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Quando cabelo liso era regra, ela criou produtos para fios crespos e bombou

Com a irmã e a mãe, Sheila Makeda apostou em produtos para cabelos crespos - Reprodução/Instagram
Com a irmã e a mãe, Sheila Makeda apostou em produtos para cabelos crespos Imagem: Reprodução/Instagram

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

15/03/2021 04h00Atualizada em 30/03/2021 10h50

Aos domingos, as mulheres da família de Sheila Makeda, 43, aproveitavam o dia de descanso para se embelezar. "Eu lembro da gente passando babosa no cabelo. Minha mãe cuidava dos fios de toda a família, ela tinha o dom de embelezar, de trazer autoestima", conta. "Eu sempre tive o cabelo muito arrumado, trançado, muito bonito."

Com essa referência de cuidado e a dificuldade de encontrar produtos adequados no mercado, em 2012 ela decidiu criar uma marca para cabelos crespos e cacheados, a Makeda Cosméticos. Para a empreitada, contou com a parceria da irmã, Shirley Leela, 46, e da mãe, Sandra Antônio, que faleceu no ano passado.

"Makeda foi uma rainha da Etiópia, fiquei encantada ao descobrir sua história, associada à sabedoria da mulher negra. Achei que seria um nome maravilhoso, uma reverência à nossa ancestralidade, e tem nos trazido muita sorte", conta ela, que assumiu a marca também como sobrenome.

Mãe trabalhou como faxineira até juntas abrirem um salão

Quando Sheila era criança, sua mãe decidiu se separar do marido porque sofria violência doméstica, mesmo sabendo que enfrentaria dificuldades. Sheila chegou a dormir na escola até a mãe conseguir um emprego como faxineira. Ela, a mãe e a irmã então passaram a morar na casa em que Sandra trabalhava.

Sheila Makeda - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sheila Makeda e a irmã, Shirley: foco em produtos para cabelos crespos te cacheados
Imagem: Arquivo pessoal

Para aumentar a renda da família, Sandra decidiu fazer um curso de cabeleireira e foi chamada para um teste em uma empresa americana de cosméticos. "Ela nem tinha roupa para a entrevista, mas foi contratada e ganhou um kit de produtos. Esse momento foi um divisor de águas para a nossa história", conta Sheila.

Pouco tempo depois, as filhas também foram trabalhar na empresa. Em 1995, as três decidiram montar um salão voltado para fios crespos e cacheados. Em 12 anos de funcionamento, estimam ter atendido mais 30 mil clientes na zona norte de São Paulo. Assim que fecharam o salão, Sheila foi estudar teatro e começou a fazer atendimentos em domicílio como cabeleireira.

"Essa foi também uma fase de reconstrução da minha identidade, de me reconhecer como mulher negra, de entender que eu não era descendente de escravos, mas de reis e rainhas", diz Sheila, que então decidiu deixar anos de químicas, progressivas e alisamentos para trás.

O pulo do gato foi identificar demanda reprimida

Abrir mão do alisamento fez com que ela arriscasse mais. "Desenvolvi tratamentos naturais, que ia testando no meu cabelo. Ensinava tudo para as clientes, mas percebi que elas precisavam de produtos para uso diário", diz.

Como não encontrava o que queria no mercado, teve uma ideia: por que não criar uma linha de produtos elaborados especialmente para tratar de crespos e cacheados? E começou a bater na porta de indústrias que podiam realizar o seu sonho.

Makeda - Divulgação - Divulgação
Sheila Makeda participa de treinamento de mulheres para revender os produtos da marca
Imagem: Divulgação

"Nessa época, auge da progressiva, foi um momento desafiador. Eu visitava as fábricas e as pessoas me olhavam com uma cara de 'o que você está querendo fazer?", lembra. Mas Sheila insistiu e encontrou uma gerente comercial, também negra, de uma fábrica de cosméticos que topou ajudá-la.

O sonho parecia possível. Mas faltava um detalhe: Sheila ainda não tinha os R$ 4.000 (R$ 8.300 em valores corrigidos) do investimento inicial. A saída foi intensificar os atendimentos em domicílio e topar um trabalho de promoter por três meses, que lhe garantiria o dinheiro necessário.

Em 2012, nasceu a Makeda Cosméticos. "A gente queria um produto que fizesse a mulher achar o seu cabelo cacheado lindo, cheiroso e com resultado imediato", conta. Para encontrar a fórmula ideal, ela e a irmã fizeram mais de 30 testes nos seus próprios cabelos antes de vender os cremes às clientes.

Revendedoras alavancaram as vendas

A linha foi lançada na Feira Preta, evento realizado anualmente desde 2002 em São Paulo com empreendedores negros. E foi um sucesso. Depois do primeiro lote, mãe e filhas passaram a fazer entregas nas estações de metrô, até que Sheila e a irmã montaram um novo salão, que funcionou por quatro anos em São Paulo.

Ali, as clientes não só tinham acesso aos tratamentos, como podiam comprar os produtos da Makeda. "A gente trabalhava e reinvestia tudo, mas sempre que buscava crédito em um banco, não éramos recepcionadas dignamente", conta.

A grande virada, dizem as irmãs, aconteceu em 2018, quando elas criaram o programa Makeda Terapeuta, que aumentou as vendas dos produtos. A ideia era capacitar mulheres, a maioria como elas, negras e periféricas, para usar e revender os produtos da marca.

"Foi algo rápido e fácil, porque essas mulheres não precisavam de experiência, mas de oportunidade. Assim fizemos o círculo girar", afirma. Durante a pandemia, a formação é online, com vídeos e mentorias personalizadas.

Marca aposta em assessoria para cliente na hora da compra

Individual também é o contato com as clientes que acessam as redes sociais e a loja virtual da Makeda. "Conversamos um pouco, pedimos foto do cabelo", diz Sheila, sobre a estratégia que lembra seus antigos atendimentos no salão. "Já sofremos muito com mal atendimento na vida, então queremos fazer diferente. Queremos levar carinho e amor, que elas se sintam como rainhas, que recuperem sua autoestima", afirma.

Além das duas irmãs, a empresa tem hoje quatro funcionários e cerca de 60 representantes em nove estados do Brasil. Sheila não divulga o faturamento da marca, mas em 2020, o crescimento foi 30% maior do que em 2019. O plano agora é expandir as vendas, chegar a outras partes do país e começar a exportar.

"Eu alisei o meu cabelo durante muitos anos, mas meu sobrinho não passou por isso, as meninas da sua idade também não. Eles já podem entrar em uma empresa com cabelo black. Então, é um mercado em expansão", afirma a empresária.

Esse conteúdo é resultado da parceria entre Facebook e Universa no projeto #CompreDelas, de incentivo a mulheres empreendedoras