de ódio entre os usuários?

Vigiem e fiquem em alerta

Para além da crítica aos haters que "destilaram ódio" e comentários de homofobia direcionados ao filho, o depoimento de Walkyria tem um tom de atenção para os responsáveis por crianças e adolescentes que consomem e produzem material na internet. A cantora pede para que familiares "vigiem e fiquem em alerta" sobre o uso das redes sociais.

Segundo pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019, divulgada em 2020 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 89% da população de 9 a 17 anos usa a internet no país. O comportamento de troca de ofensas faz parte do dia a dia desse grupo: segundo o levantamento, 43% dos entrevistados disseram que já tinham visto alguém ser discriminado. A faixa dos 15 aos 17 anos, à qual o filho de Walkyria pertencia, é a maior vítima (37%) de tratamento ofensivo em ambiente virtual.

Em um texto de homenagem ao garoto, a cantora comentou que esse ambiente das redes sociais é "doente" e fez um apelo aos adultos para que monitorem as experiências dos mais jovens.

Lembrarei de você, meu anjo com essa alegria que você tinha. Estarei aqui levantando essa bandeira, e, com todas as minhas forças, juntos iremos acabar com essa 'internet doente'.

Saúde mental, suicídio e jovens nas redes sociais

tiktok - Flickr - Flickr
TikTok e outras plataformas, como Instagram e Facebook, têm políticas específicas de uso para menores de idade
Imagem: Flickr

Para a psicóloga Fabíola Luciano, especialista em terapia cognitiva comportamental pela Universidade de São Paulo (USP), os conflitos da adolescência potencializam o impacto que o julgamento propagado nas redes sociais tem sobre os usuários. Por estarem ainda construindo noções de si mesmos e da vida em sociedade, os jovens são mais suscetíveis a críticas e a elogios de terceiros, que nem sempre estão atentos ao reflexo disso na saúde mental de quem recebe os comentários.

Nas redes sociais, Walkyria comentou com os seguidores que já havia conversado sobre o tema com o filho e que tinha levado o garoto a consultas com um psicólogo. Quando há um quadro de transtorno de ansiedade ou depressivo, explica a psicóloga que é especialista no atendimento a jovens, as consequências podem ser, de fato, mais devastadoras.

"Na internet, o jovem pode perder a perspectiva do real. Quando ele tem muitos fãs, pode ter uma sensação falsa de ter muita autoestima, e, quando recebe críticas, fica muito fragilizado. Isso porque o adolescente ainda está percebendo e formando sua identidade e nem sempre sabe lidar com a exposição na internet e com a diferença", explica.

É no cenário de uma "internet doente", como avaliou Walkyria, que o menino ou a menina passam a acreditar no que dizem dele e não exatamente nos seus próprios valores, explica Fabíola. "Por isso, os adultos precisam acompanhar essa geração tecnológica, para que eles tenham uma equivalência na vida real. Com essa transmissão de valores, eles não entrarão nesse lugar de sofrer pelos ataques gratuitos".

Não é só monitorar as redes, mas ter o debate em casa. É preciso dizer que a rede social e os likes nas fotos não o define. O adolescente ainda não atingiu o nível de maturidade para gerenciar as emoções e, quando tem depressão ou ansiedade e sofre cyberbullying, reação homofóbica, qualquer fator é um 'potencializador' de risco.

Responsabilidade dividida entre responsáveis, sociedade e empresas

Por meio de nota, um porta-voz do TikTok afirmou que tem como "prioridade dar apoio ao bem-estar da nossa comunidade e fomentar um ambiente acolhedor e inclusivo" e que comentários de ódio violam as políticas da rede social e, por isso, são eliminados. Disse ainda que envia os "sentimentos mais sinceros para a família e amigos do adolescente".

Segundo o aplicativo, apenas usuários com mais de 13 anos podem ter conta no TikTok. E há mecanismos de monitoramento parental, como o de "Sincronização familiar", para que o conteúdo acessado pelos jovens seja acompanhado e restrito, se necessário, pelos responsáveis.

A psicóloga destaca que a responsabilidade sobre a presença das crianças e adolescentes nesses ambientes deve ser compartilhada. "Não dá para terceirizar apenas para as plataformas, apesar de elas serem capazes de gerenciar o que acontece por lá. Os pais e responsáveis devem pensar nisso como uma questão comportamental, que inclusive é paradoxal, já que estamos falando muito de diversidade mas, na internet, ainda não queremos lidar com ela."

"O que se pode fazer, assim, é manter o diálogo, transmitir a empatia e o respeito, para que o jovem tenha sem próprio senso crítico e de identidade e, caso necessário, consiga buscar apoio psicológico, porque não é fácil enfrentam os ecos da rejeição ou do xingamento."

Iniciativas para combater ódio nas redes sociais

Na tentativa de garantir a segurança dos usuários mais jovens, as redes sociais têm políticas específicas para menores de idade. Enquanto o TikTok coloca as contas de quem tem entre 13 e 15 anos como privadas, por padrão, o Instagram diz que tem a mesma regra para aqueles que se cadastram como menores de 16 anos.

O Instagram ainda tem conteúdo em um "Guia de Pais" para contribuir com a conversa com os filhos sobre tempo nas redes, privacidade e segurança dentro da plataforma. Já o Facebook explica que mantém, entre outras medidas, uma Central de Prevenção ao Bullying e que o comportamento ofensivo e assédio violam os Padrões da Comunidade da rede. A orientação é que qualquer pessoa pode reportar conteúdo que avalie que não deveria estar na plataforma.

Atendimento de apoio: Centro de Valorização da Vida

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda no Centro de Valorização da Vida, o CVV, e nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.