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Maquiagem tem gênero? Influenciadores e marcas provam que não

Categoria está cada vez mais atenta à representatividade - Divulgação/Haus Lab
Categoria está cada vez mais atenta à representatividade Imagem: Divulgação/Haus Lab

Karina Hollo

08/07/2021 04h00

A indústria da beleza também está ultrapassando as fronteiras de gênero. Se os consumidores estão mais fluidos, é natural que as marcas passem a apresentar uma estética neutra. "Essa é uma tendência crescente e que está ganhando maior recorrência com o passar do tempo, impulsionado particularmente pela Gen Z, que vem atuando no epicentro dessa mudança", fala Liliah Angelini, expert do Futuro na WGSN, empresa líder em comportamento de tendências e consumo. "A maquiagem, assim como a roupa ou os acessórios decorativos para casa, continuam sendo uma forma de autoexpressão significativa das pessoas -- e esse desejo é transversal, democrático, independentemente da identidade de gênero", continua ela.

Isso ficou muito claro, por exemplo, na série Euphoria, da HBO, que revolucionou a visão de maquiagem com looks que focam menos na superfície e mais em revelar o que está acontecendo por dentro. "Doniella Davy, head de make-up da série, quis imprimir, com as maquiagens, uma forma mais autêntica de humor, alinhada ao sentir e ao ser", analisa Liliah.

À medida que a masculinidade moderna quebra estereótipos e os padrões de beleza se tornam menos binários, a demanda por itens que vão além tende a crescer. "Para 2024, prevemos que a normalização da maquiagem masculina fará com que a categoria ganhe uma força duradoura", fala a expert.

Experimentação no conforto do lar
No último ano, a mudança para as compras online apresentou uma oportunidade de experimentar maquiagem em um espaço seguro. Impulsionadas em parte pelo aumento do tempo vivido pelas telas, as pesquisas por "maquiagem masculina" aumentaram quase 80% em abril de 2020 em relação ao ano anterior, com homens e consumidores com identificação masculina buscando produtos para parecer menos estressados e mais descansados no trabalho.

"Como reflexo disso, vimos também visualizações de tutoriais no YouTube crescendo - o vídeo No-Make-Up-Make-Up do músico australiano Troye Sivan, produzido pela Vogue, foi visto mais de 4,3 milhões de vezes. Os vídeos Make Up for Men da Fenty Beauty coletivamente acumularam mais de 1,5 milhão de visualizações", diz Liliah.

E quando olhamos para outras regiões do mundo, como a Ásia, já sabemos que a maquiagem masculina está bem estabelecida. Em 2019, o varejista eletrônico chinês TMall relatou que as vendas de produtos de beleza masculina cresceram 50% por dois anos consecutivos, enquanto as bandas de K-pop, incluindo BTS, normalizaram o uso de maquiagem. A Amore Pacific lançou uma linha especializada depois de descobrir que cerca de 70% dos homens no exército usam cosméticos, enquanto a Boy de Chanel recentemente adicionou corretivo e lápis de olho a uma linha lançada na Coreia.

Meninos, meninas e menines nas campanhas de beleza
Por outro lado, o adjetivo "masculina" nem faz mais sentido. Essa é a onda, principalmente, das marcas que têm como principal target a Gen Z. "Os jovens estão usando sua voz social para inspirar a indústria de beleza a ter atitudes mais assertivas, cultivando uma ampla rede digital. Esse sistema cria uma conexão com o indivíduo em espaços locais e virtuais: não é mais sobre apenas campanhas e comunicações 'inclusivas', mas também sobre valorizar experiências e vivências de todas as pessoas, independentemente da identidade de gênero. Cerca de 77% da Geração Z se sente mais atraída por uma marca quando ela promove equidade de gênero nas redes sociais, de acordo com o Facebook Business", analisa Liliah.

Não à toa, lá fora, Gucci, Fenty Beauty e Haus Lab não estampam apenas rostos femininos nas campanhas e redes sociais. Por aqui, Dailus, Natura Faces e Frederika Make seguem a mesma lógica.

Vítor Goto, creator no Pinterest, acredita que gêneros e regras não pertencem à maquiagem. "Como parte da comunidade LGBTQIA+ e pessoa amarela, entendo que a maquiagem é uma forma de expressão, embelezamento e até mesmo de transformação. É uma extensão da minha personalidade, como se eu pudesse mostrar um pouquinho mais de quem sou por dentro com ela", fala ele, que se maquia desde os 17 anos e nem enxerga a necessidade de distinção entre make feminina, masculina ou sem-gênero. "Porém, acho superimportante que as marcas reforcem cada vez mais a representatividade, inserindo pessoas não brancas e LGBTQIA+ nas campanhas", diz.

Autoconhecimento e autoexpressão
É difícil mapear o estopim, mas com certeza a temática de fluidez de gênero, de forma mais ampla, indo além de produto inclusivo, tem estado em pautas de discussão de diversas marcas. "Existe um contexto de pandemia, em que observamos uma movimentação do consumidor em relação ao autoconhecimento -- e nessa perspectiva, gênero é um tema de destaque para autodescoberta", diz Liliah. Segundo uma pesquisa feita pela publicação britânica The Tab, uma em cada cinco pessoas jovens descobriu que era LGBTQIA+ durante a quarentena.

"Acredito que cada pessoa pode se expressar com a ajuda da maquiagem da forma que se sente mais confortável. Se trata de autoexpressão, de redimensionar nossa potência, de trazer para fora um estilo, um humor, uma vontade", fala a criadora de conteúdo de beleza Gui Takahashi, que se maquia desde antes da transição e acha essencial que não haja distinção entre maquiagem para mulheres e homens.

Acho possível classificar produtos por tipo de pele, efeitos e necessidade, ao invés de gênero. A criação de linhas de make masculina, a meu ver, pode reforçar o binarismo e ainda proteger a masculinidade frágil, que não se sente confortável ou autorizada a usar maquiagem sem ser questionada

Não excluir é diferente de incluir
Até o momento, grande parte das iniciativas das marcas para criar maior inclusão de gênero têm utilizado estratégias agênero (genderless) -- como coleções unissex, produtos sem gênero definido e campanhas voltadas a estimular compras "nas duas seções da loja", fazendo com que o consumidor explorasse mais produtos femininos ou masculinos.

"Porém, estamos vivemos agora um novo momento no movimento de inclusão de gênero, um convite para expressões de identidade fora dos limites do gênero binário tradicional", observa ela. "Cada pessoa usa o que quiser e compra o que a fizer se sentir bem. É como se a autonomia partisse dos consumidores. Menino, menina, queer, não-binárie, cada um se encontra na sua própria medida e dentro de sua identidade e estilo", acrescenta Gui.

A neutralidade em relação ao gênero vem para minimizar a expressão por meio da definição de masculino e feminino. "Ou seja, enquanto o branding sem gênero não exclui ninguém, o branding com fluidez de gênero inclui todas as pessoas, representando o mais amplo espectro de gênero e é essa a mudança que veremos daqui pra frente", pontua Liliah.