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Homem é condenado por feminicídio de mulher trans em São Paulo

"É um avanço qualquer visibilidade que a Justiça dê, para esse tipo de ação ou para outros processos, dentro da legislação", aponta a presidenta da Antra, Keila Simpson Souza  - Shutterstock
"É um avanço qualquer visibilidade que a Justiça dê, para esse tipo de ação ou para outros processos, dentro da legislação", aponta a presidenta da Antra, Keila Simpson Souza Imagem: Shutterstock

Nathália Geraldo

De Universa

14/06/2021 17h56

Por decisão de júri popular, um homem foi condenado por feminicídio pela morte de uma mulher transexual, Larissa Rodrigues da Silva, em São Paulo. O crime aconteceu em 4 de maio de 2019, no Planalto Paulista, bairro da capital. Larissa foi espancada até a morte - ela estava na rua atuando como trabalhadora sexual ao lado de uma amiga, que conseguiu fugir do agressor.

Jonatas Araújo dos Santos recebeu, na quinta-feira (10), a pena de 16 anos, 9 meses e 18 dias de reclusão em regime fechado. A Justiça decidiu que o assassinato se deu com emprego de meio cruel, o que dificultou a defesa da vítima.

O entendimento de feminicídio para episódios de violência e assassinato de mulheres trans não é novo: foi usado pela primeira vez em 2019, quando o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou que dois réus que teriam agredido uma mulher trans respondessem por tentativa de feminicídio. Feminicídio é quando a vítima é assassinada por ser mulher. Nos tribunais, é interpretado como uma qualificadora do homicídio doloso.

Para a presidenta da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA), Keila Simpson Souza, no entanto, o caso de Larissa é "emblemático".

Morte de transexual: decisão de júri por feminicídio

Larissa Rodrigues estava com uma amiga na Alameda dos Tacaúnas, na noite de 4 de maio de 2019, quando o réu passou de carro pela dupla e afirmou que tinha sido roubado. As duas, que eram trabalhadoras sexuais, disseram que não tinham informações sobre o assunto.

Foi quando Jonatas voltou ao local em que elas estavam e passou a agredir Larissa, com pedaço de madeira. A amiga conseguiu fugir do ataque. Larissa foi levada para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos.

O Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo: foram 175 travestis e mulheres trans assassinadas no ano passado. Segundo a Antra, o cálculo é que a expectativa de vida dessas pessoas seja de 35 anos. Larissa tinha 21.

Na denúncia apresentada pelo promotor de Justiça Romeu Galiano Zanelli Junior, do Ministério Público de São Paulo (MPSP), ele pontuou que "o crime foi cometido por razões da condição de sexo feminino, pois envolveu menosprezo e discriminação à condição de mulher da vítima. É que, embora do sexo biológico masculino, ela havia adotado identidade de gênero feminina."

Universa tentou contato com o advogado de Jonatas por telefone, sem sucesso.

Para a presidenta da Antra, Keila Simpson Souza, "qualquer visibilidade que a Justiça dê para esse tipo de ação ou para outros processos dentro da legislação é um avanço". "Essa é uma das primeiras e espero que tenhamos mais decisões em que as pessoas e os juízes tenham esse entendimento. É um processo emblemático", disse, em entrevista para Universa.

Violência contra mulheres trans

Keila também destacou a importância da Lei Maria da Penha, que é diferente da Lei do Feminicídio, para situações de violência doméstica contra pessoas trans. "Isso mostra que estamos usando a legislação existente para reparar danos e violências contra a população trans."

A Lei Maria da Penha já foi usada como dispositivo jurídico para casos de agressão a companheiras trans; em 2020, por exemplo, Universa reportou o caso da transexual Milane Spencer que foi asfixiada pelo namorado, Marcos Paulo dos Santos, dentro da casa em que eles moravam, em Aracaju (SE). No mesmo ano, uma mulher trans moradora da cidade de Rio Verde (GO) conseguiu medida protetiva contra o ex-parceiro pela mesma lei.

A aplicação do texto, no entanto, não é unânime: na semana passada, um juiz de Minas Gerais negou a medida a uma jovem trans que era agredida pelo padrasto. A Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB se posicionou contra a decisão, já que a lei "não cria qualquer restrição as transexuais e travestis, tampouco exige prévia retificação do registro civil ou cirurgia de adequação de sexo, e onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo", pontuou o grupo. O advogado que está à frente do caso informou que vai recorrer.

Como denunciar

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 99656-5008.

Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).