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Dia mundial das doenças raras: mães batalham no diagnóstico dos filhos

Adriana e Ana - arquivo pessoal
Adriana e Ana Imagem: arquivo pessoal

Manuela Aquino

Colaboração Universa

28/02/2021 04h00

A advogada Adriana Monteiro da Silva, 45 anos, de Brasília ficou oito meses sem dormir quando sua filha Ana Luisa, hoje com 20 anos, nasceu. Não foi porque a bebê acordava muito à noite para mamar ou chorava. Ela Simplesmente não dormia. "Embora eu não tivesse referência pois era minha primeira filha, a levei ao neurologista com sete dias, pois ela não dormia hora nenhuma. Ele disse que ela não dormia por minha causa pois eu estava estressada", conta.

Adriana sabia que havia algo diferente e isso só ia ganhando certeza com o passar do tempo. "Ela começou a apresentar refluxo nos primeiros, não tinha muita sucção para amamentação. Além de tudo isso, ela percebia que a filha não chorava. Mas mesmo assim, não teve suporte do médico, do marido (que a achava exagerada) nem da família.

"Foram meses sem nenhum tipo de suporte, mudança de pediatra, até que com oito meses ela não sentou e um pediatra disse que algo havia ali e começamos a investigar. Não sei como sobrevivi sem dormir e com essa angústia toda", diz Adriana que conseguiu o diagnóstico quando a Ana tinha 1 ano e 4 meses.

A médica na época suspeitou de síndrome de Angelman ou Prader-Willi só de olhar para as características físicas dela. Um exame genético confirmou a primeira opção. Saber o que era foi libertador: "Minha família toda caiu em pranto e eu fiquei feliz em saber o que ela tinha. Conhecia o caminho a trilhar, não precisava focar em coisas que não teria condição de fazer. E eu não estava doida." Essa longa jornada fez com que Adriana voltasse seu olhar às outras mães e se especializou em direito voltado às famílias com síndromes raras e de pessoas com deficiência - Ana também é autista. Hoje, Adriana é uma referência na área.

Referência também é Marília Castelo Branco, da Associação Síndrome do Amor que acolhe famílias com doenças e síndromes raras. Seu filho, Thales, nasceu com Síndrome de Edwards e viveu até um ano e meio. Segundo ela, há milhares de doenças raras no mundo e fica difícil para os profissionais se especializarem em todas. Algumas nem tem nome, como a da Sophia, de 4 anos, de Vitória da Conquista, na Bahia. "Ela foi a primeira aqui no Brasil com essa síndrome e há 3 pessoas no mundo", diz a mãe Natália Marques Brandão, de 28 anos. O diagnóstico final foi feito depois de onze meses e o exame apontou trissomia do cromossomo 22.

Natalia e Sophia - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Natalia e Sophia
Imagem: arquivo pessoal

Sophia nasceu sem o globo ocular, mas nem na maternidade nem na primeira consulta do pediatra isso foi notado, achava-se que ela tinha alguma inflamação para ter os olhinhos fechados. "Na maternidade, na verdade, quando eu a peguei pela primeira vez notei que o corpo estava mais molinho em comparação à minha primeira filha. Os médicos levaram minha filha, eu achei estranho, e me deram remédio para dormir até investigarem. Havia suspeita de alguma síndrome, mas a questão do olho não foi percebida", conta.

A descoberta foi depois da alta, em uma consulta ao oftalmologista. "Mas até chegar ao que ela realmente tinha foram onze meses", fala Nathalia, que é mãe de mais duas meninas. A mãe foi percebendo que a filha tinha o corpo mais mole e não se sentia, por exemplo, ao mesmo tempo das outras crianças. Um exame de sangue detectou o cromossomo a mais, mas não havia nada na literatura médica sobre. "Sophia tem pouco tônus muscular, não anda, tem também cardiopatia e apresenta atraso cognitivo. Já fica um pouco em pé, se segurando, e a gente vai comemorando cada vitória. Não foi um caminho fácil até aqui, mas passaria tudo de novo por ela", fala.

Quando a comunicação falha

No caso da Síndrome de Edwards, além da conscientização das famílias, um dos focos é combater a ideia de que a criança não irá sobreviver. "Os médicos dizem ser incompatível com a vida. Para o Thales da Marília a expectativa era de trinta dias. É muito comum a pessoa ser orientada a abortar, mas a criança pode sim viver e com qualidade", fala.

Rita e Maria - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Rita e Maria
Imagem: arquivo pessoal

Foi o que aconteceu com Rita Pralom, 55 anos, de Campinas (SP), e hoje sua filha, Maria Letícia, está com 12 anos. Ela descobriu que estava grávida, aos 42 anos, depois de dois abortos espontâneos. A gestação correu normalmente e no ultrassom de cinco meses foi dito que só tinha um rim. Mas somente no de sete meses, a síndrome foi percebida pelo médico, que a comunicou de um jeito direto e nem um pouco humanizado. "Ele me disse que tinha uma síndrome. Eu perguntei se estava vivo. Ele me disse ?por enquanto, mas se nascer com vida vai morrer em seguida?. Eu chorei, achei um absurdo ter passado por tudo aquilo", conta Rita, que parou de trabalhar e se dedica por tempo integral à filha, que não anda, não fala e se alimenta por sonda. "A Maria é muito feliz, brinca adora uma bagunça. É uma vida difícil, a gente perde a vida social, os amigos, é uma maternidade solitária, mas cheia de amor e aprendizado", fala Rita, que há três anos assumiu a vice-presidência da associação à três anos e ajuda, somente no WhatsApp, mais de vinte grupos de pais.

Encontrar ou construir uma rede de apoio é fundamental para que essas famílias tenham força para enfrentar os tratamentos, o cotidiano, mas também para não se isolarem da sociedade. "A vida não pode ser uma doença, uma síndrome, precisam acontecer outras coisas. Você tem um filho com algo raro, mas você quer viver como as outras pessoas e não perder a sensação de pertencimento é fundamental para poder viver a experiência da maternidade rara", diz Marília.