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"Parei inseminação por medo da covid e engravidei naturalmente na pandemia"

Bia à espera de Otto, e o marido, Jacques. - Reprodução/Instagram
Bia à espera de Otto, e o marido, Jacques. Imagem: Reprodução/Instagram

Bia Mello em depoimento a Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

28/12/2020 04h00

"Tirei o DIU aos 40 anos, quando eu e meu marido decidimos engravidar. Adiamos a ideia de ter um filho por muito tempo, pois não me sentia preparada para ter uma família. Estava focada na minha carreira, em estudar mais e me adaptar ao meu novo país [Bia e o marido, Jacques, são brasileiros e moram em Berlim há três anos].

Engravidei rápido, mas tive um aborto antes da oitava semana. Esperamos um tempo e começamos a tentar de novo. Mas a ginecologista nos indicou uma clínica de fertilização. Lá, fiz todos os exames em novembro do ano passado, e a médica me disse que, por conta da minha idade, quase 42 na época, as tentativas tinham que começar a acontecer logo. Segundo ela, quanto mais os meses passavam, mais difícil seria engravidar, seja por fertilização, inseminação ou de forma natural, que ela dizia ser praticamente impossível.

Pandemia veio e mudou nossos planos...

Eu e meu marido nos planejamos para tentar três vezes a inseminação artificial. A primeira tentativa foi em janeiro passado, não deu certo.

Marcamos a segunda tentativa para março, mas naquela semana específica começaram a falar sobre a pandemia e a necessidade da quarentena. Fiquei assustada e disse ao meu marido: 'Não vou, não é um bom momento para colocar um filho no mundo'.

Era uma mistura de desespero, ansiedade, medo e frustração. Senti uma dor enorme no coração.

Por um lado eu tinha medo do coronavírus, por outro tinha medo de nunca mais conseguir ter um filho. Afinal, eu estava com 41 anos e ninguém sabia quanto tempo a pandemia duraria.

...mas a natureza se encarregou de tudo

Sou uma pessoa muito organizada, gosto de planejar todos os meus passos. Mas percebi que o universo faz seus próprios planos. Justo no final daquele mês de março, descobri que estava grávida - e de forma natural! Acho que relaxei um pouco, reduzi o estresse dessa busca por engravidar e meu filho decidiu vir ao mundo. Não se importando se existia uma pandemia ou não.

Não sabia se ria, se chorava, mas naquele momento tudo mudou. Aquele desespero que eu tinha de não ficar grávida durante a pandemia se transformou em algo totalmente oposto, um sentimento de 'pode vir meu filho, eu estou aqui'.

Mas o medo de ir às consultas e aos exames de pré-natal continuavam. Mas aqui em Berlim, no começo da pandemia, não havia máscara para vender. Compramos pela internet e demoraria semanas para chegar, não chegariam a tempo dos primeiros exames. Meu marido foi à farmácia, explicou a situação e o dono se comoveu e vendeu uma das máscaras para uso dos funcionários. Uma fortuna: 18 euros (cerca de R$ 115).

Um dos desafios de Bia era encontrar máscaras no início da pandemia em Berlim. - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Um dos desafios de Bia era encontrar máscaras no início da pandemia em Berlim.
Imagem: Arquivo pessoal

No início da gestação, fiquei bem trancada em casa. Aqui na Alemanha a gente podia sair para dar uma volta, mas eu não saí. Toda grávida tem inseguranças e felicidades que se misturam o tempo todo. No meu caso, tinha a questão de estar num país diferente do meu, um sistema de saúde com um pré-natal diferente do que eu conhecia, que eu tinha que descobrir, entender numa língua que não é a minha e que eu ainda tenho dificuldade de falar.

Todas essas questões eu sabia que ia enfrentar, mas ninguém imaginava que viria uma pandemia, o que muda tudo. Mudaram os protocolos, nem os profissionais de saúde sabiam muito bem como proceder no começo.

Engravidar em uma pandemia tem suas frustrações

Eu não posso reclamar da qualidade do atendimento dos médicos durante o pré-natal aqui em Berlim. Fui muito bem atendida, mas isso não significa que eu não tive frustrações.

Por conta do vírus, meu marido não pôde participar de nenhum exame pré-natal. Não estávamos juntos quando eu ouvi o coraçãozinho do nosso filho, quando vi o corpinho dele no ultrassom. Alguns médicos nem me deixavam filmar o exame para mostrar ao Jacques depois. Isso foi doloroso.

Outra frustração grande: minha mãe e minhas amigas não me viram grávida, só por vídeo, claro, mas não é a mesma coisa. Elas não colocaram a mão na minha barriga.

O último trimestre da gravidez foi mais tenso, tive pedras no rim e tive que ir ao hospital mais vezes. Existia uma preocupação que o bebê nascesse prematuro por conta disso. Da 29ª semana em diante estava sempre no hospital, monitorando, fazendo exames, e com medo da covid-19. Quanto mais perto do nascimento, mais os números de contaminação iam crescendo na Alemanha.

Chamávamos o bebê de Covidson

Apesar da dor, um dos momentos mais emocionantes aconteceu durante uma das crises com pedra no rim: como eu estava muito mal, deixaram meu marido entrar na sala de ultrassom, e já na reta final da gravidez ele ouviu o coração do bebê, quando os médicos estavam monitorando os batimentos cardíacos, que estavam alterados.

Jacques colocou a não na minha barriga e começou a falar com o nosso filho, que na época ainda não tinha nome, chamávamos de Covidson. Ele disse: 'Filho, fica tranquilo, a mamãe está ficando melhor'. Nesse momento o coração foi estabilizando. Os batimentos estavam altos, perto de 160, caíram para 130. Foi muito emocionante. Eu vi ali como essa conexão entre pai e filho era forte, mesmo que meu marido não tenha podido participar de todos os exames.

Meu filho me fez ver que não adianta a gente controlar nada: ele veio na hora que quis vir, quando a gente tinha parado de tentar e quando as condições não eram as melhores. Ele foi concebido no pico da primeira onda e nasceu no pico da segunda.

Tive que fazer uma cesárea de semi-emergência, 20 dias antes do previsto. Passamos por todos os procedimentos, fizemos exames de covid-19, e deixaram meu marido estar presente no parto.

Bia, Jacques e, enfim, o tão esperado Otto. - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bia, Jacques e, enfim, o tão esperado Otto.
Imagem: Arquivo pessoal

Ele cortou o cordão umbilical, foi o primeiro a pegar o bebê no colo. Todo mundo de máscara, milhões de restrições, mas foi um momento muito bonito. Ele nasceu bem, nasceu chorando, foi a maior emoção da minha vida.

O Covidson virou Otto. Nós escolhemos esse nome porque, além de ser curto e pronunciável em português e alemão, uma amiga fez uma análise de nomes e disse que, com esse, ele seria alguém que uniria a família. E de fato: foi só por causa dele que a minha mãe e a minha sogra puderam entrar na Alemanha.

Aqui as fronteiras estão fechadas, não pode entrar turista nenhum, a não ser em caso de nascimento. Se uma coisa espetacular que meu filho trouxe para a minha vida foi me dar as expectativas mais positivas mesmo dentro da pandemia. Agradeço a ele todos os dias por isso.

Passei pela pandemia sabendo que seria mãe, e agora estou descobrindo um mundo novo. Por mais que a gente tenha empatia com amigos que perderam familiares, a maternidade me impulsionava para seguir"