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"Como babá de Henry, já vi patrões agredirem filho. Tive medo de denunciar"

Babá revela medo de denunciar agressão a criança que ela cuida: "Eles têm advogado, eu sou pobre" - fiorigianluigi/Getty Images/iStockphoto
Babá revela medo de denunciar agressão a criança que ela cuida: "Eles têm advogado, eu sou pobre" Imagem: fiorigianluigi/Getty Images/iStockphoto

Depoimento de *Silvia a Luiza Souto

De Universa

17/04/2021 04h00

"Sou paraibana, tenho 45 anos e trabalho como babá desde os 17, quando cheguei ao Rio de Janeiro. Em 2006, fui tomar conta de uma menina de quatro anos. Os pais eram separados e a criança não gostava de ir para a casa do pai. Ela chorava e reclamava muito.

Essa mãe então pegava em seu braço, o deixava vermelho. Eu ia para o quarto chorar, com pena da bebê. Às vezes, me oferecia para dormir na casa dela, para ficar mais com a menina. Nunca falei nada porque estava ali para trabalhar. Sempre pensava que tinha que me meter, mas era apenas a babá

Por isso, entendo a babá nessa situação do menino Henry, mas ela podia ter tentado falar para o pai do menino. E depois dado a versão na primeira vez que foi na polícia. É muito ruim ficar com algo pesado na cabeça. Dinheiro não compra a vida de um bebê.

Trabalho para uma família há 12 anos. Os irmãos foram tendo filhos e fui tomando conta deles. Até janeiro, estava na casa de um deles, que tem um menino de três anos. Essa família não me dispensou nem durante a pandemia.

Os pais dessa criança também são separados e o que acontece com ela é o contrário do que acontecia com aquela menina de quem cuidei: o menino implora para ir para a casa do pai. A mãe bate muito nele. Ela fala muito palavrão e ele está naquela fase de repetir tudo, então fala também. E quando isso acontece, essa mãe bate muito na sua boca.

Agora eu peço para não fazerem nada, me meto. Uma vez, eu gritei quando vi o menino no chão. A mãe, de vez em quando, o joga no sofá. O avô também bate nele. Mas minha patroa responde que ninguém deve dar opinião.

Um dia, esse menino deu um tapa numa das primas, de oito anos, e o tio bateu nele de chinelo com tanta força que quando tirei a fralda chorei ao ver a bundinha dele vermelha. Aí esse tio pediu desculpas, falou que foi sem querer

As agressões são comuns nessa família. A minha patroa só falta atirar a mãe pela janela. Mas eles confiam muito em mim e, mesmo reclamando dos tapas que a mãe dá nessa criança, nunca me ameaçaram.

Mesmo assim, não tenho coragem de denunciar por causa do meu trabalho. Eu preciso dele. Ganho R$ 2 mil e só de aluguel pago R$ 700. Minha geladeira não tem nem água. Montei minha casa com coisas que os patrões jogavam fora

Tenho três filhos, de 26, 22 e 17 anos. Nunca dei um tapa de corretivo neles. Apanhei muito e não faria a mesma coisa com eles. Apanhei da minha mãe, do meu pai, da minha madrasta e dos meus quatro irmãos e meu padrasto abusava de mim.

Por tudo que passei, tenho depressão e no início do ano não aguentei ver o que vejo na casa onde trabalho e estou afastada. Tomo mais de seis remédios por dia, juntando os da depressão, alergia e antibióticos para o estômago. Perdi os dentes por causa deles. A família não me paga nada enquanto estou em casa. Uma irmã da minha patroa me ajuda com comida.

Mas estou pensando em não voltar. Não quero mais trabalhar lá. Eles têm advogado. Eu sou pobre

* O nome foi trocado a pedido da entrevistada

Como denunciar agressão a criança

Autoridades entre juízes e promotores orientam: toda e qualquer pessoa que esteja no entorno da criança agredida pode e deve denunciar o crime, inclusive de forma anônima, caso do Disque 100. Outros canais são o Conselho Tutelar, delegacia de polícia ou Ministério Público. Se as autoridades entenderem que houve conivência com o crime, as pessoas que testemunharam a violência podem ser processadas.