Ela limpa UTI de covid em AL: "Também sou da linha de frente e uma heroína"
" Trabalho no setor de serviços gerais do HGE (Hospital Geral do Estado), em Maceió. Há oito anos cuido da limpeza de uma área de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Hoje, essa UTI recebe pacientes com covid-19.
No meu trabalho, eu limpo tudo: do chão às paredes, dos móveis ao banheiro e ainda alguns equipamentos —alguns deles só o pessoal da enfermagem mexe. Quando a covid-19 chegou por aqui fiquei com muito medo. Logo no começo de tudo você saber que vai lidar com pessoas doentes, com aquele vírus que você mal conhecia, dá medo. Mas pedi força a Deus.
Desde o início, o hospital nos deu kit de proteção individual, deu orientações e com o tempo fui me acostumando e me adaptando à nova realidade. Na UTI eu só não atuo na desinfecção quando o leito é desocupado por um paciente. Aí tem outro setor que vem e faz a desinfecção do local. A minha parte é de limpeza geral.
Tive covid-19 no início da pandemia, mas só perdi o paladar. Fui para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ao perceber isso, fiz o teste e deu positivo. Fiquei 15 dias afastada, mas tive sintomas leves. Graças a Deus não perdi ninguém próximo. Hoje estou vacinada com as duas doses da CoronaVac. Foi um alívio gigante. Agora, recentemente, tomei a vacina da gripe. Me sinto mais confiante e mais segura.
Meu plantão é de 12 horas, com folga de 36 horas. Estou aqui dia sim, dia não. Começo às 7h e vou até as 19h. Gosto muito do que faço. Não acho que seja um trabalho puxado. Aliás, o meu trabalho não mudou a rotina com a covid-19; só percebo que a UTI está mais cheia com esse vírus.
Quando é dia de trabalho, acordo às 5h20. Tomo banho, me arrumo, tomo café e vou para o ponto esperar o ônibus, que passa às 5h50. Hoje, o estado oferece um ônibus para pegar e levar profissionais da saúde, mas antes pegava ônibus comum, muitas vezes cheio.
Quando volto para casa, tenho todo um cuidado: entro sempre por trás, e a minha roupa já está lá pendurada no prego pela minha filha. Sou viúva e moro em uma casa no bairro da Pajuçara com duas filhas, dois netos e um genro. Sou viúva. Trabalho só no HGE, vivo do que ganho aqui. Meu único 'extra' é quando falta alguém da escala. Aí a gente é chamado, e recebe por fora.
Sustento a casa. A minha filha mais velha, de 32 anos, trabalha em um salão de unha próprio que fiz para ela lá em casa. Então a gente vai um pouquinho lá, um pouquinho aqui, se mantendo com o que recebe e sobrevivendo feliz.
Sinto muito, mas muito orgulho do que faço, de estar na linha de frente da covid-19 aqui. Somos até mais que heróis. E eu sou também uma heroína fazendo minha parte.
Quero contar no futuro aos meus netos (hoje ela tem um de 7 anos e outro de quase 3) o que passei nessa pandemia; que estava aqui, lutando; e que eu venci, nós vencemos.
"Já chorei várias vezes vendo pacientes morrer"
Os pacientes que chegam aqui sempre estão graves, intubados. Não tenho como conversar com eles. Nesse período já vi muitos morrerem, como vi tantos outros se salvarem. Quando saem com vida, a gente faz aquela festa com palmas e foto. Mas quando morre, me incomoda.
É uma doença triste, ver um pai e mãe sofrendo é desolador. Já vi choro de parentes e amigos pela dor. Eu mesma chorei várias vezes. Rezo muito aqui dentro por eles, para que saiam vivos.
Já tive muitos conhecidos internados aqui. Hoje mesmo tem duas pessoas amigas aqui na UTI. Não posso pegar na mão deles; não devo, na verdade, porque vivo de luva fazendo a minha limpeza. Mas fico vendo e pedindo a Deus nos pensamentos. Entrego sempre nas mãos do Senhor.
Vendo tudo isso, seria bom que a população se conscientizasse e usasse máscara, fizesse distanciamento e tivesse cuidados de prevenção. As pessoas precisam disso. Eu pego ônibus e vejo metade do povo sem máscara. Isso não deveria ser assim, é desnecessário esse risco."
* Edna Cristina Alves Melo, 52, é da equipe de limpeza do Hospital Geral do Estado em Maceió (AL)
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