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Lorena Gallo, ex-Bobbitt, reconta drama de violência doméstica em filme

Mariane Morisawa

Colaboração para Universa

25/11/2020 04h00

Quando Lorena Bobbitt foi presa por cortar o pênis do marido, John Bobbitt, em 1993, viu seu drama virar piada que correu o mundo. Na época, a jovem imigrante equatoriana foi rotulada como louca e histérica. Nem todo o mundo ficou sabendo suas razões, embora ela tenha sido absolvida pelo júri exatamente por causa delas.

Lorena havia sido vítima de abuso físico, sexual e psicológico por parte do marido. Hoje, aos 50 anos, ela usa o sobrenome de nascença, Gallo, e luta para aumentar a conscientização sobre a violência doméstica e sexual perpetrada por companheiros das vítimas.

Sua nova estratégia é o filme "Lorena Bobbitt: A Mulher que Castrou o Marido" (o título original do longa é "I Was Lorena Bobbitt", eu era Lorena Bobbitt), dirigido por Danishka Esterhazy, e que será exibido no canal Lifetime nesta quarta-feira (25), às 20h50, no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

"Eu acho importante continuar contando minha história", diz Lorena Gallo, que é produtora-executiva e narradora do longa, em evento para jornalistas latino-americanos. "É a minha missão ajudar outras vítimas e sobreviventes. Estamos vivendo uma epidemia social no meio de uma pandemia viral. E isso não pode permanecer assim. Temos de romper o silêncio."

Ver seu drama representado na tela por atores também foi uma forma de catarse. "Necessitava colocar para fora as ansiedades. O abuso que sofri do meu ex-marido foi catastrófico e traumático."

Abuso sexual por maridos ainda é tabu

Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, devido à pandemia de coronavírus, em março e abril deste ano houve um aumento de 22% dos casos de feminicídio. Só em julho, o estado de São Paulo teve 13 casos, 160% a mais do que no mesmo mês de 2019.

Não foi diferente em outros países da América Latina, como afirmou a antropóloga Mónica Godoy, no mesmo evento. "Os serviços de atendimento a vítimas estão limitados na pandemia e estamos vivendo uma situação de emergência. Fora que sabemos que há muita subnotificação, porque existem muitos erros na tipificação [desse tipo de crime]."

A casa, dizem as estatísticas, é o lugar mais perigoso para mulheres e filhos vítimas de violência doméstica. Para Lorena Gallo, é fundamental derrubar o tabu que cerca o assunto. "Não se fala muito de abuso sexual cometido por maridos. As pessoas creem que, por estar casada com um homem, a mulher precisa ser submissa e fazer o que essa pessoa nos diz. Mas não é assim. As leis mudaram, então há mais proteção. Temos de seguir lutando para as leis serem mais fortes e protegerem pessoas sendo estupradas dentro dos casamentos."

Síndrome de mulher abusada

lorena - Divulgação - Divulgação
Lorena Gallo é produtora-executiva e narradora de longa ficcional sobre a sua história
Imagem: Divulgação

Na época em que Lorena viveu seu drama, quase 30 anos atrás, era ainda mais complicado. Não havia tantos recursos nem tanta informação sobre o tema. O movimento Me Too ainda não tinha acontecido.

"Quando eu chamava a polícia, eles não sabiam como enfrentar a situação e como falar com as vítimas. Me dava muito medo chamar a polícia, porque era algo muito íntimo contar o que estava acontecendo comigo", diz Lorena.

"Esse é o círculo vicioso da violência doméstica. Na avaliação psicológica, me disseram que eu estava sofrendo de uma síndrome de mulher abusada. Você não sabe como sair. Eu achava que ele ia mudar, mas isso nunca aconteceu. Só foi piorando. A situação nunca melhorou."

Ela sabe que o abuso ainda é muito comum, especialmente em sociedades machistas como a latino-americana. "É fácil dizer: 'por que ela não escapa dessa situação?' Mas essas mulheres são prisioneiras psicologicamente, emocionalmente, coercitivamente, sentem-se sem saída. Muitas vítimas dependem economicamente do companheiro. Fora que sair do abuso não é um evento, é um processo. Muitas escapam e acabam voltando. As estatísticas mostram que, em geral, são sete tentativas antes de finalmente conseguirem."

Educação sobre relacionamentos saudáveis e abusivos

Lorena agradece o apoio que teve de amigos e familiares quando finalmente se libertou de seu abusador. Mas acredita que a educação, em casa, na escola e em outros locais, poderia ajudar muito.

"É importante ensinar o que são relacionamentos saudáveis. Muitas meninas são ingênuas, seus pais nunca falaram sobre situações de abuso. É importante conversarmos com nossos filhos sobre isso", diz Lorena, que é mãe de uma menina.

"A violência doméstica carrega um estigma. É algo de que não se fala. Por isso, fiz o filme. É importante que vejam o que eu vivi, o que é a violência doméstica. Espero que as coisas mudem para as próximas gerações."