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Segurança condenado: "Nunca pediu desculpa", diz trans barrada em banheiro

Lanna Hellen - Arquivo pessoal
Lanna Hellen Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa, em Maceió

10/06/2021 15h25

A Justiça de Alagoas condenou um segurança do shopping Pátio Maceió que, em 2020, impediu o acesso de Lanna Hellen ao banheiro feminino por ser uma mulher transexual. A decisão saiu na segunda-feira e a pena foi definida em um ano e seis meses de reclusão, mas foi convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de dez salários mínimos.

No dia do ocorrido, em janeiro do ano passado, Lanna foi filmada denunciando a transfobia. Em vídeo, ela aparece apontando para o segurança e dizendo: "Ele disse que eu não posso usar o banheiro feminino. Travesti não pode usar o banheiro. Eu vou fazer xixi onde?".

Além de reconhecer que houve transfobia no episódio — prática criminalizada em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal —, a sentença trouxe um recado claro: "É inconcebível que sejam toleradas práticas discriminatórias em função do sexo, gênero ou sexualidade do indivíduo, razão pelo que é inequívoco que a proibição da entrada no banheiro correspondente ao gênero ao qual a transexual pertença deve ser caracterizado como crime de racismo", disse o juiz Ygor Vieira de Figueirêdo, da 14ª Vara Criminal de Maceió.

"Foi gratificante o juiz ter dado essa pena. Estou muito satisfeita", conta.

A decisão desta semana foi a primeira vitória de três ações que Lanna move por conta do episódio. Os outros pedidos são por danos morais cobrados ao shopping e punição aos policiais militares — que, no dia do ocorrido, a algemaram e prenderam quando ela se apresentou com seu nome social, o que também é um direito reconhecido no país desde 2019.

Em entrevista a Universa, Lanna diz que nunca houve tentativa de retratação por parte do shopping e conta como transformou a visibilidade que ganhou com o caso em trabalho social contra a fome em Maceió.

"Usei a visibilidade do caso para ajudar outras pessoas trans"

"A gente já esperava essa condenação. Estávamos indecisos porque o promotor de Justiça queria classificar como injúria racial [em 2019, quando o STF criminalizou a homofobia e a transfobia, essas práticas foram incluídas no artigo do Código Penal que versa sobre crime de racismo], mas a advogada explicou que, por todo o constrangimento que eu passei, o mais correto seria classificar como transfobia mesmo. No final, foi gratificante o juiz ter dado essa pena. Fiquei muito satisfeita.

Essa foi a primeira condenação. Ainda existem mais duas ações para serem julgadas: contra o shopping e contra os policiais militares que atuaram no caso.

Em nenhum momento o shopping ou o segurança me procuraram para pedir desculpas. Na época, o shopping emitiu uma nota e inventaram aquela mentira toda [a nota nega que Lanna tenha sido impedida de usar o banheiro].

O segurança, só vi de novo no dia da audiência, que aconteceu por vídeo. Não foi muito bom. Primeiro, pelas mentiras que ele contou — eram alegações que não batiam com o que realmente aconteceu naquele dia. Então, não foi bom revê-lo, não gostei, mas a gente tinha que estar frente a frente naquele dia para que o juiz tomasse uma decisão.

Depois do que aconteceu no shopping, ganhei seguidores nas redes sociais e decidi aproveitar o engajamento para ajudar as pessoas que também são discriminadas: meninas trans e pessoas em situação de rua.

Hoje, eu faço um trabalho social aqui em Maceió usando as plataformas Instagram e TikTok. Tento dar visibilidade às pessoas que invisíveis. A gente já ajuda mais de 800 pessoas por mês. Tenho ajuda de Deus, primeiramente, e das pessoas que me seguem nas redes sociais e fazem doações em dinheiro ou em mantimentos.

A realidade é muito difícil, porque ainda sofremos muito preconceito, mas estou aí na luta, cozinhando com as minhas próprias mãos e levando alimento para essas pessoas.

Desde março do ano passado, batemos a meta de quase 10 mil marmitas doadas para as pessoas em situação de rua. É gratificante. Maceió não tem um lugar que acolha essas pessoas. Então, o mínimo que eu posso fazer é ajudar com um prato de comida, suco e sobremesa, que é sempre uma fruta.

Enquanto não for criado um incentivo para as empresas contratarem pessoas trans, nada vai mudar. Nós, que somos trans, podemos ter um estudo da maior qualidade, mas não temos oportunidade de trabalho.

Estamos avançando, é verdade. Conquistamos o direito ao nome social, direito de frequentar o banheiro feminino, de ser tratada como mulher. Mas a gente precisa de trabalho, não só para a sociedade começar nos enxergar, mas para termos uma vida melhor."

Procurado por Universa, o shopping Pátio Maceió informou que "não pode comentar processos em andamento" e que "não compactua com nenhuma forma de discriminação social, atuando sempre pautado pela defesa da diversidade e da igualdade de direitos como base de uma sociedade mais justa e desenvolvida."