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"Prisão com tortura", relembra vítima de relação abusiva; reconheça sinais

Juliana Strehlau: "No começo era muito sutil" - Arquivo pessoal
Juliana Strehlau: "No começo era muito sutil" Imagem: Arquivo pessoal

Tina Borba

Colaboração para Universa

04/06/2021 04h00

Ciúmes, cobranças excessivas, violências verbais e psicológicas costumam fazer parte da rotina de quem vive um relacionamento abusivo. O assunto é delicado porque muitas vezes quem está dentro não reconhece o problema ou desenvolve, por medo e pressão, uma dependência do outro.

Universa conversou com três mulheres toparam relatar detalhes de suas relações abusivas e os reflexos dessas experiências anos após o término. Uma delas é Juliana Strehlau, 32 anos, atriz e assessora de juiz de direito, que depois de quatro anos é categórica sobre os efeitos do que viveu. "É uma prisão em que tu é torturada e acha que não vai dar conta de sair, que não tem mais vida além dessa pessoa, mas tu vai."

"Nada é pior do estar presa em um relacionamento abusivo, nada"

A relação durou somente 8 meses. Eles se envolveram rapidamente e de forma intensa, pouco mais de dois meses depois do primeiro beijo estavam morando juntos. No início tudo ia bem, o que ela não percebeu na época é que algumas atitudes dele não eram saudáveis. "No começo era muito sutil, ele começou a minar os meus relacionamentos com amigos, com a minha família, ninguém prestava, só ele que era bom. Ouvia aquelas coisas e parece que fui introjetando como realidade", afirma Juliana.

Mesmo sendo feminista e atenta para esse tipo de violência, ela não se deu conta. "Falava para amigas que tinham passado por relacionamentos abusivos: 'Não pode aceitar esse tipo de coisa', mas naquele período não identificava que estava em um relacionamento abusivo. Só fui perceber no final."

nanda - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Nanda Costa só teve clareza depois que "copo transbordou"
Imagem: Arquivo Pessoal

Assim como ela, Nanda Costa, 32, demorou para entender que as traições, as ofensas e a forma como era tratada não eram a conduta esperada da pessoa que se ama. "Tu só tem uma clareza quando sai ou quando acontece uma coisa que transborda o copo e que culmina numa agressão física, como aconteceu comigo. Até então era chamada de vagabunda quase que semanalmente dentro da minha casa", lembra a consultora de aprendizagem.

A psicóloga e empresária Jamyly Rodrigues afirma que em muitos casos é realmente difícil perceber a realidade. "O ser abusivo geralmente sabe que ele tem problemas, e ele vai ser o mais sedutor e solícito possível, porque ele já sabe que essa pessoa não vai ficar com ele se ele se apresentar da maneira que ele é."

Ela diferencia o relacionamento tóxico, quando as pessoas ativam gatilhos uma na outra, do abusivo. "Tem uma sistematização, uma engrenagem que manipula, que orienta e tem uma intencionalidade que faz a pessoa se sentir mal por coisas que não são dela", pontua.

Ainda segundo Jamyly, quem entra em um relacionamento abusivo pode já ter enfrentado algum tipo de violência e estar com baixa auto estima, combinação perfeita para que uma pessoa abusiva a acesse. "Ela já parte do princípio de que não tem muito valor, não consegue dar limite, não consegue impor a sua existência, geralmente são pessoas que já sofreram algum nível de abuso físico, psicológico ou sexual no passado, então entendem que se sentir culpada ou responsável por algo é natural", esclarece Jamyly.

Jamyly  - Rhay Marinho/Divulgação - Rhay Marinho/Divulgação
Jamyly Rodrigues "Tem uma sistematização, uma engrenagem que manipula"
Imagem: Rhay Marinho/Divulgação

Nanda viveu exatamente isso: teve uma infância que a fez acreditar que o amor era daquele jeito doído. "Minha mãe sofria agressões, o cara ameaçava matar todo mundo e a gente [ela e o irmão] assistia. No relacionamento do meu pai, a mulher dele na época não deixava nos ver e ele não a deixava trabalhar. Era tudo errado", conta.

Violência verbal, psicológica e física

Violências verbais e psicológicas são recorrentes nesse tipo de situação. Camila Pinto da Silva, 31, namorou por cerca de 3 anos e meio um homem que não a respeitava. "O cara fazia o que queria comigo, me sacaneava demais. Uma vez fomos em um casamento e ficou mandando foto para outras, sendo que, em tese, nosso relacionamento não era aberto. Ele sempre queria escolher as minhas roupas, me chamava de gorda, implicava porque eu gostava de andar de chinelo, dizia pra colocar sandália, perfume, tinha que ser do jeito que ele gostava", relata.

Quando a relação culmina em violência física fica insustentável, pois as pessoas ao redor tomam conhecimento e a vítima começa a se dar conta da gravidade da situação. Foi assim com Nanda, que foi espancada, depois de um relacionamento de quase 13 anos, entre idas e vindas. "No dia que contei para as minhas amigas, elas disseram: 'A gente sabia que isso ia acontecer, era nosso maior medo'.

"Nunca imaginei que ele fosse fazer isso, nunca tinha sido agredida fisicamente. Foi um choque de realidade, ele poderia ter me matado"

Os danos de viver um relacionamento abusivo, independente da duração, são extensos. "A autoestima da pessoa é destruída, entro numa relação abusiva entendendo que tenho pouco valor e saio achando que não tenho valor nenhum", afirma a psicóloga.

Foi o que aconteceu com a Juliana, depois do término. "Ele me dizia que eu nunca ia ser alguém, que não ia ter nada se não fosse com ele e durante muito tempo isso continuou em mim."

"Não acreditava mais em mim, me sentia menos, me sentia um nada"

Juliana enfrentou a parte mais difícil da relação abusiva depois do fim. Depois de sair da casa que dividia com o então companheiro ela descobriu que estava grávida e seu maior medo era que ele descobrisse. "Não queria ter um filho dele, não queria ter filho. Fiquei em pânico. Quando aceitei, não conseguia andar na rua nem trabalhar. Tinha muito medo dele. Acabei perdendo o bebê quando com 7 meses por causa de uma bactéria, foi muito dolorido, muito sofrido."

Camila - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Pinto da Silva está hoje em uma relação na qual se sente amada
Imagem: Arquivo pessoal

Hoje elas estão bem melhores. Camila está em um relacionamento no qual se sente amada. Já Nanda se dedica ao filho de 8 meses e ao trabalho, tentando reconstruir e curar dentro de si o que anos de uma relação doente fizeram a ela. E a Juliana faz o que gosta da vida e não abre mão da terapia. "Hoje em dia eu tenho uma profissão, faço o que eu gosto, tenho a minha vida. Isso não me tornou mais fraca, não me tornou menor."

"É importante a gente saber disso: amor não é ruim. Amor não é sofrimento, não é briga, não é ciúme

Todas concordam que é preciso estar alerta para não cair em um relacionamento abusivo de novo e sugerem prestar atenção em algumas atitudes, caso você esteja em um relacionamento conturbado.

Fique atenta:

  • Se a presença da pessoa te deixa desconfortável.
  • Se as coisas que a pessoa fala te machucam e ela parece não se importar com isso.
  • Se a pessoa te humilha, diminuí o teu valor pra ti ou pra outras pessoas.
  • Se a pessoa começa a te afastar dos outros e tenta te convencer que todo mundo é problemático.
  • Se os teus amigos e família dizem que você mudou, não é mais a mesma.
  • Se as pessoas que te amam falam que não gostam da pessoa com quem você está se envolvendo, que essa pessoa não te faz bem.

Se você acha que está em um relacionamento abusivo, procure ajuda, você não está só!

Como denunciar violência contra a mulher

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 99656-5008.

Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), no link.