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DJ Ivis: Saiba como violência contra a mãe afeta crianças pequenas

Filha de 9 meses de  DJ Ivis e Pamella de Holanda presenciou cenas de violência contra a mãe - Reprodução/Instagram
Filha de 9 meses de DJ Ivis e Pamella de Holanda presenciou cenas de violência contra a mãe Imagem: Reprodução/Instagram

Camila Brandalise e Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

13/07/2021 04h00

No domingo, Pamella Gomes de Holanda denunciou a violência doméstica que sofria do ex-companheiro o DJ Ivis, produtor musical e compositor, conhecido por difundir a pisadinha em todo Brasil. Compartilhadas primeiro por Pamella, as imagens tomaram as redes sociais e mostram o músico agredindo a então companheira com socos e puxões de cabelo, algumas vezes em frente à filha do casal, Mel, de 9 meses.

Infelizmente, isso não é exceção no Brasil: 60,2% das vítimas de agressões físicas, nos últimos 12 meses, eram mães, segundo levantamento exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública para Universa. Assim como aconteceu com Mel, as crianças presenciam as agressões ou são agredidas junto com a mãe em 83,8% dos casos, de acordo com o Balanço Anual do Ligue 180, de 2016. Procurado, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, responsável pelo canal de denúncias, disse não ter esse número atualizado.

Como essa violência impacta na vida dos filhos? Até crianças pequenas como Mel podem ser atingidas ainda que indiretamente? Para a psicóloga Manoela Lainetti, que que atua com crianças e adolescentes vítimas de violência, a resposta é sim.

"O fato de a criança não ser a vítima direta da violência não significa que ela não será impactada. Por menor que ela seja, o ambiente que a cerca afeta seu desenvolvimento, o mesmo em relação às emoções das pessoas próximas, especialmente a mãe. Se é um ambiente de violência, mesmo que a criança seja pequena e ainda não tenha compreensão total do que está acontecendo, ela percebe os gritos, as dores, a tensão", diz.

"Presenciar violência é uma forma de abuso psicológico"

"A violência psicológica é tão naturalizada que, muitas vezes, nem é entendida como violência", explica a psicóloga. Mas, desde 2017, uma nova lei incorporada ao Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece que crianças que testemunham violência doméstica como sujeitos que precisam de proteção, tanto quanto as que foram vítimas diretas.

Os impactos de crescer em um lar violento são muitos e podem se manifestar em curto, médio e longo prazo. Segundo ela, a criança pode se tornar um adulto mais suscetível a desenvolver relações abusivas — não só com cônjuges, mas também com amigos, familiares e colegas de trabalho — e transtornos psicológicos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

"Uma criança que vive em um ambiente violento vive em constante medo, constante tensão. E não é medo de qualquer pessoa, como a gente sente quando sai na rua à noite, por exemplo. É medo das pessoas que deveriam protegê-la. Esse medo impacta diretamente o desenvolvimento, desde o desempenho escolar até a autoestima."

Mudanças na socialização, seja com coleguinhas e professores, seja com outros familiares, também costumam ocorrer, alerta a assistente social Camila Cristina dos Santos, que também é agente do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

"Por 30 anos, sofri as consequências do que vi na infância"

Em entrevista concedida a Universa em 2018, Claudia Fernanda Fernandes, uma das três filhas de Maria da Penha Fernandes, que dá nome à lei, contou que passou três décadas sofrendo as consequências de ter visto o pai atentar contra a vida da mãe pelo menos duas vezes, a primeira quando tinha apenas 5 anos.

"A gente vivia em um clima de muita tensão, não me recordo de nenhum momento de lazer. As brigas eram constantes e a gente apanhava por qualquer coisa. Por 30 anos da minha vida, sofri as consequências do que vi na infância."

Claudia é a filha do meio de Maria da Penha. Ainda criança, ela e as irmãs passaram meses sendo acompanhadas por psicólogas. Hoje, aos 42 anos, consegue identificar as marcas que carrega por ter testemunhado a violência de gênero dentro de casa.

"Eu me tornei uma pessoa introvertida. Quando pequena, achava-me incapaz, sentia-me rejeitada, inferior às outras crianças. Fui muito ferida psicologicamente. Pessoas fragilizadas na infância crescem inseguras e acabam reproduzindo comportamentos perigosos, como de aceitar tudo pelo bem da relação."

"Tendência é violência passar de geração para geração"

A psicóloga Manoela Lainetti afirma que "a tendência da violência é passar de geração para geração", porque grande parte do aprendizado de uma criança se dá por imitação. Ou seja, uma das maiores consequências em crescer em um ambiente violento é entender que essa é a única forma de resolver conflitos.

Tanto Manoela quanto a assistente social Camila Cristina dos Santos reforçam a importância de interromper esse ciclo.

"É uma questão familiar, mas também social, afinal nós vivemos em uma sociedade machista. O homem que agride está reproduzindo uma violência de gênero que existe na sociedade. Aí, ao expor crianças à violência doméstica, ensinamos para elas uma forma violenta de se relacionar com mulheres. Elas crescem e reproduzem essa violência na sociedade", afirma Camila.

Ela continua: "É importante que existam serviços que ajudem as crianças que testemunharam agressões a elaborar e superar o que viveram. Só assim a gente rompe o ciclo da violência".

"Proteger a criança é dever do Estado, da família e da sociedade"

Camila lembra que, mesmo quando a violência física ou verbal é direcionada à mulher, as crianças também estão em condições de vítimas — por isso, é importante enxergá-las como sujeitos de direito, "e não como meros objetos, que estão no canto da sala, observando tudo sem serem impactadas".

"Eu sofria sozinha com minha filha, sem apoio até dos que diziam estar ali para ajudar, que eram coniventes e presenciaram tudo calados, sem interferir", escreveu Pamella de Holanda, depois de levar a público as denúncias de violência doméstica. Ontem, Pamella esclareceu que era a sua mãe quem aparecia em algumas das cenas e que ela estaria tentando ajudá-la.

Para a assistente social, "é preciso mudar a cultura que permite a violência no âmbito doméstico".

"A lei diz que é dever do Estado, da família e da sociedade proteger a criança. Ou seja, cabe a todos superar a questão do sigilo doméstico para evitar que essa mulher e essa criança tenham seus direitos violados, seja denunciando a violência ao Conselho Tutelar ou aos canais oficiais de denúncia, seja encaminhando a mulher e a criança a serviços de assistência", diz Camila.

"Mas o ditado popular [em briga de marido e mulher não se mete a colher] reforça a cultura da permissividade da violência dentro de casa. Enquanto isso não acontecer, crianças continuarão presenciando cenas de violência."

Como denunciar

Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, ligue para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. A ligação é gratuita e o canal funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia, recebendo denúncias, dando orientações e encaminhando as vítimas para serviços de proteção e auxílio psicológico.

O contato também pode ser feito pelo Whatsapp, no número (61) 99656-5008.

Outra sugestão, caso tenha receio de procurar uma delegacia, é ir até o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar a principal necessidade da mulher agredida pelo marido, psicológica e financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.

Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.