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Ceder sem perder a individualidade: dicas para ter sucesso no amor

Em relacionamentos saudáveis concessão e individualidade são valorizadas - svetikd/Getty Images
Em relacionamentos saudáveis concessão e individualidade são valorizadas Imagem: svetikd/Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

28/04/2021 04h00

Em qualquer relação afetiva, alguém, em algum momento, precisa ceder. Mais do que uma espécie de norma de convivência - às vezes explícita, outras não - são acordos que todo casal deve fazer ao longo de uma vida a dois.

Só que, em alguns casos, chegar a um consenso provoca embates. "E não há nada de errado com isso, pois um relacionamento sem conflito é um relacionamento morto", comenta a psicanalista Sandra Hott, mestre em Psicologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "O conflito pode representar uma oportunidade para se afinar o processo de negociação. Afinal de contas, toda relação é um processo", completa.

O ideal é que existisse um equilíbrio: em determinadas situações, um abre concessão para satisfazer o par; em outras, ocorre o contrário. Da mesma forma que manter uma postura inflexível constante - 'só faço as coisas do meu jeito e ponto final' - detona o convívio a dois, renunciar sempre afeta o senso de individualidade. Como, então, encontrar, um ponto de harmonia em que ninguém se sinta lesado?

Sandra lembra que qualquer decisão, num envolvimento amoroso ou não, implica perder. "Geralmente as pessoas pensam muito no que vão ganhar, mas devem refletir também nos aspectos em que estão dispostas a perder, já que fazer uma coisa é deixar de fazer todas as outras possibilidades. Nossos desejos têm um preço que precisamos bancar para realizá-lo ou deixar de fazê-lo", diz.

Em qualquer relacionamento afetivo é natural que existam pontos de vista divergentes. Até porque a maneira como cada um percebe o mundo e expressa os sentimentos é muito individual. "Para que não haja desequilíbrio na relação, a comunicação é fundamental. É preciso explicitar o que cada um sente, bem como ouvir o outro. A troca é saudável para que cheguem num acordo mútuo", afirma a psicóloga clínica Joselene L. Alvim, especialista em Neuropsicologia. O desencontro acontece quando cada um se fecha no seu mundo, considerando que cada um sabe o que o outro está pensando. Ou quando um não ouve o que o outro fala. Tudo isso os torna cada vez mais ressentidos.

Na opinião de Triana Portal, psicóloga clínica e terapeuta de casal, de São Paulo (SP), dificilmente o equilíbrio é sempre mantido, pois demanda muita maturidade e investimento na relação. É preciso estar constantemente ajustando, dialogando e negociando. "O que acontece na maioria das vezes é que um cede mais que o outro e se sente injustiçado, vai represando mágoas e em certo ponto os problemas ficam insuportáveis", avalia.

Manter a individualidade é fundamental numa relação para que cada um possa manter sua essência e personalidade. Entregar-se ao relacionamento de forma simbiótica do casal ou quando um se anula, certamente vai resultar numa relação permeada por conflitos. "Cada um deve manter seus hobbies, amigos, ter um tempo para si para dedicar a um prazer pessoal ou mesmo para estar só, pois algumas pessoas prezam isso", pontua Triana.

Mas o excesso de valorização dessa individualidade pode prejudicar o casal. "Um exemplo é quando os programas com os amigos ou o tempo dedicado a projetos se tornam mais importantes do que a dedicação ao relacionamento", fala Alessandra Augusto, psicóloga clínica, do Rio de Janeiro (RJ). Para muitos casais, respeitar a individualidade é sinônimo de que o outro faça o que bem entender. Mas não é bem assim. Na construção de um relacionamento, os acordos são necessários, há adaptações, flexibilizações.

Negociação deve estar presente desde o início da relação

Em que circunstâncias não há problema algum abrir mão da individualidade e em que momentos isso não rola? Segundo Triana, não é possível deixar de lado desejos e vontades quando se tratam de sonhos, projetos de vida, valores, crenças, posições políticas.

O relacionamento também não deve restringir ou impedir realizações importantes, como ter ou não ter filhos, morar em outro país, aceitar uma oferta de emprego impactante. "Se a mudança é radical e indesejada, estamos falando das diferenças irreconciliáveis. Muito pode ser mantido sem ameaçar a relação se existir respeito, aceitação, e acordo sobre as decisões, mas os dois terão problemas se somente uma das partes determina tudo sozinho. É possível abrir mão de coisas menores que não afetam o que é realmente importante para a pessoa. Há também, coisas que mudamos se há desejo de mudar ou quando vemos sentido, mas outras não", afirma.

De acordo com a psicóloga Marina de Simas Lima, sócio-fundadora do Instituto do Casal, em São Paulo (SP), a paixão avassaladora e típica do início de namoro é um momento propício e perigoso para perder a própria individualidade. "No entanto, justamente por isso, deve ser a etapa ideal para que se iniciem as negociações. É nessa fase que os dois vão construir como irão funcionar em vários aspectos, sendo que cada um tem sua cultura, sua forma de educação, sua personalidade e seu estilo de vida e valores. As regras de convivência ajudam a estabelecer vínculo", diz.

Falar sobre as coisas importantes deve ser hábito desde esse comecinho. Esse treino comportamental evita que se crie um padrão disfuncional no relacionamento e que relações tóxicas se instalem e se cristalizam. Porém é importante ter em mente que acordos podem ser revisitados e mudados. "Uma relação saudável é aquela com pessoas que evoluem, crescem, se transformam. Então, não dá para esperar outra coisa de uma relação saudável a não ser novos acordos", destaca Sandra.

Dicas práticas para negociar na vida a dois

Sim, diálogo é base de qualquer relação é essencial para situações em que um quer algo e o outro não. O modo como ele acontece, no entanto, faz toda a diferença. Eis algumas dicas que podem surtir um efeito positivo:

  • Fale o que quer. Não espere que o outro adivinhe suas vontades e ceda para agradar.
  • Esqueça a visão idealizada e romantizada do amor. O "viveram felizes para sempre" não conta o que acontece depois. Para dar certo, acredite, entram em cena milhares de acordos.
  • Comunique-se de maneira clara e assertiva. Aborde sempre com respeito e consideração cada assunto, sem ofender ou apontar defeitos do outro.
  • Exerça a empatia. Tente se colocar no lugar do outro e compreender o que ele sente antes de fazer valer sua vontade.
  • Saiba que restringir a liberdade do outro com o tempo mina a relação. Por isso é importante reconhecer os próprios limites para respeitar o outro.
  • Ceda sem cobrar. Se optou por ceder, não fique jogando na cara do par o tempo todo nem ficar contabilizando quantas vezes a vontade dele é que prevaleceu.
  • Evite comportamentos inadequados e agressivos. "Nada de criticar, humilhar, debochar, tratar o outro com desprezo, ficar na defensiva, culpar, ignorar ficando mudo ou retirando-se do ambiente. Fuja de de ironias e sarcasmo. Isso só alimenta uma crise", diz Triana.
  • Não apele para disputas. Negociar, numa relação, não se trata de uma competição para ver quem tem mais poder ou consegue mais. "Lembre-se que o interesse é comum: cedemos algo menor em prol algo maior", observa Triana.
  • Seja honesta. Não adianta ceder em algo pequeno e pedir em troca milhares de concessões ou algo inegociável para o outro.