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"O lockdown no Brasil é necessário", diz criadora de novo teste da covid

Maria Rita Passos Bueno, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP - Divulgação
Maria Rita Passos Bueno, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP Imagem: Divulgação

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

22/03/2021 04h00

A equipe liderada pela professora Maria Rita Passos Bueno, 61 anos, do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), lançou em dezembro passado um teste rápido e mais barato para detectar o coronavírus. O método também é menos incômodo que o swab (o cotonete longo usado para coletar material pelo nariz do paciente) e é feito a partir da saliva. Em 24h, ele aponta se a pessoa tem ou não o vírus.

Os estudos para criar esse teste começaram há um ano - uma corrida conta o relógio, que obrigou os pesquisadores a trabalhar em esquema de revezamento no laboratório para manter o distanciamento social. Hoje, o departamento da USP realiza cerca de 50 exames por dia, por um custo que varia entre R$ 90 e R$ 150. O RT-PCR, o teste mais comum até agora, custa em média R$ 250.

Nesta entrevista a Universa, a cientista fala sobre os desafios dessa pesquisa, critica a falta de uma política nacional de combate à pandemia e defende o lockdown.

Universa - Como a senhora avalia as políticas de combate à covid-19 no Brasil?

Maria Rita Passos Bueno - Acho que tem que ter uma liderança federal mais clara. O lockdown no Brasil é necessário e precisamos fazê-lo de um modo adaptado à nossa situação. Também tinha que ter mais testes. Na minha leitura, a gente está vivendo um caos. A prioridade agora deve ser a vacina, o mais rápido possível.

Por que a senhora decidiu estudar um novo teste para diagnosticar a covid?

A ideia surgiu há um ano, quando estava aquele caos porque não havia testes, nem insumos para fazê-los. A gente achou que poderia contribuir, porque já tinha experiência com testes moleculares. Em paralelo, começaram a sair alguns artigos afirmando que o vírus estava presente na saliva. Como a gente já trabalhava com amostra de saliva para outros tipos de diagnósticos, resolvemos investir nisso. Começamos fazendo o swab e depois de um mês mudamos para a saliva. A ideia sempre foi pensar em ter um teste de fácil acesso e menor custo para a população.

O que faz com que esse seja um teste mais barato?

Em termos de detecção do vírus, o nosso é um dos testes mais baratos do mercado [R$ 90 para quem for à instituição para a coleta da amostra de saliva ou de R$ 150 para quem fizer a autocoleta e enviar a amostra para análise]. A gente consegue a redução de custo porque eliminamos uma etapa do teste. A gente prepara a saliva e padronizou no laboratório uma forma de inativar o vírus e mantê-lo íntegro, sem precisar da extração do RNA [o material genético do vírus] como acontece no teste convencional. Para conseguir baixar ainda mais o valor, estamos trabalhando na produção interna e nacional de insumos, mas ainda não conseguimos resolver essa parte, de ter um teste tão bom quanto o feito com os reagentes comerciais. Se conseguíssemos o custo cairia para um terço do valor.

E quanto aos resultados, qual tem sido a porcentagem dos positivos nos testes realizados até agora?

A porcentagem de positivos é proporcional aos casos com sintomas. Em relação ao total de testes realizados, a maioria é negativo, justamente porque são pessoas que chegam sem sintomas, que tiveram contato com algum paciente ou que vão viajar. Desde janeiro, mas principalmente agora em março, temos recebido mais pessoas com sintomas, a maioria leves, que costumam ser os positivos.

Como vocês avaliam a demanda pelos testes? Tem sido maior ou menor do que o esperado?

A demanda no começou foi muito alta, mas a gente não consegue fazer um número grande de testes, porque exigiria mais investimento em pessoal e infraestrutura. A nossa capacidade é de no máximo 90 testes por dia, e temos uma média entre 50 e 60, o que é uma demanda boa, porque a gente consegue dar conta e cumprir o prazo de 24h de entrega do resultado. Mas, desde que São Paulo entrou na fase vermelha, aumentou o número de testes.

Como a senhora chegou à coordenação desse projeto?

Na graduação, você conhece um mundo de áreas e a que mais me encantou foi a genética humana. Desde que eu fiz estágio nessa área, achei apaixonante, porque nos permite tentar melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No começo, a minha pesquisa era na busca de mutações de genes que causam as doenças, e quando a gente descobre um gene que está associado a uma doença genética automaticamente tem como produto uma ferramenta de diagnóstico. A minha pesquisa não tem nada a ver com vírus, trabalho com diagnóstico e pesquisa na área de genética de autismo e coordeno o laboratório de diagnósticos de doenças genéticas. Dada a minha experiência com biologia molecular, achei que seria um caminho para contribuir, tentar implementar novos testes para combater a pandemia. Então eu aprendi muito nesse último ano, porque não tenho nenhum conhecimento amplo de vírus e de doenças infecciosas.

E qual foi o seu maior desafio nesse projeto?

Felizmente, tenho contado com uma equipe de alunos e técnicos da USP incríveis, que têm trabalhado arduamente para conseguir fazer isso o mais rápido possível, mas o primeiro desafio é ter um teste pronto para a utilização, não adianta só fazer pesquisa. No caso da pandemia, é uma urgência tê-lo disponível.

Estamos em uma dinâmica muito diferente, uma situação distinta da que estávamos acostumados, porque temos que fazer reuniões por videoconferência e no laboratório você não pode ter um monte de gente trabalhando ao mesmo tempo, tem que revezar. Tem uma série de situações novas e daí temos que aprender a lidar com tudo isso.

A minha filosofia é que a gente não pode reclamar, tem que ir se adaptando, fazendo o melhor que pode e tentar ajudar de alguma maneira para poder sair dessas situação.

Como foi o financiamento para a pesquisa do novo teste?

A gente já tinha um financiamento a longo prazo da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], que nos deu um pouco de flexibilidade para fazer uma coisa nova. Também participamos de um edital da Fapesp para covid-19 e do programa USP Vida [que facilita doações para pesquisas de combate à doença], por meio do qual tivemos o apoio da JBS. Essa estratégia da USP de facilitar o recebimento de doações foi extremamente importante e deveria ficar para sempre. As pessoas que querem doar precisam de um caminho fácil para colaborar com a pesquisa do ponto de vista financeiro. Antes era uma novela, muitas até desistiam de fazer a doação.

Algumas pesquisadoras brasileiras têm se destacado na pesquisa de combate à covid-19. A senhora tem percebido o mesmo, que cientistas que já tinham pesquisas em andamento tentaram adaptá-las para contribuir na pandemia?

Eu acho que a nossa geração é de pessoas que lutam muito para conseguir fazer as coisas e, com isso, aumentam as chances de que algumas dessas pessoas tenham aparecido mais. Como pesquisadores, a gente está sempre querendo contribuir de alguma maneira, porque essa é uma situação que precisa da ciência. Mesmo quem não era da área pensou de que maneira poderia contribuir para tentar fazer com que as coisas voltem ao normal, eu acho que essa é a motivação.

Quais são os próximos passos da pesquisa agora?

A gente tem uma colaboração com as [professoras] Silvia Figueiredo Costa e Esther Sabino, do Instituto de Medicina Tropical [da USP], e com o grupo da Universidade de São Caetano do Sul, do pesquisador Fábio Leal. Estamos neste momento finalizando algumas validações, treinando pessoas, para tentar levar o teste para a Universidade de São Caetano do Sul. Essa é uma maneira de ter o teste em outros locais e alcançar uma população com menos recursos.