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Luiza: quem é a sertaneja lésbica que não quer saber de sofrência

"Sou uma das únicas mulheres lésbicas no sertanejo. Já sofri com olhares, mas não dou espaço para esse tipo de coisa", diz Luiza - Divulgação
"Sou uma das únicas mulheres lésbicas no sertanejo. Já sofri com olhares, mas não dou espaço para esse tipo de coisa", diz Luiza Imagem: Divulgação

Júlia Flores

De Universa

03/03/2021 04h00

Há um ano, quando a canção sertaneja "S de Saudade" tocou em uma festa do BBB20, Gabi Martins, Gizelly Bicalho, Marcela McGowan, Rafa Kalimann e Thelminha cantaram na maior empolgação os versos "Sextou com S de saudade/Cheio de balada na cidade/ Mas nenhuma delas tem o show que cê dava na cama/ Nenhum DJ toca sua voz falando que me ama".

A cantoria das sisters era o empurrãozinho que faltava para a música estourar, alcançar mais de 150 milhões de plays no Spotify e a dupla sertaneja Luiza e Maurilio ficar conhecida. Além da fama, o BBB rendeu para Luíza Martins uma paixão.

No fim de 2020, a mineira de 29 anos fez uma viagem com as ex-BBBs Gizelly e Marcela. Pouco tempo depois, ela e a médica se aproximaram e começaram a namorar. O relacionamento está sendo mantido na ponte-aérea Goiânia-São Paulo, onde Marcela vive com os dois gatos do casal.

Foi do apartamento da namorada que Luiza, chamada de Alcione do sertanejo pelo timbre grave como o da Marrom, conversou por telefone com Universa. Ela revelou não gostar de sofrência, falou de Marcela, da carreira e das dificuldades de ser lésbica em um meio conservador e machista como o do sertanejo.

A cantora identifica os problemas do sertanejo, mas acredita servir de exemplo para quem não se reconhece nesse meio. "É a música do homem heteronormativo sim, mas é um estilo que amo. Tenho um papel maior do que imaginava."

UNIVERSA: Você sempre quis ser cantora?

LUIZA: Canto desde criança, sempre fui música e nunca tentei outra carreira. Minha mãe sempre incentivou nossos talentos. Com 17 anos, ela me perguntou o que eu sabia fazer. E respondi: cantar. E ela me disse 'enfia a cara e vai'. Nunca tive medo. Comecei a cantar com uns 15 anos —profissionalmente, aos 17. Antes disso, tinha vergonha de cantar em público. Até que um dia tive meu primeiro contato com o palco em um barzinho e desde esse dia não parei mais. O Maurílio apareceu na minha vida há uns 6 anos.

Luiza, Marcela e um dos gatos do casal - Reprodução Instagram @marcelamcgowan - Reprodução Instagram @marcelamcgowan
Luíza, Marcela e um dos gatos do casal
Imagem: Reprodução Instagram @marcelamcgowan

Tem gente que não sabe que uma mulher é quem canta "S de Saudade". Já sofreu bullying por ter a voz grossa?

Me espanta conhecer alguém que já sabia que por trás da música tinha uma mulher cantando. Quando começaram a compartilhar a música, a galera me descascava. Diziam que minha voz era de homem, que eu estava forçando, que aquilo era feio. Eu sempre soube que esses ataques não me diziam respeito — primeiro porque eu não posso agradar a todo mundo, segundo porque não posso forçar ninguém a gostar. Com o tempo, pararam de me perturbar.

Como você, enquanto mulher e lésbica, encara o sertanejo, um meio machista e conservador?

Eu simplesmente vou. Não olho para o lado, não olho para trás. Estou nadando contra a correnteza. Tenho consciência disso, mas não coloco isso como um problema.

Nunca precisei me 'assumir'. Me descobri lésbica nova e sempre fui bem resolvida com a minha sexualidade. Se alguém tem problema com isso, não sou meu. Sei que não é nada 'normal' no meio em que vivo, mas não sou 'normal 'mesmo (risos).

Já sofreu preconceito?

A cantora Luiza - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Com voz grave, ela é chamada de Alcione do sertanejo
Imagem: Reprodução/Instagram

Sou uma das únicas mulheres lésbicas no sertanejo. Já sofri com olhares, comentários, conversas, mas não dou espaço para esse tipo de coisa. Uma vez que você dá abertura para papos negativos, você se abre para coisas negativas. Sou uma pessoa que deixa as coisas passarem.

O sertanejo é a música do heteronormativo —não estou colocando isso como critica, mas como constatação. Só que é também um estilo que eu amo muito, que me acolhe. Sou grata aos amigos que fiz no caminho, pessoas que bateram nas minhas costas, me incentivaram e disseram: 'só vai, fia'. É um estilo tradicional, então qualquer coisa que seja diferente do que já é feito, vai causar algum impacto.

Eu, por exemplo, faço dupla com um homem, o Maurílio, mas a voz mais grossa é a minha. Sou lésbica, não sigo estereótipos. Recebo várias mensagens de fãs. Esses dias um menino me mandou uma mensagem dizendo que gostava muito de sertanejo, mas nunca tinha se sentindo representado e que agora, comigo, se sentia. Ali, entendi que tenho um papel maior do que imaginava.

Votou em Jair Bolsonaro, como a maioria dos cantores sertanejos?

Prefiro não falar sobre política. Sou conhecida por ser uma pessoa neutra, não gosto de me envolver em polêmica.

Luíza com o colega de dupla Maurílio  - Divulgação  - Divulgação
O cantor Maurílio é quem faz dupla com Luiza
Imagem: Divulgação

Como foi sua aproximação com a Marcela? Quem chegou em quem?

Fomos apresentadas por amigos. Não nos conhecemos há muito tempo, mas nos reconhecemos rapidamente. Em novembro, organizei uma viagem para Alagoas no meu aniversário e decidi convidar a Gizelly Bicalho (ex-BBB), minha amiga. E a Gi chamou a Marcela.Mas a Marcela foi a pessoa com quem menos conversei lá. Mas, por causa da viagem, criamos um grupo no Whatsapp.

Depois de um tempo, voltei para São Paulo para gravar um programa e chamei essa galera para jantar. Foi uma amiga nossa que sugeriu que a gente se aproximasse e perguntou o que eu achava da Marcela. E eu disse que ela era uma gata. Pintou um clima e a gente ficou. Ficou e foi ficando, desde então não nos desgrudamos mais.

Como é a relação de vocês?

Agora estamos aqui em São Paulo com dois filhos gatos. Sempre fui muito tranquila no amor, nunca fui emocionada [como são chamada as lésbicas que já querem namorar ou morar junto logo após o primeiro encontro]. Mas com a Marcela tenho uma tranquilidade em ser emocionada e quero ser assim para sempre. É muito especial o que temos, nunca tive isso com ninguém. Acho ela a coisa mais maravilhosa, 'desgraçada', cheirosa, linda do mundo. Nos damos bem, temos ideias parecidas. Às vezes temos 13 anos, às vezes 68. Somos jovens senhoras.

"É especial o que eu e Marcela temos", diz a cantora - Reprodução Instagram @marcelamcgowan - Reprodução Instagram @marcelamcgowan
"É especial o que eu e Marcela temos", diz a cantora
Imagem: Reprodução Instagram @marcelamcgowan

Você assistiu ao 'BBB' com ela? E acompanha a edição que está no ar? Tem gente comparando a Carla Diaz com a Marcela, dizendo que ela também está se perdendo no jogo por causa de um homem.

A edição com ela foi a que eu mais assisti. O BBB21 eu acompanho pelas redes sociais. Acho que quando a gente está assistindo é diferente. Lá dentro, é outra coisa. Ela fez o que achava que era certo. Conheci o Daniel através da Marcela, ele é um cara legal, iluminado, gentil e educado. Talvez a Marcela só tenha se juntado a uma pessoa que era bacana dentro da casa.


O que achou dos episódios de bifobia que rolaram dentro do BBB após Lucas ter dito que é bissexual e beijar Gilberto?

Entendo que essa questão deva ser levantada para que as informações cheguem até as pessoas. Mas não entra na minha cabeça o que motiva pessoas a se juntarem para falar sobre a vida dos outros, a sexualidade alheia. Não gosto de pessoas que não 'aceitam' o que o outro é — não aceita por que mesmo, meu querido?

Cada um tem um corpo, uma história, problemas para resolver. Por isso que a sexualidade é um campo descomplicado para mim, ninguém tem que concordar com nada. É a minha vida. Achei ridículo o que rolou lá dentro. Não entendi, sinceramente. É uma falta do que fazer ficar preocupado com isso.

Você e o Maurílio estouraram na pandemia. Como tem sido trabalhar nesse momento, sem shows, sem nada?

É muito doido. Eu e Maurílio batalhamos bastante até que conseguimos estourar uma música — e foi justamente na pandemia. Quando devíamos colher os frutos de todo o trabalho, veio o isolamento.

Toda vez que alguém me perguntava qual era o meu maior sonho, sempre respondia que era chegar em um lugar e as pessoas saberem cantar minha música. Agora que consegui isso, não pude aproveitar. Vou fazer o quê? Nada, aceitar. Acredito que tudo tem um propósito maior por trás.

"S de saudade", "Pode sumir", entre outras, são músicas de "sofrência". Você sofre por amor?

Dou chance aos sentimentos, mas não costumo sofrer não. Acho válido você viver as coisas e os períodos da vida. Se você está feliz, aproveite. Se você terminou, sofra, tenha um tempo para chorar, para viver o fim do relacionamento. Só que eu não tenho muito saco para sofrer não. Não consigo.

Acho inclusive que se eu sofresse mais, iria compor ainda mais sucessos. Acredito que as coisas acontecem como deveriam acontecer. Tudo tem uma razão. Quem sou eu para ficar batendo cabeça? Sinceramente, não tenho esse espírito sofredor.