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CPI da Covid deveria ter mulher, não só homem branco, diz senador Contarato

Fabiano Contarato (Rede-ES), que tem participado ativamente da CPI, é o terceiro senador com maior número de projetos voltados às mulheres -  Diego Bresani/UOL
Fabiano Contarato (Rede-ES), que tem participado ativamente da CPI, é o terceiro senador com maior número de projetos voltados às mulheres Imagem: Diego Bresani/UOL

Camila Brandalise

De Universa

14/05/2021 04h00

A CPI da Covid é formada por 11 senadores titulares e sete suplentes: todos homens e brancos. Para o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), faltou "sensibilidade" dos partidos ao não indicarem nenhuma mulher para integrar a comissão que investiga a atuação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na condução da pandemia de covid-19. "Teríamos um mínimo de representatividade", diz ele, primeiro senador abertamente gay da história.

O parlamentar não está na CPI, mas participa ativamente de suas sessões no Senado — seu nome chegou a figurar entre os assuntos mais comentados do Twitter nesta quarta (12), após ele pedir a prisão do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten.

Terceiro parlamentar com mais projetos de lei favoráveis às mulheres segundo o ranking Elas no Congresso, como o que obriga partidos a reservarem metade das candidaturas para mulheres, e não apenas 30%, o senador agora tenta aprovar um piso salarial para a enfermagem.

Sua proposta prevê remuneração de R$ 7,3 mil a enfermeiros, R$ 5,1 mil a técnicos de enfermagem e R$ 3,6 mil a auxiliares e parteiras por 30 horas de trabalho semanais. Atualmente, há enfermeiros que não recebem nem o salário mínimo de R$ 1.045.

Na entrevista a Universa feita por telefone, Contarato fala das propostas "absurdas" relacionadas aos direitos humanos que tramitam no Senado, as quais define como medievais.

O Congresso chancela ataques sistemático às pautas de mulheres, do movimento negro e LGBTQIA+. Este não é um governo para esses grupos, é um governo para empresários e banqueiros

fabiano contarato e família - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O senador com o marido, Rodrigo, e o filho, Gabriel
Imagem: Arquivo pessoal

Casado com o fisioterapeuta Rodrigo Groberio e pai de Gabriel, 7, e Mariana, 2, o senador também conta das dificuldades em ter a dupla paternidade reconhecida. "Quando quis colocar o Rodrigo como pai do Gabriel, o promotor negou e disse que a criança tinha que ser filha de homem e mulher."

UNIVERSA - O senhor não é membro da comissão da CPI da Covid, mas é atuante nas sessões. Por que pediu a prisão do ex-secretário de Comunicação Social da Presidência Fábio Wajngarten nesta quarta (12)?

Fabiano Contarato - Ele deveria ter sido preso e autuado em flagrante pelo crime previsto no artigo de 342 [falso testemunho], que prevê pena de reclusão de dois a quatros anos e multa, porque faltou com a verdade em depoimento na condição de testemunha. Ele disse que não chamou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de incompetente em entrevista à "Veja", e foi provado que ele falou [a revista divulgou o áudio da entrevista logo após essa declaração].

Depois falou que a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) nunca fez campanha para a utilização de medicação precoce contra a covid-19, e foi provado que sim. Foram vários pontos. Mas, por decisão do presidente da CPI [Omar Aziz (PSD-AM)], ele não foi autuado.

Não há uma única mulher entre os 18 membros dessa CPI. Algum senador se manifestou contra esse fato?

São as bancadas que indicam possíveis membros. Acho que faltou sensibilidade de todos os partidos, faltou terem esse olhar sensível de, na hora da composição, estabelecer um mínimo de representatividade de mulheres.

Seria um gesto propositivo. É muito ruim ver essa composição de sempre, homens, brancos e ricos

Como avalia a atuação do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e de Jair Bolsonaro?

O governo federal e os ministros são diretamente responsáveis pela pandemia. Isso está na Constituição, quando fala que saúde pública é um direito de todos e um dever do Estado. É a obrigação deles, por lei, não tem como delegar essa responsabilidade para estados e municípios. O governo vai na contramão do que manda a ciência, difunde a falsa verdade da imunização de rebanho com medicação sem comprovação efetiva. Com isso, estimula pessoas a irem para a rua, o que acelerou as mais de 420 mil mortes em decorrência da covid.

Acredita que a CPI poderá resultar no afastamento do presidente?

Espero que a comissão tenha a nobreza de apontar o que aconteceu e lançar luz sobre o fato de que o governo federal é diretamente responsável pela atual situação. Não celebrou contratos de vacinas, não atendeu à ciência. Depois da CPI, remete-se o que foi apurado ao Ministério Público. Há provas mais do que fartas para um eventual pedido de impeachment.

O senhor trabalha para aprovar o piso salarial para enfermagem. Como esse projeto pode beneficiar as mulheres?

enfermeira - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
O senador quer que profissionais de enfermagem, como Sabrina Montemor Sebastião, que trabalha na UTI da Santa Casa de Maceió (AL),, tenham um piso salarial garantido
Imagem: Beto Macário/UOL

Se considerarmos que 85,1% dos profissionais da área são mulheres, podemos dizer que é uma pauta feminina. Além disso, 53% são pretos ou pardos.

Então estamos falando de uma maioria de mulheres negras, subjugadas, com um salário ínfimo, que mal têm condição de se manter. São profissionais que estão trabalhando em ambientes insalubres, muitos pagando os itens de proteção com o próprio dinheiro, para ganhar R$ 1 mil, R$ 2 mil. Não querem ser chamados de heróis ou heroínas, querem ter dignidade. E isso passa pela criação de um piso salarial adequado

A área é desvalorizada por ser majoritariamente feminina?

Acredito que sim. É fruto de uma sociedade preconceituosa, machista e racista. A premissa de que somos todos iguais expressa na Constituição está longe de ser uma realidade. A pandemia serviu para lançar luz sobre a categoria, mas esse é um pleito de quase 30 anos. Cinquenta e quatro senadores já declararam apoio ao projeto, mas falta vontade política para que seja aprovado logo.


O projeto para garantir igualdade salarial entre gêneros foi aprovado pelo Senado, mas acabou voltando para a Câmara. O que aconteceu?

Isso foi um absurdo. O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, pediu que o projeto voltasse à casa alegando que houve alteração de mérito no Senado [quando há mudança de sentido no texto da proposta]. Entendi que foi uma manobra para retardar a sanção, uma vez que o projeto estabelece multa caso a igualdade salarial não seja cumprida.

Estão se apequenando, colocando para baixo do tapete temas sensíveis. O Congresso chancela ataques sistemático às pautas de mulheres, do movimento negro e LGBTQIA+. Esse não é um governo para esses grupos, é um governo para empresários e banqueiros.

Qual sua posição sobre o projeto de lei do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), o Estatuto da Gestante, que impede o aborto já autorizado em caso de estupro?

Sou totalmente contrário. O projeto quase que obriga a mulher que fica grávida após um estupro a manter o processo gestacional. Mas esse direito está no Código Penal. Há outras duas hipóteses autorizadas, quando é para salvar a vida da gestante ou quando o feto é anencéfalo.

Isso é para você ver como a gente tem que ficar atento no Senado. O ataque ao gênero feminino é sistematizado. Repentinamente, surgem essas perversidades que vão na contramão dos direitos humanos. Parece que estamos com pautas da época medieval

É a favor da legalização do aborto para todos os casos?

Entendo que o abortamento tem que ser concedido como está, nessas três hipóteses, fora isso não sou a favor. Entendo que a mulher tenha autodeterminação, louvo e clamo por isso, mas o principal bem jurídico é a vida humana. Se há conflito de interesse particular, isso se sobrepõe.


O senhor já sofreu preconceito por ser gay? E o que diria para quem não reconhece a união homoafetiva?

Nunca sofri. Aqui no Congresso vejo que há muito respeito por mim. Posto fotos com minha família, meu marido, os colegas elogiam, dizem que querem conhecer.

Mas faço uma ressalva: é uma aceitação mascarada. Infelizmente, não se compara ao que uma pessoa transexual ou travesti enfrentaria. Eu sou homem, branco, tenho autonomia financeira. A maneira que me tratam não significa que o preconceito não exista

Meus filhos são a razão da minha vida [Contarato se emociona]. Amor não tem gênero, não tem sexo. Quando adotei o Gabriel, hoje com quase sete anos, estava solteiro, mas depois me casei com o Rodrigo e entrei com pedido de dupla paternidade.

O promotor do caso negou, disse que a criança tinha que ser filha de homem e mulher. Isso foi ano passado. Mas a juíza decidiu contra o promotor. Ele ainda recorreu, mas perdeu. Entrei com representação contra o promotor, que foi penalizado com suspensão de cinco dias. Quero que meus filhos saibam que lutei.