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Não faça a emocionada: as regras da era "trate ficante como ficante"

Uma das regras de Veronica Affonso é "tratar o ficante bem, mas não apresentá-lo para a família". - Arquivo pessoal
Uma das regras de Veronica Affonso é "tratar o ficante bem, mas não apresentá-lo para a família". Imagem: Arquivo pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

05/03/2021 04h00

Antes do primeiro beijo, você se imagina viajando para um final de semana romântico a dois. Ou, depois de dois encontros, você abre o app de comida e vê uma promoção especial logo no restaurante que o crush disse que amava. Qual o problema de mandar um lanchinho surpresa na casa dele ou dela?

"Ah, não faz a emocionada", diz uma amiga. "Trata ficante como ficante", diz outra. Ok, as histórias de amor não tem mais a mesma cara das que assistíamos nas comédias românticas. Mas será que em limite ou regra para demonstrar afeto numa relação, mesmo sem rótulos:

Preparar o prato preferido do @, dormir com ele após o sexo ou tratá-lo com carinho é ser "emocionada" ou apenas gentil? Pergunta como essa andam embaralhando a cabeça de muitos solteiros. E quem ultrapassa os limites - imaginários, vale dizer - entre o "namoro oficial" e "relação casual" se vê numa cilada: tratar o ficante com a atenção que ele merece pode ser visto como algo "emocionado", um passo além do que o envolvimento entre os dois permite?

Quais são as cláusulas que ninguém nos conta desse formato de envolvimento? A seguir, a opinião de mulheres que já se viram nesse tipo de situação, da psicóloga e terapeuta de casais Sandra Baldacci e da coach de relacionamento Luiza Vono.

Uma ficada e nada mais

A bióloga Fernanda*, de 32 anos, está passando por uma reavaliação da ficada. Por ter se mudado do Rio de Janeiro, onde tinha um ficante fixo, para São Paulo, por uma proposta de trabalho, percebeu que a relação virou algo mais sério, ainda que não tenha rótulo de namoro.

"Ficamos juntos desde 2019 e, agora, com a distância, nos vemos a cada dois, três meses. A questão é que, quando vamos para a casa um do outro, ficamos o final de semana inteiro juntos, ele cozinha para mim, bebemos vinho, dormimos de conchinha, o cachorro dele me adora...", analisa. "Só que, na minha cabeça, isso é ser totalmente emocionada, porque ainda não batemos martelo de namoro."

Segundo Fernanda, apesar de sentir que o casal está no mesmo nível de envolvimento, o parceiro é mais introspectivo - o que faz com que ela se controle para demonstrar comprometimento. "Ele é bem fechado, não sei se por conta de relações anteriores. Isso me deixa com medo de eu estar viajando... Ao mesmo tempo, andamos de mãos dadas nas ruas, e as pessoas que nos conhecem sabem que estamos juntos." Deve ser por causa dessa dúvida, aliás, que ela preferiu manter sua identidade em sigilo. Falar sobre o relacionamento não oficial na internet é ser emocionada? Talvez.

As regras que ninguém fala

Para a estudante de Medicina Verônica Affonso, 30 anos, o "trate ficante como ficante", de fato, pressupõe algumas regras. Que ela mesma já quebrou ao se relacionar anteriormente. "As regrinhas são não ir muito a fundo. Tratar a pessoa bem, claro, mas não contar com ela para fazer as coisas ou apresentar para a família, por exemplo", comenta. "Eu já estive do lado de me relacionar sendo a emocionada e de ter um emocionado, no entanto; foi quando fiquei com um cara que no primeiro dia me levou para conhecer a família."

Verônica conta que ele também pediu para conhecer a dela, mas tempos depois resolveu cravar que "eles não tinham nada sério". "E eu nem queria ter. Mas ele alimentava isso, ao me apresentar para amigos também." Depois de algumas experiências como a "ficante emocionada" da dupla, ela acredita que seria muito mais fácil se as pessoas conversassem sobre o status da relação logo no início. "Nossa sociedade depende de rótulos, preciso saber se sou ficante, amiga, namorada, noiva... Dependemos de saber nossa posição. Se a pessoa fala 'só estamos ficando', é mais fácil".

Sou emocionada? E agora?

A coach de relacionamento Luiza Vono avalia que uma "emocionada" nas relações "é alguém que enxerga coisas que não existem, que pensa que um oi é um vamos namorar agora'. Que tem uma distorção da realidade".

Para ela, é comum que esse seja um comportamento de mulheres em relações heterossexuais - mas, é claro, qualquer pessoa pode ser emocionada no envolvimento afetivo. "É que, de maneira geral, os homens tendem a ser mais literais e as mulheres, a fantasiarem além do que é".

Até o sexo no primeiro encontro, explica Vono, pode ser um fator que gera "mais emoção" entre os ficantes. "A mulher pode interpretar que, com aquele nível de intimidade, é claro que deverá ter um segundo encontro. A relação sexual para o homem é satisfação do prazer, enquanto, para mulher, é a possibilidade de conexão mais profunda". Vale dizer que os comportamentos sexuais não são regras e que dependem do tipo de perfil de cada pessoa, do repertório de vida e de como as relações se dão neste sentido.

A terapeuta de casais Sandra Baldacci diz que, na verdade, não existem regras para dizer como se envolver com os ficantes. E que tentar criar alguns preceitos internos antes mesmo do primeiro beijo pode representar uma tentativa de controle sobre o outro e de si mesmo. "O que vemos é que as pessoas se prendem ao que o outro está esperando dela, supondo que é casual... Mas, às vezes, o outro quer algo sério", comenta. "E, se ao longo do caminho isso mudar, eles podem conversar".

Reconhecer as próprias vontades e não se abster de demonstrar afeto quando quiser, dizem as especialistas, podem ser uma saída madura para saber como se relacionar em uma ficada. "Ainda que não dê para generalizar, as mulheres ainda têm uma cultura de ser escolhidas e de não conseguirem ser 'frias'. Mas o que importa é perceber o que é melhor para você, se é um relacionamento sério, respeitar isso; é complicado quando se sente vontade de ter algo fixo, mas aceita o casual", diz Sandra. "E afeto cabe em qualquer relação, mesmo naquela de uma noite e nada mais", afirma Luiza.

*O nome da entrevistada foi trocado por um fictício a pedido dela, para manter a privacidade