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Violência doméstica: por que domingo é o dia de maior risco para a mulher?

Fatores de risco aos finais de semana expõem vítimas às agressões - Getty Images/iStockphoto
Fatores de risco aos finais de semana expõem vítimas às agressões Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

14/02/2021 04h00

Sentimento de posse sobre a companheira, exigência de submissão feminina por parte do homem e demonstração de poder são algumas das explicações que pesquisadoras apresentam ao falar sobre a alta incidência de casos de violência doméstica no país - o dado mais recente indica que uma agressão ocorre a cada dois minutos, ou 266 mil por ano. Mas, além do aspecto analítico há, no dia a dia, fatores de risco que podem deixar as vítimas ainda mais expostas a agressões.

Um levantamento inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o dia da semana é um desses fatores. Segundo o estudo, de todos os registros semanais, 22% se concentram nos domingos. O segundo dia da semana com mais casos é o sábado, com 17%, seguido pela segunda, com 14%. De terça à sexta, o número cai para 12%.

Os dados são referentes ao período de 2015 a 2019 e foram coletados em seis estados de diferentes regiões: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo. Embora levantados antes da quarentena, indicam uma tendência que faz parte da rotina do brasileiro.

A explicação para a concentração de casos nos finais de semana se dá, principalmente, pelo maior tempo de convivência entre agressor e vítima dentro de casa. "Junto disso há um combo de fatores que envolvem consumo de álcool e algum tipo de estresse, seja porque o time perdeu, seja porque tem que voltar ao trabalho na segunda", explica Samira Bueno, diretora executiva do FBSP.

"Mas nada disso é justificativa. O homem não bateu na companheira porque bebeu, mas porque é agressivo e encontrou algum momento específico para colocar a raiva para fora partindo para a agressão física."

A pesquisa do FBSP mostra ainda que 40% dos registros são feitos à noite, sem especificar a diferença entre os dias da semana.

"Álcool é estopim para violência que já existe no relacionamento"

O estado do Rio de Janeiro segue a mesma tendência de pico de ocorrências aos domingos (19%) e sábados (16%). O dado consta no documento Dossiê Mulher 2020, formulado pelo ISP (Instituto de Segurança Pública).

Para a pesquisadora Vanessa Campagnac, que coordenou o estudo, entre os chamados fatores de risco, o consumo de álcool é o que mais aparece nos registros de ocorrência analisados. Mas, ela reforça: "É estopim para uma violência já existente no relacionamento."

"Dificilmente um registro de ocorrência é feito na primeira agressão. E ainda assim, antes do ataque físico, muitas vezes há abusos psicológicos, que não costumam ser vistos como crime", diz Vanessa.

Ela ainda inclui na lista programas ligados a futebol, onde também costuma haver consumo de álcool, como outro fator que leva o agressor a ficar com os ânimos exaltados. "E ele mesmo pode usar essa desculpa para tentar se redimir, dizer que agrediu a mulher porque o time perdeu. Depois, volta a tratar bem, até que mais uma vez a tensão aumenta e volta a atacá-la, completando o ciclo da violência."

Para a advogada Renata Bravo, especialista em direitos das mulheres e autora do livro "Feminicídio: Tipificação, Poder e Discurso", o ambiente do futebol é marcado por machismo, agressividade e poder, o que também aparece nos estudos sobre violência doméstica e feminicídio. "A rivalidade, a masculinidade agressiva que o futebol tem, acaba aparecendo em outras atitudes dos homens na sociedade. Não que seja determinante, mas há uma ligação."

"No pico semanal das agressões, há menos delegacias da mulher abertas"

Samira, do FBSP, levanta outro ponto importante em relação aos dados: no pico dos casos de agressões é quando há menos lugares abertos para mulheres procurarem ajuda. "Apenas 8% dos municípios brasileiros têm delegacias da mulher, o que já é um problema. E as que existem costumam funcionar de segunda a sexta-feira, em horário comercial", diz.

No estado de São Paulo, das 135 delegacias da mulher, dez são 24 horas, sendo que sete delas estão na capital. Das outras cidades, somente Campinas, Santos e Sorocaba contam com o serviço.

"Quais alternativas estamos dando para essas mulheres serem acolhidas? Não há outros equipamentos que podem ficar à disposição. Um exemplo é a Casa da Mulher Brasileira, que não está preocupada só com registro policial, mas também em oferecer serviços de assistência psicológica e jurídica. É uma excelente política, mas foi descontinuada."

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, há unidades da Casa da Mulher Brasileira em seis capitais. Em junho de 2020, o órgão prometeu a inauguração de mais 25 delas até 2021, mas nenhuma dessas foi aberta até agora. "Vejo essa omissão em relação à ajuda às vítimas como um ato de desprezo pelas vidas das mulheres."