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Elas bombam nas redes falando de trabalho doméstico: "Faxina não é favor"

Veronica Oliveira, do Faxina Boa, lançou livro; Suhellen Kessamiguiemon, Diário da Diarista, faz planos para o pós-pandemia - Reprodução/Instagram
Veronica Oliveira, do Faxina Boa, lançou livro; Suhellen Kessamiguiemon, Diário da Diarista, faz planos para o pós-pandemia Imagem: Reprodução/Instagram

Nathália Geraldo

De Universa

23/11/2020 04h00

Em um país em que as trabalhadoras domésticas são vistas como "quase da família", mas que, ao mesmo tempo, precisam limpar a casa dos clientes em troca de comida, falar sobre as relações de trabalho entre faxineiras e patrões é sempre incômodo. Mas, se você está no Instagram, pode já ter esbarrado no trabalho de duas mulheres que abordam esse tema de forma bem direta: Veronica Oliveira, do @faxinaboa, e Suhellen Kessamiguiemon, do @diario.da.diarista. Criadoras de conteúdo, elas falam sobre o cotidiano que viviam como diaristas.

Veronica, moradora de Itaquera, em São Paulo, criou o perfil nas redes sociais inicialmente para divulgar o trabalho como diarista, com posts criativos. Foi conquistando fãs. De primeira, não queria ser porta-voz de ninguém. Até que recebeu a mensagem de uma trabalhadora doméstica dizendo que só passou a ter orgulho da profissão depois que a conheceu.

Inicialmente, Suhellen, que é de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, também foi para o Instagram com o intuito de divulgar o trabalho, que escolheu pela flexibilidade de horários para cuidar dos filhos. No final de 2018, fez faxina na casa de uma jornalista que publicou um texto sobre ela, explicando a necessidade de se valorizar as trabalhadoras domésticas. Então, as redes sociais da "pseudodigital influencer", como se define no Instagram, foram crescendo, também com a divulgação por outros perfis.

Ex-faxineiras, agora elas usam o alcance na rede de, respectivamente, 298 mil seguidores e 37,9 mil seguidores para reforçar a importância das trabalhadoras domésticas como prestadoras de serviço, e não como uma "ajudante" da casa, explica Suhellen.

Eu nunca me colocava como inferior a ninguém. Era uma prestadora de serviço, não era um favor me contratar nem um favor eu limpar a casa da pessoa.

Influenciadoras da faxina bombam no Instagram

Faxina Boa

Veronica - Reprodução - Reprodução
Veronica Oliveira escreveu o "Minha Vida Passada a Limpo", lançado em 5 de novembro
Imagem: Reprodução

No "Faxina Boa", Veronica Oliveira compartilha, além de histórias da vida como trabalhadora doméstica, seus perrengues e conquistas. Palestrante, ela também acaba de lançar um livro, o "Minha Vida Passada a Limpo", em que conta as experiências sob sua perspectiva de mulher negra, mãe solo e faxineira.

"Eu escrevia vários textos no celular, sentada no chão do trem, indo para o trabalho. Ali, coloquei situações que fazem as pessoas refletirem, sobre o mercado de trabalho, assédio às trabalhadoras e algumas atitudes erradas que as pessoas têm no mundo corporativo". Ter sido mãe na adolescência e o fato de ter um filho de 12 anos autista também são momentos narrados por Veronica na publicação.

"Três anos fazendo faxina valeram um doutorado em sociologia"

Para Universa, ela diz que o tempo que atuou como faxineira equivaleu a um "doutorado de sociologia", por fazê-la entender como se dão as relações sociais entre os patrões e as trabalhadoras domésticas.

"Quantas vezes aconteceu comigo de pedirem coisas que não era o trabalho doméstico, como levar o cachorro para fazer cocô na rua, passar no mercado, na lotérica. Parece que pensam que, por estar pagando a pessoa por aquele período, se tornam proprietária dela", explica. "E eu atendia a uma galera jovem, 'desconstruidona', progressista, que tem o mesmo comportamento que atribui a outras pessoas".

Veronica conta que a guinada para o trabalho na internet foi orgânica. "Eu era uma usuária comum de redes sociais, só que muitos clientes em que eu ia fazer faxina trabalhavam com comunicação e decidiram ajudar. Me levavam a cursos sobre rede sociais". A "virada monstra", com o aumento de 30 mil para 300 mil seguidores veio de um vídeo só, em que ela contava a história de sua vida, compartilhado por um perfil de uma rede de informação que já tinha milhões de seguidores. "De repente, o Luciano Huck estava compartilhando, pessoas fora da bolha".

O "Faxina", ela diz, virou também um "reality show" em que divide detalhes do cotidiano, como quando entrou pela primeira vez em um avião. "As pessoas que acompanham meu conteúdo há quatro anos sabem que eu morava num barraco, viram eu entrar no avião para fazem fazer faxina no Rio de Janeiro...Também sabiam que eu não tinha móveis em casa, e fui ganhando dos clientes de presente. Elas veem o que eu vou conquistando".

Diário da Diarista

Diário da Diarista - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Suhellen começou no Instagram divulgando o trabalho de faxina; hoje, brinca que é "subcelebridade da internet"
Imagem: Reprodução/Instagram

Suhellen conta para Universa que entrou no mercado de trabalho de faxina com uma meta: trabalhar cinco vezes por semana para ter mais qualidade de vida. "Mal sabia que não aguentaria por muito tempo. Era um ritmo muito pesado, todo dia eu lavava um banheiro".

Por outro lado, no Instagram, o conteúdo com dicas de limpeza, como misturinhas com vinagre para substituir produtos industrializados, começou a fazer sucesso. "Um perfil que eu sigo, de maternidade, divulgou minha página e meu trabalho. Depois, a jornalista fez uma matéria contando minha história. Aí, o crescimento foi orgânico".

Enquanto atuava como diarista, a relação com os patrões sempre foi equilibrada. "Era de igual para igual. Nunca me colocava como inferior a ninguém. Era uma prestadora de serviço, não era um favor me contratar nem um favor limpar a casa da pessoa". Reconhece que esse tipo de comportamento é uma exceção. "As pessoas deram valor [ao trabalho das diaristas] agora que perderam, dizem ter mais consciência, mas acho que depois da quarentena, vão esquecer disso".

Para ela, a mudança pode partir da categoria de profissionais, hoje são 6,3 milhões de trabalhadores, a maioria mulheres. "Nada vai mudar, a não ser que as prestadoras de serviço quebrem esse ciclo, definindo quanto precisam trabalhar para viver decentemente, sem cobrar faxina barata".

No ano seguinte, Suhellen resolveu monetizar o que divulgava no perfil do Instagram. "Então montei um projeto de mentoria, de uma semana, para ensinar a limpar um cômodo por dia. Ele era para pessoas que nunca pegaram numa vassoura". A criadora de conteúdo também faz conteúdos para marcas, os "publis" em sua conta. Agora, pensa em tocar dois projetos: treinar uma equipe de diaristas "oferecendo melhores condições de trabalho e de remuneração para elas", ou capacitar as contratadas por empresas e startups para que o serviço tenha o mesmo padrão.

Quem é você na faxina? "Diário da Diarista" dá dicas

A pedido de Universa, Suhellen separou dicas para quem está fazendo faxina em casa e se atrapalha com a atividade.

  • A primeira é entender que "não existe limpeza permanente". "Uma casa com vida, com pessoas, sempre terá o que arrumar. Mas isso não significa que você precisa estar sempre limpando e arrumando";
  • Limpe aos poucos. "Limpar a casa inteira de uma vez demanda muito tempo, e na metade do caminho você já estará exausto. Isso lhe causará frustração, ainda mais se precisar parar toda hora por algum motivo, como filhos, marido, home office. O ideal é que você dedique duas horas mais ou menos por dia a essa tarefa".
  • Defina um cronograma com as tarefas e divida com todas as pessoas que moram na casa. "Distribua nos dias conforme a sua disponibilidade, há vários cronogramas disponíveis na internet, e no meu perfil também".
Ouça o podcast Fora da Curva, do UOL Tab, com a participação de Veronica Oliveira: