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Pastor da Igreja Getsêmani é acusado de abuso sexual por mulheres no Amapá

Pastor Jeremias Barroso, da Igreja Getsemani, em imagem disponível em seu site - Reprodução/Igreja Getsemani
Pastor Jeremias Barroso, da Igreja Getsemani, em imagem disponível em seu site Imagem: Reprodução/Igreja Getsemani

Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

02/02/2021 04h00

"Ele me disse 'vou fazer uma oração e você vai tocar em todos os lugares que seu ex-namorado te tocou', exigindo que eu colocasse os dois dedos dentro da minha vagina, a outra mão na minha língua e perguntou se eu estava gostando". Quem conta é uma jovem de 24 anos, que acusa o pastor evangélico Jeremias Barroso, da congregação Igreja Getsêmani, de abuso sexual. Por meio de seu advogado, o pastor, que é uma das principais lideranças religiosas do Amapá, nega as acusações e se diz vítima de calúnias.

O relato da jovem faz parte de um inquérito instaurado na Delegacia de Crimes Contra a Mulher (DCCM), do Macapá. O caso, que conta com denúncias de mais 12 mulheres, foi investigado em sigilo ao longo do segundo semestre de 2020 e remetido ao Ministério Público do estado no início deste ano. Segundo apuração de Universa, o MP deve denunciar o pastor à Justiça nos próximos dias sob acusação de abuso sexual mediante fraude com base no relato de duas vítimas. Outras denúncias ainda estão em investigação sob sigilo.

O religioso é fundador da congregação Igreja Getsêmani, em Macapá, e ficou conhecido por coordenar a "Marcha para Jesus", evento evangélico que leva às ruas mais de 100 mil pessoas todos os anos no estado.

As investigações começaram em julho de 2020, depois que uma das vítimas contou para outras mulheres da igreja o que estava vivendo e descobriu que as amigas também sofreram situações semelhantes. Todas são atendidas pelo mesmo escritório de advocacia.

Pastor usava "purificação" como argumento para assédio, dizem relatos

A jovem de 24 anos diz que procurou a igreja do pastor em busca de um refúgio espiritual após viver momentos difíceis em 2019. Logo no primeiro dia, conta, notou algo diferente no contato com o pastor, que pediu conversas particulares com ela.

A vítima afirma que Jeremias usava da autoridade religiosa para cometer os abusos. Um domingo, sem energia em casa, ela não foi à igreja. "Por volta de 0h, ele sugeriu por mensagem que poderia me pegar em casa e me levar pra tomar um banho. Eu recusei. Ele falou 'então vamos ao banheiro da igreja' e eu também disse que não. O pastor insistiu: 'Preciso orar em você, algo muito grave pode acontecer e precisa estar limpa'", relata a vítima, que parou de frequentar o templo.

Universa ouviu quatro das vítimas - uma delas ainda não formalizou denúncia, mas é atendida pelos mesmos advogados. Todas contaram o drama vivido sob a condição de anonimato. Os relatos mostram um padrão de como o pastor agia: usava da reputação religiosa para cometer os assédios sexuais, geralmente praticados em seu gabinete.

O artifício de suposta purificação teria sido usado por Jeremias com outras fiéis da igreja. Uma modelo e designer, de 18 anos, ouvida por Universa conta que também virou alvo do pastor por meio da mesma estratégia em 2019, quando ainda era menor de idade.

Após ser chamada com a irmã ao gabinete da igreja, Jeremias exigiu, segundo o relato, ficar sozinho com ela na sala. O pastor, então, a persuadiu a participar de uma suposta oração para expulsar o que ele chamou de "demônio". "Ele começou a me perguntar se eu estava namorando, se tinha tido relação sexual com alguém. Respondi, mesmo que desconfortável. Então, o Jeremias disse que precisava fazer uma oração por mim, pois estava possuída pelo demônio da pomba-gira e que durante o ato de santificação, eu deveria me tocar no peito e partes íntimas", conta.

A vítima acrescenta que não atendeu à exigência, então Jeremias pediu para ele mesmo colocar suas mãos em sua vagina. "Ele pediu pra eu me soltar, parar de ter vergonha, caso contrário não seria libertada do demônio. Como não teve sucesso, pediu pra pegar na mão dele e colocar nas minhas partes íntimas. Achei estranho e a coloquei na minha barriga. Foi quando ele tentou descer e não deixei. Depois de terminar, o pastor afirmou que não podia namorar com ninguém porque eu era dele", diz ela.

"Saí daquela sala horrorizada, com vergonha e nojo. Não consegui contar a ninguém", conta ela, que, encorajada por outras amigas com relatos semelhantes, procurou a Polícia Civil em 10 de julho de 2020.

Entre os relatos, uma das fiéis conta que recebeu do pastor um vídeo em que ele se masturba. Outra conta que ele mandava mensagens pelo Facebook perguntando a cor da calcinha que ela usava ou ligava na madrugada dizendo que estava "morrendo de vontade" dela. "Quero que a justiça dos homens seja feita porque a de Deus eu sei que não falha. Quero que pague por tudo, inclusive pelos danos psicológicos que deixou em mim e em todas as outras", diz.

Em mais um relato, uma fiel de 20 anos conta que o pastor pedia abraços e passava a mão em seu corpo depois de pedir que ela fosse a seu escritório. Nesse caso, ele sugeriu que entrassem em um motel depois que ela aceitou uma carona até sua casa.

Outro lado: pastor nega acusações

Procurado pela reportagem, o pastor Jeremias Barroso se manifestou por meio de seu advogado, Maurício Pereira. Ele negou os crimes e afirma ser vítima de calúnia.

A defesa também buscou desqualificar uma das mulheres que embasam a denúncia, afirmando que ela tem "problemas psicológicos". Além disso, acusou o advogado das vítimas de agir de modo antiético.

"[O pastor] jamais manteve qualquer relacionamento com as denunciantes. Provará que a primeira denunciante é pessoa que passa por problemas psicológicos e psiquiátricos, já tentou suicídio e certamente está sendo usada por pessoas com propósitos escusos. Infelizmente, houve um apelo midiático, nas redes sociais, onde um profissional de direito se ofereceu para ajuizar ações com promessa de êxito e vantagens às jovens e mulheres que tenham sido molestadas pelo pastor Jeremias. Esta conduta antiética e antijurídica serviu de mote para denúncias infundadas", justificou o advogado.

Em relação ao vídeo que uma mulher denunciante diz ter recebido de Jeremias, a defesa confirma autenticidade do conteúdo, mas nega que tenha sido encaminhado a ela.

"O chocante vídeo, que envergonha o senhor Jeremias Barroso, sua família e a igreja que presidia foi filmado num momento de fracasso espiritual, quando teve um relacionamento extraconjugal por meio virtual. A pessoa a quem dirigiu o referido vídeo, inclusive, testemunhará este fato", afirma.

Por fim, a nota afirma que, por causa das denúncias, Jeremias "afastou-se do Ministério Pastoral e da diretoria da igreja enquanto perdurarem as apurações; submeteu-se a um tratamento de restauração espiritual pela Aliança de Pastores; e abstém de qualquer contato, por qualquer meio com as vítimas e testemunhas do processo".

Advogado da mulheres pede prisão preventiva do pastor

Cícero Bordalo Júnior, que defende o grupo de mulheres, diz esperar que o religioso seja condenado a ao menos 20 anos de reclusão, somadas as condenações por cada um dos abusos cometidos. O advogado alerta que novos casos devem surgir, inclusive envolvendo menor de idade.

"Com relação à menor de 14 anos, o crime é de estupro presumido. Sobre as demais vítimas, seria abuso sexual mediante fraude, que são no mínimo dois anos de reclusão. Como existem pelo menos dez, são 20 anos de reclusão, somando a pena mínima para cada uma das vítimas", diz o advogado.

Para que isso aconteça, porém, é preciso que o Ministério Público formalize a denúncia à Justiça, que a Justiça o torne réu e que ele seja condenado em seu julgamento.

Bordalo Júnior também fez a denúncia diretamente ao MP e pediu a prisão preventiva do religioso à Justiça, mas o pedido ainda não foi julgado. Procurado, o MP disse que não vai se manifestar por que o caso está sob segredo de justiça e diligências ainda serão adotadas.