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1ª congressista lésbica do Peru: "Radicalismo aumenta a cada avanço LGBTI+"

A advogada Susel Paredes, 57, é a primeira congressista lésbica eleita no Peru - Reprodução/Instagram
A advogada Susel Paredes, 57, é a primeira congressista lésbica eleita no Peru Imagem: Reprodução/Instagram

Maria Angélica Oliveira

Colaboração para Universa, em Lima

10/06/2021 04h00

Nas eleições de abril, os peruanos deram 75.979 votos à advogada Susel Paredes. Em um país conservador em que 8% se declaram não heterossexuais e 71% consideram que pessoas LGBTQIA+ (Lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queers, intersexuais, assexuais e demais existências de gêneros e sexualidades) são discriminadas ou muito discriminadas, ela foi a mulher mais votada e será a primeira lésbica a assumir uma cadeira no Congresso.

Ativista de direitos humanos e militante LGBTQIA+ — entre suas principais bandeiras estão a identidade de gênero, a união civil homoafetiva e o aumento da pena para assassinatos cometidos em função de gênero ou orientação sexual —, Paredes diz a Universa que não foi a militância que a levou ao Congresso, mas seu trabalho como a servidora pública que enfrentou máfias ao organizar grandes operações de fiscalização em áreas perigosas de Lima, capital do país.

Paredes, que para ter a união com sua companheira reconhecida precisou ir aos Estados Unidos e ainda luta na Justiça peruana por esse direito, chegará ao Congresso com uma ampla bagagem. Além da carreira como advogada, da militância e do trabalho como fiscal, diz que sua vida mudou quando estudou teatro e fez psicanálise.

Aos 57 anos, já não perde energia discutindo quando é insultada na rua — acredita é no poder das ações. Por isso, está processando criminalmente jornalistas que fizeram comentários homofóbicos sobre ela em um programa de TV e contratou uma travesti como chefe de sua assessoria de imprensa, que a acompanhará no Congresso. Como mulher lésbica, conta que só sentiu medo uma única vez, quando se assumiu para a mãe.

Em um país polarizado, ela prevê que irá enfrentar "fundamentalismos" de todos os campos políticos e planeja construir uma base de centro progressista. "Temos muitos evangélicos e católicos fanáticos e militares superconservadores. Isso será um problema", afirma a Universa.

Na entrevista a seguir, Paredes também diz que vai trabalhar de forma estratégica e acredita que seu maior desafio será evitar que o Peru sofra retrocessos no próximo governo. Tanto Keiko Fujimori, da direita, ou Pedro Castillo, da esquerda, que disputam voto a voto a eleição para a Presidência do país, realizada no domingo (6), têm posições conservadoras.

UNIVERSA: Você é a primeira lésbica eleita para o Congresso. Antes, o Peru teve dois congressistas gays, em 2014 e 2016. Acredita que demorou muito para que o Peru tivesse representantes abertamente LGBTQIA+?

SUSEL PAREDES: Acredito que sim, mas se você compara a outros países [não]. No Brasil, vocês estão mais na vanguarda, mas acredito que nos parecemos um pouco.

Aqui também estão entrando muitos congressistas cada vez mais comprometidos com a igreja evangélica. É engraçado porque avançamos juntos. Quanto mais direitos conquistamos, mais radicais eles se tornam.

O terceiro lugar na eleição presidencial para Rafael Aliaga, ultraconservador e integrante da Opus Dei, e o que vem acontecendo nos últimos anos com o movimento religioso de direita "Con Mi Hijo no Te Metas", que também ataca políticas de gênero, é um sinal do que estamos falando?

Sim. Nós avançamos, e eles ficam mais histéricos. Mas somos um movimento unido. Tivemos a capacidade de processar o Peru na Corte Interamericana de Direitos Humanos com o caso de Oscar Ugarteche, um peruano gay que se casou com um mexicano. Ele perdeu o processo para reconhecimento do casamento na Justiça daqui e recorreu à Corte Interamericana. Eu me casei nos Estados Unidos e meu processo no Peru já tem quatro anos. Ganhei na primeira instância e estou esperando a segunda. Estamos avançando lentamente em três flancos — pelo Executivo, buscando políticas públicas que nos incluam, pelo Legislativo, propondo leis, e na Justiça, buscando o "litígio estratégico".

Qual sua posição sobre o atual projeto de união civil homoafetiva que tramita no Congresso?

O que acontece é que Carlos Bruce (primeiro congressista a declarar-se gay) apresentou em 2013 um projeto de união civil patrimonial. E aí como ficam os gays, as lésbicas e as trans pobres?

A quem contaram essa mentira que somos milionários e temos muitas coisas para herdar? Os heterossexuais pobres também se casam.

Por isso, sou crítica a isso. O que proponho é — modificamos o Código Civil e temos todos os direitos que têm os casados, como direitos sobre os filhos, você poder adotar o filho da pessoa com quem se casar. Aqui acontece algo estranho: uma pessoa solteira pode adotar, mas nenhuma norma diz que os homossexuais não podem. O que não podemos é adotar em conjunto. Se posso adotar sozinha, por que não em conjunto?

Qual a importância de haver uma lésbica no Congresso pela primeira vez no Peru?

É muito importante porque se visibiliza uma realidade.

As lésbicas, os homossexuais e as pessoas trans não aparecem quando se promulga uma lei. Existimos há muitos anos, mas, para o Estado, não existimos. E para um setor da população que tem a religião como base de suas ideias, não apenas não existimos, mas somos um pecado.

A visibilidade passa uma mensagem, no meu caso, às lésbicas, que diz "Calma. Construí uma carreira como advogada, como funcionária pública e agora vou ser congressista". Quero dizer que é possível realizar seus sonhos.

Você vai entrar em um Congresso bastante conservador, tanto na esquerda quanto na direita. Acredita que haverá espaço para discutir pautas LGBTQIA+?

Devemos ter em conta que já tivemos um congressista gay, o movimento está mais seguro. Estou construindo redes internacionais com outros políticos. Será difícil, mas tudo depende de como se leva a mensagem.

Porque, veja, sendo uma mulher lésbica, sou a mulher mais votada do país. Essa é uma mensagem muito grande. Sou a mais votada do país e sou lésbica. Algo mudou.

Mas acredito que seus votos vieram não só pela militância, mas também por seu trabalho como advogada e fiscal.

Exato, exato. Essa é a chave. Sou uma política preocupada pelo país e sou uma funcionária pública que faz seu trabalho, inclusive em situações de perigo, contra as máfias.

E as pessoas disseram 'se ela é lésbica ou não, já não me interessa. Sei que essa mulher cumpre o que diz e não tem medo'. Acredito que fui eleita por isso, não por ser lésbica.

A advogada peruana Susel Paredes, primeira lésbica eleita deputada no Peru - Divulgação - Divulgação
Ela diz que irá lutar para que não haja retrocesso nos direitos civis com o alto número de parlamentares conservadores
Imagem: Divulgação

Como você se posiciona no espectro político?

Doutrinariamente, me sinto social-democrata. Na União Soviética e em Cuba, prendiam e castigavam os homossexuais. Onde se aprovam pela primeira vez os casamentos gays na Europa são em governos sociais-democratas, como Suécia, Bélgica, Holanda e Dinamarca. Não eram de esquerda.

Então se identifica como centro-esquerda?

Sim. E me dá pena encontrar uma esquerda que parece a dos anos 60, isso da grande família, como se só existisse o tipo que tiraram das propagandas — a mamãe, o papai, a filhinha e um cachorro.

A maioria dos lares no Peru são mantidos por mulheres que lutam sozinhas. São mães com dois, cinco filhos, e que trabalham para sustentar todos. Dizem que essas mulheres são mães solteiras. E o que isso tem a ver? Ela é uma chefe de família. Sua condição de não estar casada não a diminui.

Como é ser uma mulher lésbica no Peru? Quais desafios, preconceitos e perigos as pessoas LGBTQIA+ enfrentam?

Gays e lésbicas sofrem discriminação, maus tratos e perseguição. Mas, se você entrar na universidade, fica tudo bem. O mais crítico é a situação das pessoas trans, principalmente mulheres trans, que estão totalmente excluídas do mercado. Ninguém contrata uma trans em um banco, supermercado, loja. Elas nem se atrevem a se candidatar. Nas cidades do interior, são expulsas de casa. Chegam a Lima com 13 ou 14 anos, sem documentos e sem terem terminado o colégio. Como vão viver? Prostituindo-se. Esse é um problema que temos que trabalhar. Temos um projeto que é a Lei de Identidade Trans, que o Partido Morado (pelo qual Susel foi eleita) conseguiu aprovar em comissão e agora vai à votação no Congresso. É para que exista um trâmite administrativo para se mudar de nome. Hoje em dia só se consegue isso em um processo na Justiça e demora cerca de quatro anos.

Quais serão suas pautas prioritárias no Congresso?

Que se aprove a lei de identidade de gênero e que se aprove uma política nacional de inclusão para as pessoas trans, abrangendo políticas públicas de igualdade, educação e luta contra o preconceito. E outro projeto é modificar o Código Penal para fixar pena de 35 anos para homicídios com motivação de identidade de gênero ou orientação sexual. (Um decreto legislativo de 2017 determinou que motivações como essas devem ser consideradas agravantes em caso de assassinato)

Errata: este conteúdo foi atualizado
O título publicado anteriormente trazia a informação errada de que Susel Paredes foi eleita deputada; a advogada será congressista