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"Ele sumiu na noite de Ano-Novo" e outras histórias terríveis de ghosting

A paulistana Paula Brazão, 31, sofreu um ghosting na noite de Réveillon - arquivo pessoal
A paulistana Paula Brazão, 31, sofreu um ghosting na noite de Réveillon Imagem: arquivo pessoal

Mariana Toledo

Colaboração para Universa

01/03/2021 04h00

"Ghosting" é um termo usado para designar o término repentino de um relacionamento, sem deixar justificativas. A pessoa simplesmente desaparece da vida da outra com quem estava envolvida, sem dar maiores explicações sobre o fim. "Esse fenômeno já existe há séculos mas, nas relações contemporâneas, se intensificou o suficiente a ponto de precisar ganhar um nome", explica Natalia Timerman, psiquiatra e autora do romance "Copo Vazio", cuja protagonista sofre um ghosting.

Após a popularização dos aplicativos de relacionamento, como Tinder, Happn e Bumble, o problema virou mais frequente, como explica Natalia.

Os apps colaboram muito para que as pessoas sejam tratadas como se fossem descartáveis, já que eles sempre podem oferecer mais alguém como opção de date. Eles também possibilitam que membros de círculos sociais diferentes se encontrem, e não ter amigos em comum diminui o cuidado que se teria para terminar um relacionamento - seja pela chance de um encontro não planejado, seja para manter a própria imagem diante dos conhecidos

Para a psiquiatra, o ghosting também revela uma inabilidade contemporânea em lidar com os sentimentos. "Na maior parte das vezes, é a dificuldade em compreender e lidar com os próprios sentimentos que leva alguém a desaparecer, como se, ao se tornar invisível e inaudível ao outro, desaparecessem também as questões que não queremos confrontar."

Aqui, mulheres que passaram por essa experiência traumática relatam o que sentiram.

"Tive que ouvir da mãe dele que ele não queria mais nada comigo"

A produtora audiovisual Fernanda Alves, 40, do Rio de Janeiro, soube do paradeiro do crush pela mãe dele - arquivo pessoal - arquivo pessoal
A produtora audiovisual Fernanda Alves, 40, do Rio de Janeiro, soube do paradeiro do crush pela mãe dele
Imagem: arquivo pessoal

A produtora audiovisual Fernanda Alves, 40, do Rio de Janeiro, conheceu o Bernardo* em um bar que ela costumava ir com os amigos todo final de semana. Foram eles, inclusive, que apresentaram os dois. A química foi imediata.

Ele era intenso e apaixonado. Mergulhei naquilo. Ficamos juntos quatro meses, era um namoro.

O casal se falava pelo telefone todos os dias na hora do almoço: "Um dia, liguei pra ele normalmente, como de costume. Naquela manhã, minha mãe tinha passado mal e ido ao médico e contei pra ele toda a situação. Nos despedimos e ficamos de nos falar mais tarde". Duas horas depois, com a mãe já em casa, Fernanda resolveu ligar de novo para o Bernardo para avisar que estava tudo bem, mas ele não atendeu. Ela mandou várias mensagens, que ele também não respondeu. Ao tentar contato pelas redes sociais, percebeu que havia sido bloqueada. E não só ela - seus amigos também.

Ele simplesmente desapareceu. Eu não sabia o que estava acontecendo e fiquei preocupada. Cogitei bater na porta da casa dele, mas pensei melhor e entendi que ele não queria mais me ver. Fiquei tentando contato por duas semanas, sem sucesso.

Quando o sumiço já passava de 15 dias, Fernanda resolveu pegar um telefone emprestado para ligar na casa do já ex-namorado - onde, para garantir, ele não conseguiria identificar a chamada - e a mãe dele atendeu. "Você não percebeu ainda que ele não quer mais nada com você?", foi o que ela ouviu.

"Estranhei porque não estávamos brigados nem nada. Um dia, ele simplesmente decidiu sozinho que o relacionamento tinha acabado. Foi uma história muito louca, pensando agora. Mas na época foi bem difícil pra mim. Mexeu muito com meus sentimentos de rejeição", revela. Fernanda e Bernardo nunca mais se viram ou se falaram.

"Brinco que até hoje eu namoro com ele, porque não rolou um término oficial. O que mais incomoda é essa indefinição. Não acho que tudo na vida precise de explicação, mas eu precisava de uma pra fechar esse ciclo", conclui.

"Ele sumiu e me deixou sozinha na noite de Ano Novo"

A paulistana Paula Brazão, 31, passou por um ghosting daqueles. Ela e Vinícius* se conheceram por meio de um app de paquera, combinaram de se encontrar pessoalmente e, a partir daí, começaram a sair direto.

Estávamos ficando há quase dois meses e ele me dizia que estava apaixonado, que não se sentia daquele jeito há muito tempo

O fim do ano foi se aproximando e ele a convidou para passarem a noite de Réveillon juntos, em uma festa. Paula, que na época trabalhava em sistema de plantão e ficaria na empresa até às 21h, não conseguiria viajar com os amigos e nem voltar para a cidade de seus pais, no interior do estado, e acabou topando.

No dia da virada, ela estava trabalhando e nada do cara mandar mensagem - ele tinha ficado de dar mais detalhes sobre o evento, como local e horário para eles se encontrarem. Mesmo quando Paula o procurou, ele não respondeu. Foram algumas mensagens ignoradas até ela entender o que estava acontecendo:

Não queria acreditar que ele tinha sumido justo naquele dia. Mandei uma última mensagem à noite, quando estava quase saindo do trabalho. Nada de resposta. Acabei passando a virada do ano com colegas do trabalho, que me convidaram de última hora quando viram a minha situação. Mais tarde, Vinícius postou no Instagram vários Stories se divertindo na tal festa.

Os dois não se falaram mais. Algumas vezes, Paula esbarrou com o perfil dele em outros aplicativos - mas não deu like de novo. "Eu me senti muito desrespeitada. O meu tempo é tão valioso como o de qualquer outra pessoa - mas ele agiu como se o dele fosse mais importante. Pra mim, ficou a lição de não acreditar tão de cara nas pessoas e esperar um pouco mais pra me jogar de cabeça numa relação", reflete.

Não é uma atitude exclusiva dos caras: mulheres também somem

A engenheira Mônica Silva, 29, que fez ghosting foi ela! - arquivo pessoal - arquivo pessoal
A engenheira Mônica Silva, 29, que fez ghosting foi ela!
Imagem: arquivo pessoal

A engenheira Mônica Silva, 29, já conhecia Alexandre* dos corredores da faculdade. Eles não eram próximos, mas tinham amigos em comum. Ela namorava e, quando o relacionamento chegou ao fim, soube por meio de uma amiga que o cara estava a fim dela. Algumas semanas depois, rolou a primeira ficada, em um churrasco na casa dele. A partir daí, o casal começou a sair direto.

Além de combinar dates particulares, eles sempre se cruzavam nas festas da universidade, onde ficavam juntos também. Foram dois meses nesse lance - trocando mensagens e saindo com frequência. "Ele era muito atencioso, sempre me elogiava. Eu estava curtindo sem pressão - nós dois tínhamos terminado um namoro há pouco tempo e por isso queríamos mesmo algo mais leve", explica.

Uma noite, Mônica foi curtir uma festa com as amigas e, na saída, já de madrugada, foi pra casa de Alexandre. "Eu estava cansada, tinha bebido. Naquele dia, foi tudo meio esquisito entre a gente. Não sei dizer o porquê, mas não curti", disse. Foi aí que ela deu o ghosting: "Voltei pra minha casa e, a partir daí, não respondi mais as mensagens dele".

Mônica disse que não teve um motivo específico para ter sumido.

Perdeu a graça, eu perdi a vontade, não sei... Era um cara muito legal, gente boa, mas não acho que tivemos uma conexão tão legal. Fui deixando para respondê-lo depois e esse depois nunca chegou.

Mônica diz que hoje se sente culpada por ter agido dessa forma. "Se fosse o contrário, eu teria ficado bem chateada. Mas ao mesmo tempo penso que não tínhamos nada sério, então não tem tanto problema..."

*Os nomes dos rapazes que aplicaram o ghosting foram alterados a pedido das entrevistadas