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Para OAB, juiz que debochou da lei Maria da Penha "culpabiliza mulheres"

Juiz que zombou da Lei Maria da Penha durante audiência da Vara de Família de São Paulo - Reprodução/YouTube
Juiz que zombou da Lei Maria da Penha durante audiência da Vara de Família de São Paulo Imagem: Reprodução/YouTube

De Universa

19/12/2020 13h39

Vinte e três comissões da OAB e o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, publicaram notas de repúdio sobre o comportamento do juiz Rodrigo de Azevedo Costa, da Vara de Família da Freguesia do Ó, em São Paulo. O juiz afirmou "não estar nem aí" para a lei Maria da Penha durante uma audiência sobre pensão alimentícia e guarda. O caso foi revelado ontem pelo site parceiro do UOL Papo de Mãe.

OAB critica naturalização da violência

Na nota conjunta da OAB, vinte e três comissões, entre elas a Comissão Nacional da Mulher Advogada, manifestaram veemente repúdio a três casos emblemáticos de violências de gênero cometidos contra mulheres nos últimos dias, entre eles a postura do juiz ao dizer que "ninguém apanha de graça" e constranger as mulheres presentes na audiência.

"É lamentável que órgãos do sistema de justiça e do Poder Legislativo possam espelhar e sobretudo naturalizar as violências e opressões de gênero e, o que é pior, culpabilizar as mulheres por essas ações", diz a nota. Ela aponta ainda que, "por meio de declarações descabidas, o magistrado busca, inclusive, inverter a culpa pela violência, colocando na conta da vítima a responsabilidade pela violência que sofreu"

Lamentável e inadmissível uma postura como essa, principalmente porque partiu daquele que tendo o dever legal de proteção e acolhimento não o fez".

A nota chama também a atenção para o fato de que o juiz não dá atenção às necessidades da vítima. "Além dessas falas, ele alega que o autor da violência não o interessa. E, apesar do histórico de agressão, o juiz insiste que a vítima abra mão das medidas protetivas de urgência, sugerindo, inclusive, a reconciliação do casal.

Tomar conhecimento que uma legislação considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica é tratada com deboche desperta ao mesmo tempo reflexão e repúdio".

Na mesma nota, as comissões repudiam também a liberação do ex-companheiro de Mariana Gonzalez, brutalmente agredida, e a prática de importunação sexual cometida pelo deputado Fernando Cury durante uma sessão realizada na ALESP contra a deputada estadual Isa Penna.

NUDEM fala em violência institucional

Na manifestação publicada ontem (18) pelo NUDEM, o órgão afirmou que o ato cometido pelo juiz pode ser categorizado como violência institucional. "[...] No caso que se observa, o Juiz que presidia a audiência ao desacreditar a mulher em situação de violência, ao culpabilizá-la afirmando que, em regra, 'quem é agredida, merece ser agredida' praticou violência institucional, nos moldes definidos pelo próprio Conselho Nacional de Justiça".

A manifestação relembra também que a audiência não é um caso isolado. "[...] Deve-se observar que, o caso noticiado na matéria, é apenas um caso representativo de uma dura realidade vivenciada cotidianamente por várias brasileiras vítimas de violência doméstica e familiar. Isso porque o artigo 14 da Lei Maria da Penha não foi implementado"

Os Juizados se transformaram em varas criminais que condicionam a proteção de mulheres, por meio da concessão de medidas protetivas ao registro do boletim de ocorrência e não processam e julgam causas cíveis e de família, obrigando mulheres a procurarem outros juízos, repetindo por diversas vezes e perante órgãos distintos a violência a que são expostas ", criticou.

O texto relembra ainda que o Brasil é signatário de Convenções Internacionais de proteção aos direitos das mulheres, tanto no âmbito do sistema de proteção global, quanto no regional.

"Nesse sentido, por meio da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o país se comprometeu a adotar uma política voltada para eliminação da discriminação contra mulher, inclusive com a implementação de medidas legislativas e administrativas para consecução deste objetivo, além de ter assumido a obrigação, de forma expressa, de proteger os direitos das mulheres por meio de tribunais e instituições com esta finalidade".

Conduta será apurada pelo TJ-SP

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) conduzirá uma apuração interna para avaliar a conduta de Rodrigo de Azevedo Costa. Em um pedido de abertura de ofício assinado pelo corregedor-geral Ricardo Anafe, o órgão de fiscalização do TJ-SP pediu que fossem apuradas as condutas do juiz "com urgência".

Universa tentou entrar em contato com o juiz Rodrigo de Azevedo Costa por meio da Vara de Família da Freguesia do Ó, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.