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Filmes de animação: mulheres ganham mais espaço na criação e direção

Cena da animação Girls Talk About Football, da italiana Paola Sorrentino - Divulgação
Cena da animação Girls Talk About Football, da italiana Paola Sorrentino Imagem: Divulgação

Mariane Morisawa

Colaboração para Universa

13/06/2021 04h00Atualizada em 13/06/2021 19h15

Nesta semana, estreia a animação "Spirit - O Indomável, dirigido por Elaine Bogan e Ennio Torresan". É um dos raros longas-metragens de animação a serem lançados este ano que têm uma mulher entre seus diretores. "Luca", que estreia no dia 18, é a nova animação da Pixar. A produção conta com diversas mulheres na equipe, incluindo as brasileiras Nancy Kato e Bruna Moniz Berford, mas foi concebida e é dirigida por Enrico Casarosa.

Segundo um estudo de 2007 da Universidade do Sul da Califórnia, apenas 3% das animações eram dirigidas por mulheres, e somente um filme, "Kung Fu Panda 2", de Jennifer Yuh Nelson, era de uma mulher não-branca. Somente 17% dos filmes animados entre as 120 maiores bilheterias nos Estados Unidos entre 2007 e 2018 tinham uma protagonista ou coprotagonista do sexo feminino.

Recentemente, a organização Women in Animation (Mulheres na animação) lançou uma base de dados de talentos femininos para chegar ao objetivo de ter 50% de mulheres até 2025 — hoje, 60% de estudantes de animação são mulheres, mas apenas 20% das posições criativas na animação são ocupadas por elas.

Mas vamos falar de coisa boa: no festival online Anim!Arte, que se encerra neste domingo (13), 58% das produções são dirigidas ou codirigidas por mulheres. No total, são 262 curtas com alguém que se identifica como mulher no comando. "Constatamos uma presença muito marcante das mulheres tanto nas produções de estudantes, que é um fato relevante, quanto nas profissionais", disse a Universa o diretor do festival, Alexandre Juruena. Há inclusive curtas feitos por meninas, como a russa Evangelina Sarett, a filipina Jade Dandan Evangelista e a indiana Miss Diya M.

pamela - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A baiana Pamela Peregrino se inspira na cultura africana para seus filmes em stop motion
Imagem: Reprodução/Instagram
pamela - Divulgação - Divulgação
"Porto e Raiz", seu filme sobre o mestre de capoeira Pé de Chumbo, está no festival An!marte
Imagem: Divulgação

Entre as mulheres selecionadas, estão cineastas como a italiana Paola Sorrentino, que em seu primeiro curta-metragem, "Girls Talk About Football", coloca garotas, inclusive do Brasil, falando sobre futebol. Tudo começou porque um dia na universidade, quando cursava ilustração, ela e outras garotas decidiram jogar uma partida.

"Foi um dos momentos mais bonitos e divertidos da minha passagem pela universidade", disse ela a Universa. "Depois, fiquei pensando por que eu nunca tinha jogado futebol na minha vida. E percebi que, na Itália, temos essa ideia de que o futebol é um esporte de homens. E, se você é uma garota querendo jogar, é muito difícil."

Depois de passar um período em Paris, ainda durante a universidade, ela se juntou a um time de meninas e decidiu que esse seria o tema de sua conclusão de curso: um documentário em animação sobre as alegrias e dificuldades das garotas que amam o esporte.

Para as brasileiras Paula de Abreu e Pâmela Peregrino, a animação entrou em suas vidas meio por acaso. A mineira Paula sempre gostou de desenhar. Achou que seria ilustradora de livros infantis. No curso de design gráfico, ela teve a oportunidade, pelo programa do governo federal de incentivo à pesquisa no exterior Ciência sem Fronteiras, de estudar na Holanda.

Paula de Abreu - Reprodução - Reprodução
A mineira Paula de Abreu já fez trabalhos para o Cartoon Network e a Netflix
Imagem: Reprodução
Ela se inspirou no gato de um ex para fazer "Gato the Cat - O Gato Sem Botas"  - Divulgação - Divulgação
Ela se inspirou no gato de um ex para fazer "Gato the Cat - O Gato Sem Botas"
Imagem: Divulgação

"Lá conheci um pessoal que trabalhava com ilustração para jogos e para animação. Isso abriu minha cabeça. Voltei focando a animação. E foi uma época muito boa porque estava tendo muito edital, muito financiamento", diz. Logo, ela estava trabalhando para o Cartoon Network, a Netflix e a Disney. E, agora lança seu primeiro curta, "Gato the Cat - O Gato Sem Botas", que surgiu de uma experiência pessoal da diretora com o bicho de um ex-namorado. O bichano da história é meio atrapalhado, ama um sushi, mas consegue salvar o mundo mesmo assim.

Já a baiana Pâmela, que participa com três curtas no festival Anim!Arte, era professora da rede estadual no Rio de Janeiro quando apareceu a oportunidade de fazer um curso chamado Animando a Sala de Aula em Stop Motion — técnica em que cada milímetro de movimento dos personagens é fotografado e depois unido na montagem.

"Gostava de cenografia e figurino, tinha uma ligação com as artes, mas este foi o primeiro contato que tive com a possibilidade de fazer animação", disse. Seus filmes são "Òpárá de Òsún: Quando Tudo Nasce", em stop motion, sobre a orixá das águas doces, Oríki, que usa desenhos e pinturas para tratar de morte, doença e cura, e "Porto e Raiz", que mistura live action e animação para falar sobre o mestre de capoeira Pé de Chumbo. Ambos foram feitos durante a pandemia.

"Nos últimos anos tenho desenvolvido, tanto na pesquisa quanto nos fazeres artísticos e na docência, essa perspectiva da cultura, da arte, dos saberes africanos, afrodescendentes e afrodiaspóricos no Brasil. As três animações vão nesse sentido de mostrar os saberes, a cultura, a beleza, a estética desses saberes ", explicou a diretora."

Há mais mulheres estudando animação, mas homens é que viram chefes nos estúdios

Todas as diretoras mostram-se esperançosas de que a situação na animação esteja mesmo melhorando. Paola Sorrentino, por exemplo, fala de estúdios de animação italianos que se comprometeram a ter 50% de homens e 50% de mulheres. Mas, conversando com colegas do país e do resto da Europa, ela notou que o problema lá costuma ser o mesmo do Brasil e dos Estados Unidos. "Hoje a maioria das pessoas que estudam animação na universidade são mulheres. Mas quem ocupa as posições mais altas nos estúdios são homens. O bom é que isso começa a mudar lentamente."

Pâmela Peregrino disse que, desde seu início na animação, em 2012, percebeu um crescimento expressivo no número de mulheres fazendo seus filmes. "Quando há editais públicos de financiamento e editais com política afirmativa, a gente vê um crescimento muito maior. Porque capacidade, disposição, histórias para contar, temos. Mas nem sempre os recursos chegam", explicou.

A falta de editais neste momento, com a quase paralisação do setor audiovisual, pode impactar ainda mais o crescimento que houve. "Há muitas produções feitas sem nenhum recurso, ou com pouquíssimo recurso, na base do acreditar que você pode contar uma história e fazer. Por um lado, é muito bonito, somos muito guerreiras e vamos atrás, mas por outro lado é uma denúncia de que faltam recursos. Se tem recursos para alguns, tem de ter para todos, todas, todes."

Piora ainda mais quando se faz algum recorte, como mulheres negras. "Há algumas, e muito produtivas, e ótimas animações, o que me deixa muito feliz de não estar sozinha, mas ainda é pouco expressivo. Mais uma vez, qual recurso que temos para realizar essas animações? E longa-metragem ainda não temos."

Paola Sorrentino gosta de citar uma frase de Kitty Turley, produtora-executiva do estúdio Strange Beast, de Londres: "A insegurança é a arma mais insidiosa do patriarcado". Ou seja, a dúvida sobre suas habilidades e a ideia de que não há espaço para todas prejudica todas as mulheres. A saída é a união.

As mulheres têm de se apoiar e divulgar o trabalho umas das outras."

Paula de Abreu diz que a sororidade foi essencial para o seu trabalho. "Acho muito fantástico porque grande parte da pessoa que sou hoje em dia foi porque eu fui abraçada por mulheres do meio audiovisual, inclusive mulheres que tiveram dificuldades enormes. O mercado incentivou muito as mulheres a entrar, mas sempre em posições baixas. Então criava aquela ilusão que os estúdios queriam mão de obra feminina, mas até certo ponto, porque não confiavam a elas cargos de direção. E isso mudou muito nesses quase dez anos que estou no meio e graças à união das mulheres."

As animações podem ser vistas no site do festival An!marte: https://animarte.kinow.tv/pt/