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CEO aos 25 anos: "Já falhei miseravelmente, mas sempre querendo arriscar"

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Imagem: Divulgação

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

01/02/2021 04h00

No mais alto posto da Eureca (empresa de seleção para vagas de estágios e trainee) não tem nenhuma heroína dos negócios. "Eu me acho bem normal, na verdade", diz Carolina Utimura, que parece esquecer o fato de que aos 25 anos assumiu o cargo de presidente da companhia.

Para justificar a carreira meteórica, ela fala dos privilégios que teve ao longo da vida e da dedicação a cada posto que assumiu desde a universidade, quando trabalhou como voluntária. A trajetória meteórica começou na Brasil Júnior (Confederação Brasileira de Empresas Juniores), onde foi presidente executiva. Depois de entrar na Eureca, em seis meses já era gerente comercial, em outros seis assumiu a liderança de operações e, em seguida, foi convidada para torna-se CEO da empresa.

A jornada acelerada, no entanto, não veio sem dor. "Eu falo sem glamour nenhum, com zero apologia, que eu já tive burnout, aquela sensação de exaustão, um momento em que a minha maturidade não conseguiu sustentar o nível de pressão que eu estava me colocando", conta.

A inspiração para a carreira executiva veio primeiro da tia, que tinha um alto cargo em uma empresa de pesquisa, e ela via chegar em casa usando roupas sociais. "Não tinha ideia do que ela fazia, mas achava o máximo", diz. Quando ela mesma entrou para o mundo dos negócios, porém, não se reconhecia nas mesas de eventos corporativos: "Eu era a única mulher, a única jovem".

A saída, então, foi encontrar seu próprio jeito de liderar: sem romantismo, pedindo ajuda e reconhecendo que não tem todas as respostas. "Quando eu aceito a minha humanidade, também permito que as pessoas do meu time sejam elas mesmas", afirma.

Na entrevista a seguir, Carolina Utimura fala como enfrenta a síndrome de impostora, os desafios da carreira e como vê o mercado de trabalho para os jovens no Brasil.

UNIVERSA - O que você fez para virar CEO aos 25 anos? Qual é o seu segredo?

CAROLINA UTIMURA - Olha, eu não tenho cinco passos, não tenho uma receita mágica. Eu venho de um contexto bastante privilegiado, de uma família que nunca teve excessos, mas que não deixou faltar nada. Meus pais sempre me deram uma educação muito pautada nos valores, no trabalho e na escola. Eu também tive a oportunidade de fazer uma universidade pública, o que não é a realidade de todo mundo, estudei na Unesp [Universidade Estadual Paulista] em Bauru, e pude trabalhar voluntariamente.

Eu passei quase quatro anos no movimento Empresa Júnior, que hoje tem mais de 29 mil universitários associados no Brasil. Fui liderança da minha empresa júnior, dentro da Unesp e depois do Brasil. Em 2016, eu entrei para a Confederação das Empresas Juniores do Brasil e, no ano seguinte, assumi a vice-presidência de comunicação e a presidência executiva. Esses foram desafios muito fortes para mim. Tive que trancar a faculdade para morar na sede que a Brasil Júnior tem em São Paulo, então vivi intensamente, acordava e dormia naquilo, e foi muito especial para eu conseguir expandir a minha visão, entender a minha contribuição como juventude, como mulher e me aproximei desse potencial que o jovem tem.

Dentro da Eureca foi tudo muito rápido e sem muito planejamento. Entrei na área de vendas, com seis meses eu liderei o comercial, seis meses depois fui liderar operações, fiz uma transição horizontal que para mim foi superimportante para conhecer a organização, para explorar outras competências que eu não colocava tanto para jogo, e o processo de sucessão para CEO foi orientado para saber o que o negócio precisava e como as minhas competências e a minha visão de mundo conseguiam combinar com tudo isso.

Essa sempre foi a minha orientação: muito mais a trajetória do que necessariamente o nome do cargo, a atribuição estratégica e glamourosa que aquilo tem.

Você sempre teve o sonho de se tornar uma executiva? Quando você descobriu que era isso que queria?

Eu tenho uma tia que é executiva de uma grande empresa de pesquisa e ela foi a minha referência. Eu vivia na casa dela e sempre a via chegando com aquelas roupas sociais. Não tinha ideia do que ela fazia, mas achava o máximo. Ela foi um modelo, uma referência muito especial para mim, de ser uma mulher que tem uma família e todas as obrigações dessa jornada tripla que as mulheres fazem, e ao mesmo tempo ser uma liderança muito forte dentro da organização.

Mas um único modelo não é suficiente para que a gente se sinta segura e aceita nesses lugares. Quando estava na Brasil Júnior, a maioria das lideranças eram homens, pessoas que não se pareciam fisicamente comigo. Busquei uma forma minha, autêntica e até muito feminina de exercer esse papel. Isso me fez sentir uma responsabilidade não só por mim, mas também pelas outras meninas que poderiam estar ali. Foi quando eu percebi que do meu jeito as coisas também funcionavam, mas em outra perspectiva. Então foi esse estalar: eu caibo aqui, eu tenho espaço, a forma com que eu faço também é relevante, entrega resultados e não preciso deixar de ser eu.

Até agora, qual foi o seu maior desafio na carreira?

Eu acho que tenho grandes desafios todos os semestres. Eles não param. Mas o meu último grande desafio foi o processo de sucessão para assumir o cargo de CEO, que durou quase seis meses de avaliação, conversas abertas e feedback. Eu sinto que, por mais que a gente tome decisões difíceis todos os dias, foi muito importante conseguir fortalecer a minha integridade, meus valores, quem eu sou, quais são os meus pontos fracos, ser humilde de admitir isso. Esse processo foi uma virada de chave muito importante até para a minha segurança, minha autoconfiança, silenciar de certa forma essa vozinha da impostora, que vive nos perseguindo.

Então fazer esse processo de autorreflexão foi entender por que eu estava sendo cogitada e aceitar esse lugar de reconhecimento, que eu tenho bastante dificuldade. Foram vários pontos de dor para eu assumir a minha potência, e como mulher isso é muito importante.

Como você faz para lidar com a síndrome da impostora?

Essa é uma batalha vivida todos os dias, ainda não superei e acho que cada vez mais os desafios aumentam. Por isso, penso que é preciso ter um trabalho intenso e diário de autoaceitação, de olhar para as nossas competências, para a nossa história, para os resultados que a gente entregou, fazer isso com admiração. Muitas vezes a gente acaba de entregar um trabalho incrível, um resultado incrível, mas nem celebra, já está no "bora para a próxima".

Quando eu fui nomeada como CEO, fiz um processo de olhar para a minha trajetória e entender quais foram os principais pontos que me fizeram chegar até aqui. Foi um ritual, eu comigo mesma. Essa questão de a gente olhar para a nossa trajetória com carinho, de comemorar as pequenas vitórias, é superimportante. Compreender também que a gente não está aqui para ser aceita pelos outros, para ganhar validação.

E também tem as redes de apoio. Eu sei que não estou sozinha nesse desafio, que tenho meu time dentro da Eureca, tenho sócios da holding que detém a Eureca, amigos e mentores que realmente fazem com que esse caminho seja mais fluido. Hoje eu não tenho mais receio de pedir ajuda, de mandar um áudio, de pedir uma reunião no final de tarde para trazer os pontos e receber esse aconselhamento. Isso tem sido crucial para que eu não queira tomar as decisões correndo, resolver na hora.

A gente tem a cultura de mostrar só as vitórias, as coisas boas e não compartilhar as falhas, as inseguranças. E acho que tudo bem falar isso dentro de um ambiente seguro.

O que você acha que agrega à empresa como mulher jovem?

Eu me faço constantemente essa pergunta, de como eu gero valores. Hoje não acho que tenho um grande talento, uma inteligência fora de série ou qualquer coisa nesse sentido. Eu me acho bem normal, na verdade. O meu maior talento é fazer o que precisa ser feito. Basicamente, para mim, se tem integridade, trabalho é trabalho. Eu tenho uma competência, que tenho desenvolvido cada vez mais, de tomar essas decisões difíceis, que muitas vezes podem ser impopulares, que mexem com a gente e com os nossos sentimentos.

Outra frente é olhar o conflito como algo positivo. A gente foi ensinado pelos nossos pais que, se não tem nada de bom, nem fala nada, nem abre a boca. Mas no ambiente corporativo não, a gente precisa ser franco, verdadeiro, vulnerável, precisa abraçar esse conflito.

Eu acredito que na divergência temos ideias melhores. Ser transparente é tratar os outros com dignidade. Então essa tem sido uma das principais bandeiras que eu tenho tentado carregar.

O que você aprendeu estando em cargos de liderança?

Essa é outra questão que tem uma baliza de gênero muito forte, mas eu tenho tentado não reproduzir uma liderança heroica. Existe até um romantismo grande na figura da liderança, como se ela perdesse a sua humanidade, as suas fraquezas. Quem souber lidar com tudo isso na pandemia, por favor, me avisa. Eu tenho tentado olhar a liderança como uma arquiteta, uma facilitadora dos processos. Eu não preciso ter todas as respostas, mas eu tenho muita confiança de que a nossa comunidade, como organização e as pessoas ao nosso redor, consegue trazer essa resposta com mais assertividade. Eu também tenho sentimentos, também fico agoniada com as coisas que estão acontecendo, também estou tentando trabalhar no meio da pandemia.

Como foi o primeiro momento da pandemia? Você se adaptou bem?

Não, não me adaptei bem. Ainda estou tentando. Eu acho que 2020 foi quase um MBA, por conta do tanto que a gente foi forçado a estudar, e o pior: eram "cases" reais. Eu lembro exatamente o dia em que caiu a ficha. A Eureca já trabalha remoto há cinco anos, mas sempre tinha entregas nos clientes, reuniões presenciais. Aí um dia eu fui almoçar naquelas padarias que ficam na avenida Berrini [na zona sul de São Paulo], que sempre estão lotadas, e naquele dia estava vazia.

Eu pensei: que estranho. Naturalmente tem as sensações de medo, não dava para prever. Como eu sou uma pessoa muito otimista, achava que iam ser dois meses de quarentena, depois as coisas começariam a voltar. Que ingênua! Foi um ponto muito chave parar, reunir informações e conseguir de alguma forma passá-las para todo o time. Diariamente a gente conversava com um cliente diferente para entender como ele estava, como podia ser útil. Na mesma semana, a gente se posicionou pelo "não demita". Queríamos passar segurança.

A gente está vivendo crise econômica e uma das parcelas mais afetadas com o desemprego são os jovens, que é o público da Eureca. Como vocês lidaram com isso?

Ainda existe um julgamento para o empregador de que contratar uma pessoa júnior é um alto risco. Só que esse é um problema que se agrava muito quando a gente olha o tamanho da população jovem do Brasil. Naquela delimitação da Organização das Nações Unidas, de 15 a 29 anos, eles são 25% da nossa população. Nem precisa falar o quanto eles são cruciais para dar uma virada socioeconômica no nosso país. Então, uma semana depois do primeiro caso de covid no Brasil a gente disparou um questionário. A maior preocupação dos jovens era não fechar as vagas. Isso foi crucial para mapear também os que pudessem ter algum problema de acessibilidade por falta infraestrutura, de 3G, por exemplo, e fizemos uma série de adaptações.

Sinto que o perfil de talentos que a gente via e o que vê agora foi fortemente acelerado pela própria pandemia. Quando eu falo de juventudes, não necessariamente é aquela geração Z do celular, do TikTok, estou pensando no recorte socioeconômico, dos 30% de jovens que não estudam nem trabalham no Brasil, dado que super foi acelerado neste momento. E quando a gente olha para esse panorama, sinto que precisa rever o perfil de talento.

Ainda existe uma amarra muito forte das empresas no perfil da prontidão, quase que aquele estagiário sênior, que tem experiência de intercambio, de outras multinacionais, inglês fluente, espanhol e tudo mais. Isso não representa hoje a juventude brasileira.

A gente tem muito pouco acesso à educação de qualidade. Por outro lado, temos o jovem potencial, que muitas vezes é a mulher negra da periferia, que teve que ajudar os pais a complementar a renda, que vai fazer faculdade só próximo aos 30 anos porque estava trabalhando, e tem a famosa vida tripla que as mulheres têm. De onde ela saiu para onde ela chegou, a curvatura é muito íngreme, e essas pessoas vão vir com uma competência que é muito difícil de desenvolver, uma resiliência, uma inteligência emocional, uma vontade de estar ali.

Muitas vezes o inglês intensivo é mais fácil de pagar. Então, tem que colocar na balança qual é a responsabilidade das organizações de abraçar o perfil de jovem potencial, dar ferramentas necessárias para que essas pessoas desenvolvam o traquejo corporativo. Eu sinto que isso é algo que não tem mais volta, e que bom que não tem mais volta.

Como você superou o fato de não ter experiência, problema de tantos jovens ao entrar no mercado de trabalho?

Eu sou bem nerd, gosto muito de estudar, de ir atrás, de perguntar, sou muito questionadora. Mas, por mais que eu estude muito, tem algumas coisas que são mais de experiência ou de traquejo, a casca, o emocional que se gera depois de você apanhar muito. Então tive que fazer um trabalho de jornada individual muito forte, desde a terapia, de olhar para pontos que definem a minha personalidade, reconhecer os meus padrões, e tem sido incrível.

Mas essa jornada acelerada não vem sem dor. Eu falo sem glamour nenhum, com zero apologia, que eu já tive burnout, aquela sensação de exaustão, um momento em que a minha maturidade não conseguiu sustentar o nível de pressão que eu estava me colocando. Aí foi necessário parar e questionar para onde eu quero ir, se faz sentido a forma com que eu estou interpretando as coisas, um processo de olhar para dentro, de fortalecer as bases para ampliar a maturidade.

E outro ponto é não hesitar em pedir ajuda. A gente ainda é muito formada para ser super heroína que dá conta de tudo. Eu nem me maquio no home office. Eu não quero aceitar esse lugar de perfeição, quero aceitar o lugar de coragem. Já falhei miseravelmente, mas na intenção de me arriscar mais. Eu estou muito mais a fim de ouvir a contribuição das pessoas que estão na arena comigo, colocando a cara a tapa, se arriscando e aceitando errar, do que das que estão na arquibancada só comentando desde um espaço muito seguro. Eu tenho essa visão de que o que importa não é a perfeição, mas a coragem, o risco que assumo.

Quais são seus planos de carreira? Aonde você quer chegar?

Eu não tenho necessariamente um olhar de uma escada, de todos os passos que eu preciso ter. Tenho um farol, um norte, que é o meu propósito. Eu quero deixar, como legado da minha vida, uma contribuição para ampliar de alguma forma a inclusão produtiva dos brasileiros. Eu sei que a minha missão está no Brasil, que está em conseguir fazer com que as pessoas encontrem dignidade através da mobilidade social.

As formas de fazer isso são imensas, enormes e diferentes. Eu quero continuar vibrando dentro disso. Na Eureka, eu quero fazer um trabalho forte com o jovem mais vulnerável que está na periferia, que não aparece nos relatórios de comportamento.

Quero criar o sonho brasileiro, igual ao sonho americano, que é um conjunto de crenças de que você pode investir nos seus sonhos, crescer independente da sua origem. Eu queria muito que o jovem do Brasil pudesse falar "essa é uma carreira viável para mim e tenho possibilidades de segui-la". Então qualquer coisa que tiver a ver com construir esse sonho brasileiro, eu quero estar lá, independente do cargo.