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"Temos que ser boas em tudo o tempo todo", diz escritora sucesso na França

Livro de estreia da francesa Laetitia Colombani foi traduzido para 30 países - ©NIESZAWER/Leextra via Leemage
Livro de estreia da francesa Laetitia Colombani foi traduzido para 30 países Imagem: ©NIESZAWER/Leextra via Leemage

Rafaela Polo

Colaboração para Universa

15/03/2021 04h00

Ser mulher é difícil em qualquer lugar do mundo. Para umas, claro, mais do que para outras, mas todas enfrentamos barreiras diárias para termos os mesmos direitos, as mesmas oportunidades ou, simplesmente, para sermos tratadas com dignidade.

A francesa Laetitia Colombani, 45, reuniu algumas dessas histórias de luta feminina em lugares diferentes do mundo em seu primeiro romance, "A Trança" (Ed. Intrínseca). Lançada em janeiro no Brasil, a obra foi traduzida para 40 idiomas, vendeu mais de 1,4 milhão de exemplares na França e está sendo adaptada para o cinema.

No livro, a autora, que também é roteirista e diretora, narra a história de três mulheres em diferentes países lutando pela liberdade. Uma, Smita, pertence à casta mais baixa da Índia, a dalit, e está em busca de melhores oportunidades para a filha; a outra, Giulia, precisa assumir e salvar o negócio da família na Itália; a terceira, Sarah, é uma advogada no Canadá que não pode demonstrar fraqueza mesmo em um momento de grande adversidade para se manter no cargo que tanto batalhou para conseguir.

Laetitia, que escreve desde os dez anos de idade —primeiro, poemas, e depois, contos — decidiu que, aos 40, tiraria um ano sabático para se dedicar a um livro. Agora, diz a Universa, ver "A Trança" traduzido para 40 idiomas é a realização do maior sonho como escritora.

Você escreveu um livro onde as protagonistas carregam o peso do mundo nas costas, indiferente de suas classes sociais ou profissões. Qual foi sua inspiração?

LAETITIA COLOMBANI: Queria falar sobre mulheres do mundo de hoje, então me inspirei muito em todas as que conheci e naquelas que estão ao meu redor. Acho que é muito difícil ser mulher atualmente, carregamos, sim, o peso do mundo nas costas. Precisamos ser boas no trabalho, na maternidade, como esposas. Boas em tudo o tempo todo, o que é muito difícil. Tive a oportunidade de viajar e conversar com muitas mulheres em minha vida. Sempre notei que as mulheres tinham que enfrentar grandes desafios. Queria escrever esse livro como um tributo a elas.

A história da personagem indiana, Smita, é uma das mais difíceis de ser lida, cada passo que ela dá causa dor. Você queria mostrar as opressões que as mulheres sofrem na Índia?

Fui para a Índia muitas vezes e sempre tive muita curiosidade sobre aquela cultura e a sociedade. Em nenhum outro lugar do mundo você consegue ver tanta diferença de classes. Os dalits [antes chamado de "os intocáveis"] são tratados como ratos, e foi muito chocante ver isso. Então decidi que precisava mostrar na história uma indiana dessa casta mais baixa. Ela é "intocável" e mulher, nem é considerada um ser humano pela cultura; é considerada impura. É uma situação muito violenta dentro de uma sociedade que é especialmente violenta com mulheres.

Decidi que a minha heroína seria uma mulher, mãe de uma menininha, que enfrentaria essa sociedade. Ela abandona tudo o que conhece e acredita para ir atrás de uma vida melhor para a filha. Se estivesse sozinha teria aceitado a realidade, mas para a filha quer algo melhor.

Me sinto muito próxima a Smita. Sou mãe e consigo entender que a filha dela é a pessoa mais importante em sua vida, a ponto dela correr vários riscos para escapar daquela realidade.

Acha que as outras personagens de seu livro, Giulia, que tenta salvar o negócio da família, e Sarah, que não quer demonstrar fraquezas e cria os filhos sozinha, servirão de inspiração neste momento de tantas dificuldades com a pandemia?

Sim, estamos todos lutando. É exatamente o que Giulia está fazendo na Sicília, por exemplo. Eu queria que ela fosse uma mulher jovem, para mostrar como uma menina se torna uma mulher. Ela precisou de muita coragem. No começo, nem sabia do que era capaz. Ela só descobriu enfrentando as adversidades. Ultimamente, precisamos buscar forças dentro de nós e ter coragem. Quando estamos de frente a situações muito difíceis é quando descobrimos quem realmente somos.

"A Trança" teve 1,4 milhão de cópias vendidas na França - Divulgação - Divulgação
A obra já foi traduzida para mais de 30 países e será adaptada para o cinema
Imagem: Divulgação

Por que você escolheu o nome "A Trança"?

O cabelo é considerado um símbolo da feminilidade. O título foi um conselho da minha editora. Para mim, o mais impactante em relação a isso é a Smita trançando o longo cabelo da filha pequena todos os dias.

O cabelo pode ser um símbolo de feminilidade e de resistência. É forte, é sobre mulheres e é sobre resistência.

Você contou que viajou bastante. É por isso que escolheu escrever sobre três países tão diferentes, Índia, Canadá e Itália?

Sim, sou muito curiosa. Amo viajar, conhecer outras pessoas, tradições, sociedades. Adoro falar com as pessoas. Quando fui para África, China, Japão, por exemplo, falei com mulheres locais e fiquei pensando por um longo tempo sobre escrever algo que se passasse em diferentes lugares do mundo, mostrando que várias mulheres poderiam ter a mesma coragem. Eu queria escolher personagens de idades, países, religiões, tradições diferentes, mas que tivessem a mesma força. Isso é o que era importante para mim.

Você imaginou, ao escrever, com qual personagem seus leitores se identificariam mais?

Essa é uma pergunta muito interessante. Já conheci diversas leitoras e muitas me disseram que se sentiram próximas das três mulheres. No meu caso, cada uma delas é uma parte de mim. Smita sou eu como mãe, Giulia sou eu quando era mais jovem, porque sempre fui muito intensa com o amor e a vida. Sarah se aproxima de mim, porque ela é muito ambiciosa e veste a máscara social de ser perfeita. Muitas das minhas leitoras conseguiram se identificar um pouco com cada uma delas.

A luta das mulheres por igualdade e direitos nunca termina. Seu livro quis mostrar que todas nós, de alguma forma, estamos lutando pelos nossos espaços. Isso é importante para você?

Muito! Como escritora, acho que tenho que mostrar a realidade: não interessa onde estamos, as mulheres são tratadas diferentes. Até mesmo no Canadá. Veja a história da Sarah, por exemplo. Ela é uma mulher forte, tem direitos, é livre, pode votar. Mas as correntes são invisíveis. Ainda assim, precisa lutar contra o teto de vidro. Ela está completamente dividida entre sua vida pessoal e profissional. Acho que a sociedade poderia ser melhor com ela.

Já recebeu mensagens de mulheres que se diziam impactadas pela história?

Sim, muitas vezes. Em uma delas, estava em uma livraria e conheci a avó, a mãe e a neta. As três cortaram o cabelo e doaram. A avó tinha passado o livro para a filha e para a neta e as três estavam chorando. Foi muito tocante. Também recebi uma mensagem de um homem francês que trabalha na Índia construindo escolas no deserto para crianças intocáveis. Nos tornamos grandes amigos. Essa é a mágica da obra: conheci pessoas muito interessantes. Sou muito grata.

Haverá uma continuação do livro?

Para mim, a história estava terminada. Queria que ficasse aberta e que nossa imaginação continuasse. Era uma forma de eu oferecer liberdade às personagens, para que elas pudessem viver uma nova vida. Por isso, decidi parar nesse ponto. Neste momento, estou terminando um novo livro que falará sobre Lalita, a filha dalit de Smita.

Não é uma sequência, é um novo livro com uma nova história. Ela tinha uma personalidade forte, foi capaz de dizer "não" ao professor quando ela a humilhou e pediu para que limpasse a sala de aula. Imaginei que ela seria uma mulher muito forte e queria saber o que aconteceria com ela.

Qual lição você considera a mais importante de seu livro?

Me lembro de ter recebido um recado muito tocante de uma leitora. Ela estava com câncer e não queria mais lutar contra a doença, mas após ler a obra teve forças para continuar nessa batalha contra a doença. Se esse livro pode dar a alguém a coragem ou a esperança, mesmo que tenha tocado apenas essa mulher, terá valido a pena. Foi incrível.

"A Trança", de Laetitia Colombani

Preço: R$ 32,90

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