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Farm to face: o que sua rotina de beleza tem a ver com sustentabilidade?

Farm to Face é um movimento que mostra que a nossa vaidade não pode ser mais um gatilho de poluição ambiental - iStock
Farm to Face é um movimento que mostra que a nossa vaidade não pode ser mais um gatilho de poluição ambiental Imagem: iStock

Karina Hollo

Colaboração para Universa

14/12/2020 04h00

Primeiro, surgiu o Farm to Table (da fazenda para a mesa), um movimento que defende que, após décadas consumindo alimentos processados, as pessoas deveriam se reconectar com a terra, priorizar pequenos produtores e conhecer de onde vêm os alimentos que consomem.

Com base na mesma filosofia, o Farm to Face (da fazenda para o rosto) vem crescendo em popularidade no segmento de cuidados com a pele. "Hoje, essa tendência está reconstruindo a consciência em torno das origens dos produtos para a pele, dando importância a ingredientes puros que brotam da terra", diz Bianca Viscomi, especialista em dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e em cirurgia dermatológica, cosmiatria e laser pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica.

O conceito consiste em fazer cosméticos com ingredientes naturais, de procedência segura, cultivados em pequena escala e com produção ecologicamente correta, sustentável e certificada. Como bônus esses produtos trariam menos chance de reação alérgica. Segundo especialistas, a tendência é mais do que um modismo passageiro.

"Eu não vejo nenhum movimento envolvido com os alicerces de sustentabilidade como tendência. Vejo como reflexo de um novo olhar, de um novo comportamento de consumo", diz Marcela Rodrigues, autora da plataforma aNaturalíssima, especialista em beleza limpa, designer em sustentabilidade e consultora para consumo consciente.

"O Farm to Face se aproxima do conceito orgânico, que olha para todos os passos da cadeia de produção de um ingrediente até ele fazer parte de um cosmético", diz. E é esse passo além que destaca o movimento Farm to Face das já conhecidas tendências de "clean beauty" e "natural beauty".

"Marcas que contribuem social e ambientalmente e que são transparentes sobre ingredientes e processos de produção atrairão consumidores cada vez mais conscientes de seu impacto", diz Bruna Ortega, expert de beleza da empresa de previsão de tendências WGSN.

Sim, porque não basta apenas consumir produtos com ingredientes naturais. Um consumidor consciente deve cobrar plantios corretos em um solo livre de agrotóxicos. "Imagine a aloe vera, uma potência cosmética e medicinal, cheia de tóxicos. Com certeza será diferente de uma aloe vera orgânica", diz Marcela.

Movimento impulsionado pela pandemia

Pode ser difícil de acreditar, mas a covid-19 tem parte no crescimento desse movimento, já que o confinamento inspirou um retorno à mentalidade de "fazer compras localmente", apoiando pequenas empresas.

"Marcas totalmente transparentes vão ganhar terreno. As pessoas estão se tornando mais seletivas em suas compras também devido à recessão e, embora a indústria da beleza seja frequentemente considerada à prova de crise, a consultoria americana McKinsey estima que as receitas globais do setor podem cair entre 20 e 30% em 2020", diz Bruna.

Mas funciona?

beleza - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

De alimentos a cosméticos, os ingredientes à base de plantas estão mesmo tomando conta do mundo dos produtos de beleza. "Há muitos mitos em torno dos ingredientes naturais. Os principais são os de que funcionam menos e não têm performance. Mas a verdade é que podem apresentar muito resultado cosmético", diz Marcela.

É o caso da flor chamada Bidens pilosa. "Ela tem em sua composição um ativo que tem uma maneira de agir semelhante à do ácido retinóico, prevenindo e tratando o envelhecimento cutâneo", conta Karina Soeiro, mestre em ciências farmacêuticas pela USP e consultora em desenvolvimento de dermocosméticos de Sorocaba (SP).

Sem falar que as plantas são ricas em substâncias antioxidantes. "São compostos essenciais para proteger nossa pele dos danos oxidativos causados pela poluição, radiação ultravioleta e processos intrínsecos do envelhecimento", acrescenta Bianca.

Um dos benefícios de usar produtos com ativos naturais no rosto é ter menos chances de reações alérgicas. O que não significa que eles sejam livres de riscos. "A probabilidade de um cosmético natural ser menos alergênico do que os demais é sem dúvida maior, mas isso não quer dizer que ele não causará reações adversas como vermelhidão ou coceira", diz Jamar Tejada, farmacêutico homeopata com mais de 20 anos de atuação no mercado de saúde e beleza.

"Há cosméticos, por exemplo, feitos à base de óleos vegetais de amendoim. E quem é alérgico a amendoim vai, sim, ter uma reação. Por isso, vale testar o produto no punho antes de aplicar diretamente no corpo", aconselha ele.

De onde vem e pra onde vai esse produto?

Mas não basta o produto ser natural para ser bem aceito pelo público adepto ao movimento Farm to Face. Há uma tendência de cobrar por ética em todos os processos da cadeia, do plantio à entrega. "Sustentabilidade é sobre a saúde da terra, e não sobre produtos com ingredientes naturais. Precisamos ter um olhar sistêmico", diz Marcela.

Um exemplo: o óleo de palma, muito utilizado por causa de sua versatilidade, tem 85% de sua produção mundial vinda da Malásia e da Indonésia. Mas ambos os países são constantemente criticados pelo desmatamento, que traz grandes impactos ambientais.

Se pensarmos no pós-consumo, produtos com ativos naturais são também mais gentis com o meio ambiente. "É menos veneno escorrendo pelo ralo e indo parar nas nossas águas. Vale lembrar que nosso sistema de esgoto não filtra boa parte dessas substâncias nocivas", diz Marcela. Karina concorda: "Sintetizar quimicamente fármacos e alguns insumos cosméticos podem gerar resíduos químicos que poluem o ambiente".

A nova onda de consumidores conscientes quer saber de onde vêm os ingredientes, como chegaram à indústria e o que a empresa está fazendo para garantir que comunidade, animais e meio ambiente não sejam prejudicados no processo de fabricação dos produtos.

"Para alguns, isso significa basear seus negócios em fazendas e, assim, garantir que as plantas mais frescas e saudáveis sejam colhidas para suas fórmulas. Para outros, significa trabalhar com produtores no mesmo código postal para reduzir sua pegada de carbono, encurtar a cadeia de abastecimento e criar uma linha de produção sem resíduos", conta Bruna.

De acordo com a consultoria americana Label Insight, 94% dos consumidores serão leais a uma marca que oferece transparência completa na cadeia de suprimentos. Aplicativos como Think Dirty permitem que as marcas compartilhem informações sobre ingredientes e sua procedência diretamente com os consumidores.

Uma nécessaire cheia de plantas

Entre os ingredientes naturais que vêm se destacando nesse meio, um dos que mais ganhou atenções foi o óleo de coco, que teve um boom na indústria cosmética. Probióticos (usados em desodorantes e em produtos antiacne) e prebióticos são uma febre aqui e lá fora. E existem também as ervas adaptogênicas (plantas medicinais não tóxicas que podem se adaptar e ajudar o corpo sob estresse a restaurar o equilíbrio), os cogumelos e as raízes.

"Essas superplantas agora estão ganhando força no mundo da beleza, à medida que os consumidores orientados para o bem-estar buscam produtos para aumentar a saúde e a imunidade da pele", diz Bruna. Nesta lista estão cúrcuma, manjericão, alcaçuz, cogumelo Reishi, açaí, uva. Com certeza, algum deles vai pedir espaço no seu nécessaire em 2021.