Topo

Vítimas relatam 'abatedouro' e beijo à força em restaurante de açougueiro

Rogério Betti comanda o Quintal deBetti - Reprodução/Instagram
Rogério Betti comanda o Quintal deBetti Imagem: Reprodução/Instagram

Anahi Martinho

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/11/2020 04h00

Após ex-funcionárias do Quintal deBetti denunciarem gerentes do local com acusações de assédio sexual e moral e racismo, além de citarem conivência do comando do local, outros ex-empregados procuraram a reportagem de Universa para relatar mais episódios que vivenciaram na empresa liderada por Rogério Betti, açougueiro "influencer" e ex-jurado de um reality show de culinária do SBT. Há relatos de que funcionárias foram beijadas sem consentimento no local de trabalho.

Uma antiga cozinheira da casa relatou ter sido beijada na boca por um gerente, sem ter consentido com isso. Ela informou o ocorrido aos superiores do agressor e afirma que nenhuma providência foi tomada.

"Eu estava subindo a rampa e o Maradona me deu um selinho. Assim, do nada. Na hora eu fiquei sem reação. Foi muito estranho na hora. Depois relatei tudo para o chefe dele e nada foi feito", contou a cozinheira. O homem identificado como Maradona, chamado José Arceno, já não trabalha mais no restaurante.

"Na cozinha nunca ocorreu assédio. Mas no salão era o tempo todo. Eu tive que me mudar para outra cidade, tive que fazer terapia depois que saí de lá", relatou a ex-funcionária.

A reportagem também obteve um áudio em que outra funcionária relata que foi beijada sem consentimento.

"Abatedouro"

O dono da empresa, Rogério Betti, também é citado nas acusações. Quatro ex-empregados do local ouvidos pela reportagem confirmaram que ele não só foi conivente com os abusos promovidos por seus gerentes, como também chegou a ficar com funcionárias dentro do casarão anexo ao restaurante. O local, usado também como local de descanso, despensa e vestiário, era chamado de "abatedouro" pelos próprios chefes e era usado para atos sexuais, de acordo com as ex-funcionárias.

"O local era um abatedouro, inclusive o próprio Rogério levava mulheres lá", relatou uma antiga garçonete.

debetti - Divulgação - Divulgação
Rogério Betti é de uma família de açougueiros e faz sucesso com o restaurante Quintal deBetti, em na Cidade Jardim, bairro nobre de São Paulo
Imagem: Divulgação

Outra ex-funcionária afirma que chegou a ser trancada no abatedouro por um gerente — mas brevemente, "só de brincadeira". "Fui no estoque, ele foi atrás e trancou a porta. Ele não fez nada, mas chamou os meninos para verem. Eu não entendi, na época eu não sabia que usavam lá dentro para isso. Fui saber numa reunião em que chamaram todo mundo e falaram que não era para usar lá dentro como motel. Nesse dia que eu fui entender o que tinha acontecido, que tinha pessoas que ficavam lá dentro."

Como Universa publicou na terça-feira, o Quintal deBetti responde a 18 processos na Justiça do trabalho. Entre eles, há denúncias de assédio sexual e racismo. Segundo antigos trabalhadores da casa, o assédio sexual é enraizado na cultura da empresa e, apesar de a acusação ser direcionada aos gerentes, eles consideram que houve conivência dos patrões, já que as denúncias eram ignoradas.

A mais grave entre as acusações consta num processo movido no último mês de junho, em que a ex-funcionária A. N. alega ter sido vítima de assédio e racismo por parte de seu líder direto. "Amo negras. Negras são mais quentes", "minha morena" e "que bocão você tem", eram alguns dos comentários que A. relatava ouvir diariamente em seu ambiente de trabalho. Ela afirma ter procurado o RH e a chefia, que não tomaram atitude. Logo em seguida, foi demitida. A defesa da ex-funcionária pede uma indenização no valor de R$ 220 mil.

Outra reclamante, L. N. alega ter sido perseguida durante meses por outro gerente. Ela relata ter sido coagida a sair com o gerente em questão como condição para que fosse efetivada na função de garçonete. A defesa de L. pede R$ 160 mil de indenização. As defesas já foram apresentadas e não houve avanço no acordo. Os dois processos tiveram recentemente as audiências adiadas, a de A. N. tem data marcada para maio de 2021. O processo de de L. N. corre em sigilo de justiça.

Restaurante nega

Universa procurou mais uma vez o Quintal deBetti após a publicação da primeira reportagem, que se posicionou em um comunicado. A reportagem também procurou Rogério Betti para comentar as declarações envolvendo seu nome, mas não teve resposta.

O restaurante publicou na quinta-feira (25) uma nota de esclarecimento em que alega não ter sido conivente com as situações relatadas, e que as medidas de afastamento foram tomadas assim que os fatos chegaram ao conhecimento dos gestores.

"Não somos, nem seremos coniventes com qualquer tipo de assédio ou desrespeito. Foram registradas duas denúncias graves de assédio sexual contra um ex-funcionário que estão sendo devidamente investigadas pela justiça e o acusado não faz mais parte do deBetti há meses, assim como os demais citados na matéria", diz o comunicado.

"Diferente do que foi informado, nossa liderança não concorda, não compactua e nunca agiu de maneira omissa em relação aos comportamentos relatados nesses casos. Tivemos conhecimento de ambos os processos judiciais e tomamos providências imediatas, iniciando uma rigorosa apuração interna. Em respeito a todos os nossos clientes, admiradores, parceiros e mais de 300 colaboradores, esclarecemos que não procedem as alegações de que nossa empresa segue uma cultura do assédio, a gente não tolera e não vai tolerar atitudes assim!", segue.

"Temos muito o que evoluir e já estamos trabalhando para melhorar as nossas práticas a fim de coibir e denunciar casos de assédio. Elaboramos um código de ética e um manual de conduta, além de reforçar os treinamentos e criar um canal de denúncias totalmente anônimo e seguro. O deBetti nasceu há quatro anos com muita luta, aprendizado, honestidade e transparência, buscando oferecer o melhor para os nossos colaboradores, clientes e parceiros. Agradecemos mais uma oportunidade de esclarecimento", conclui a nota.

No entanto, outra ex-funcionária ouvida pela reportagem rebate a defesa do deBetti. Segundo ela, o restaurante demorou tempo demais para alguma providência ser tomada. "A minha denúncia foi feita em outubro. Os caras foram demitidos em julho. Aí vai dizer que a empresa demitia cara que fazia isso? É mentira se o Rogério disser que não sabia. Em seis meses ele não ficou sabendo que o Alex tinha sido denunciado? E manteve ele dentro da empresa", questiona.

Os ex-funcionários acusados de assédio, José Maradona Arceno, José Vande Carlos Teixeira Mota (o "Menotti"), Vinícius Rollo e o atual funcionário Alexmar Ferreira foram procurados pela reportagem para dar seu posicionamento. Nenhum dos quatro respondeu. Alexmar está afastado da empresa desde segunda-feira (23).

Promotora acompanha o caso

Os advogados das ex-funcionárias que estão processando o restaurante afirmaram, por meio de nota, que elas foram "corajosas em expor os abusos". A defesa delas passará a contar com acompanhamento da Promotora de Justiça Gabriela Manssur, considerada referência na defesa dos direitos das mulheres.

"Acreditamos que nossas clientes foram muito corajosas em expor e denunciar judicialmente esses abusos, visto que o assédio sexual no trabalho, além de impedir o desenvolvimento de carreiras e criar vergonha ou constrangimento às vítimas, quando denunciado, muitas vezes resulta com a demissão da própria vítima. Acreditamos na justiça e lutaremos sempre ao lado das mulheres que sofreram ou sofrem esse tipo de violência no exercício de suas profissões e na sociedade. É preciso por um fim à cultura do assédio", diz a nota.

"Esperamos que com essa luta mais vítimas se sintam encorajadas a denunciarem sabendo que serão amparadas pela justiça. Nossas clientes estão sendo amparadas por psicólogos disponibilizados pelo escritório e acompanhadas pelo Projeto Justiceiras, liderado pela Promotora de Justiça Gabriela Manssur, referência no combate às violências de gênero, que conta com o apoio de mais de 4 mil mulheres em todo Brasil", acrescenta o comunicado, enviado à reportagem pelos advogados Vitor Moya, Luciana Leopoldino e Willian Peniche.