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"Agora PSOL tem condições reais de disputar poder", diz Luciana Genro

A deputada estadual pelo RS Luciana Genro é uma das fundadoras do PSOL - Divulgação/Equipe da deputada Luciana Genro
A deputada estadual pelo RS Luciana Genro é uma das fundadoras do PSOL Imagem: Divulgação/Equipe da deputada Luciana Genro

Luiza Souto

De Universa

30/11/2020 04h00

Guilherme Boulos (PSOL) perdeu a disputa pela Prefeitura de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, para Bruno Covas (PSDB). Mas a fundadora da legenda e dirigente do partido, Luciana Genro, considera a trajetória do PSOL vitoriosa.

Além de disputar o segundo turno em São Paulo, o PSOL teve o vereador mais bem votado do Rio de Janeiro, Tarcísio Motta. Na capital paulista, elegeu seis vereadores, o triplo da última eleição, alcançando a terceira maior bancada da Câmara Municipal. E, pela segunda vez em sua história, conquistou uma capital, com a vitória de Edmilson Rodrigues em Belém —a primeira foi Macapá, em 2012.

"Com o desempenho do Boulos em São Paulo, o PSOL se torna um partido com condições reais de disputa de poder, mesmo tendo sido derrotado", afirma Luciana Genro, 49, também deputada estadual pelo Rio Grande do Sul, que fundou o partido ao lado da então senadora Heloísa Helena e dos deputados Babá e João Fontes, expulsos do PT em 2003.

Quarta colocada na eleição presidencial de 2014, Luciana diz que Guilherme Boulos é um nome quase natural do PSOL à campanha de 2022. Mas deixa claro que, diferentemente dele, acredita que é preciso se distanciar do ex-presidente Lula para assumir protagonismo na esquerda. "Eu e um setor do PSOL entendemos que é necessário superar o lulismo para que uma esquerda consequente possa se desenvolver."

Ela, que escolheu dar o pontapé inicial da militância num 8 de março de 1985, quando fez o primeiro discurso político num colégio estadual no Dia Internacional da Mulher, e fundou em 2017 a escola de formação feminista e antirracista Emancipa Mulher, conversou com Universa em dois momentos: cinco dias antes do segundo turno das eleições municipais e poucos minutos depois de confirmado o resultado do último domingo.

UNIVERSA: Qual a sua avaliação sobre o resultado do PSOL nestas eleições?

LUCIANA GENRO: Acho que o bolsonarismo foi o grande derrotado das eleições. A direita mais tradicional —o MDB, o PSDB—, saiu relativamente fortalecida, com prefeituras importantes. Dá para dizer que ela se recuperou em relação ao espaço que havia perdido para o bolsonarismo. E ao mesmo tempo surge com mais força uma nova esquerda, que é o PSOL. Com o desempenho do Boulos em São Paulo, o PSOL se torna um partido com condições reais de disputa de poder, mesmo tendo sido derrotado. E a vitória de Edmilson em Belém nos coloca no time dos partidos que estão governando capitais importantes. Para o PSOL, isso é um desafio porque é fundamental que a experiência de governo não nos transforme naquilo que negamos quando saímos do PT.

É um momento de transição de um partido pequeno, que nunca governou, para um partido com condições de governar, em que nós temos que fazer muitos debates para garantir que não se torne um partido meramente eleitoreiro.

A que a senhora credita o resultado positivo?

Tem a ver com o fato de ter sido o partido mais consequente no enfrentamento ao bolsonarismo, e de conseguir se postular como uma esquerda coerente, que não participou dos anos de governo do PT e, portanto, tem as mãos livres também para criticar os erros cometidos pelo PT, pelo Lula. Acredito que o PSOL se fortalece nessa onda de repúdio ao bolsonarismo e em pautas que são marcas do partido, como o feminismo, a luta LGBT e o antirracismo.

A senhora acha que o diagnóstico de Covid-19 na reta final pode ter prejudicado Boulos?

O fato de não ter tido debate em São Paulo certamente prejudicou o Boulos, mas não vejo, pelos números, que poderia ter sido revertido. Debates não ganham eleição, infelizmente. A gente viu isso em Porto Alegre. A Manuela [D'Ávila, candidata pelo PCdoB derrotada por Sebastião Melo (MDB)] se saiu muito bem no debate e acabou derrotada por uma margem maior que se previa. Mas o Boulos está vitorioso pela campanha que fez, pela ida ao segundo turno, pela referência que se tornou. E o PSOL vai ter que debater como seguir nessa nova situação política em que bolsonarismo está mais fraco e nós estamos em ascensão. E o PT me parece que seguiu na sua trajetória de declínio político. Já não encanta mais nem desperta as esperanças que despertava no passado.

Durante a campanha, o Bruno Covas disse que o Boulos não passava de um Lula com botox. Quais as principais diferenças entre PSOL e PT?

Bom, é preciso também dizer que o PSOL não é uma pessoa só. Por exemplo, eu e Boulos temos histórias e trajetórias bem diferentes. É só ver as campanhas presidenciais que fizemos, e que foram bem diferentes também. Boulos abriu o debate dele [em 2018] na Globo dizendo: "Boa noite, presidente Lula". Eu vou abrir o meu debate na Globo criticando a Globo. Dentro do PSOL também existem tensões em relação a isso. Quando Covas fala que o Boulos é o Lula de botox, ele expressa um sentimento que o próprio Boulos alimentou, de ser um herdeiro do lulismo. Eu e um setor do PSOL entendemos que é necessário superar o lulismo para que o PSOL possa se desenvolver.

O lulismo significa uma concepção de governo de conciliação de classes, de governar junto com os partidos tradicionais da burguesia. E foi essa estratégia do lulismo que nós questionamos quando fomos expulsos do PT. Há debate no PSOL de quanto nós queremos ser herdeiros do lulismo ou quanto nós queremos superar o lulismo pela esquerda

Com o resultado deste ano, PSOL ganha mais força na mediação de uma eventual união de partidos de esquerda para as eleições de 2022?

Eu acho que é muito cedo para se falar em unir a esquerda de um modo tão amplo assim. Porque primeiro tem que definir o que é esquerda. PT, PCdoB, PSB, PDT, o Ciro [Gomes] são de esquerda? Vamos unir todo mundo? Eu não descartaria a necessidade de se unir numa frente contra o Bolsonaro, muito embora eu jamais defenderia que o PSOL governasse dentro dessa frente tão ampla.

Então, 2022 vai ter que ser pensada um pouco mais adiante, levando em conta a situação do país, a situação da extrema-direita e a situação do próprio PSOL. O ideal, ao meu ver, é que o PSOL tenha uma candidatura própria em 2022. Depois, no segundo turno, se for o caso, que se discuta quem é o menos pior a ser apoiado.

Nas eleições municipais de 2016, no Rio, Marcelo Freixo foi para o segundo turno com o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Nesse ano, desistiu de se candidatar e reclamou da esquerda desunida. Ele errou?

Eu não quero julgar a atitude do Freixo. Acho que ele tem as suas razões pessoais e políticas por ter tomado essa atitude. Alguém que é obrigado a andar com guarda-costas para não ser morto precisa ter sua vontade respeitada no que diz respeito a disputar ou não uma eleição. Agora, obviamente que para a construção do PSOL no Rio de Janeiro foi um baque, porque uma candidatura do Freixo teria melhores condições para postular o PSOL como uma alternativa de poder real na cidade e, quem sabe, ir para o segundo turno.

Mas acaba também fortalecendo outras lideranças, como a da nossa candidata, Renata Souza, uma mulher negra e periférica que é uma encarnação da Marielle (Franco, vereadora assassinada em 2018) também. Acho que nem sempre o critério para se apresentar uma candidatura própria deva ser ganhar ou não a eleição. Se fosse assim, o PSOL não se apresentaria em muitas cidades, porque em muitas sabemos que não temos chance de ganhar.

Juramento de posse do primeiro mandato na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul - Divulgação - Divulgação
Juramento de posse do primeiro mandato na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Imagem: Divulgação

A senhora pretende concorrer ao governo do Rio Grande do Sul em 2022, ou mesmo à Presidência?

Em princípio venho novamente candidata a deputada estadual. Já tinha sido duas vezes deputada estadual e duas vezes federal, né? Então já tinha duas experiências, e decidi ser deputada estadual para me dedicar à construção do PSOL no Rio Grande do Sul de forma mais intensa, porque nos últimos anos eu fiquei oito anos em Brasília, depois fui candidata a presidente em 2014. Em 2018, o PSOL escolheu Boulos para ser candidato. Até tinha colocado meu nome à disposição também, então achei que era o momento de me recolher a fortalecer o PSOL aqui. Se houver uma mobilização de forças políticas do partido que queira apresentar o meu nome como candidata a presidente, sempre vou estar aberta a essa discussão. Mas não creio que isso vá acontecer.

Considerando movimentações de possíveis candidatos o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro, Boulos se torna um nome forte para 2022?

Diante desse quadro que está se formando, e de direita, não dá para falar. Com o Boulos tendo se saído tão bem, é quase um nome natural do PSOL à Presidência em 2022, mas dentro do PSOL nada é natural. Então sempre vai haver um debate, até porque a gente precisa debater o perfil de candidatura, e então ver quem é adequado ao perfil.

O PSOL foi oficialmente fundado há 15 anos. Qual foi o momento mais crítico para o partido até aqui?

Eu acho que o momento mais crítico foi a nossa expulsão do PT, porque o Lula estava muito forte naquele momento. Lembrando que não tinha ainda ocorrido o mensalão. Eu, João Fontes, Heloisa Helena e Babá, que éramos parlamentares no governo Lula, fizemos o que Heloisa chamava de travessia no deserto, porque todo mundo dizia que a gente estava sendo muito radical, que a gente não estava tendo paciência para esperar que o Lula desse uma guinada à esquerda.

Um outro momento difícil foi o do impeachment da Dilma [em 2016], porque ali o PSOL ficou entre a cruz e a espada, e se dividiu entre dizer simplesmente não ao impeachment e "fica Dilma" ou não ao impeachment e eleições gerais. Eu fui porta-voz das eleições gerais. Acho que ali o PSOL se confundiu um pouco demais com o PT, o que também nos trouxe um pouco mais de dificuldade, na sequência, em nos diferenciar e mostrar que nós não somos a mesma coisa do que o partido.

A senhora enfrentou muitos casos de machismo na carreira. A mais lembrada é o episódio em que o então candidato à presidência Aécio Neves (PSDB) levantou o dedo para a senhora num debate, em 2014. Ainda hoje precisa lembrar aos homens no seu entorno para ser tratada de forma igual?

Sabe que eu acho que assusto eles um pouco? [risos] Tenho fama de brava. Então, eles já vêm com mais cautela para falar comigo nos últimos tempos. Não tenho tido maiores problemas em relação a isso, mas é uma conquista que as mulheres estão tendo, na medida em que se impõem. Meu caso é atípico, porque eu tive essa oportunidade em rede nacional de fazer aquele confronto com o Aécio.

Mas as mulheres fazem isso todos os dias. A gente está sempre mandando eles baixarem o dedo. E assim vai se impondo e segurando o machismo. A gente não consegue acabar com ele, mas contê-lo.