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"Tenho deficiência genética e decidi parar de lutar pela cura"

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Bruna Verlingue em depoimento a Renata Turbiani

Colaboração para Universa

21/11/2020 04h00

"Nasci com uma deficiência genética. Essa condição faz com que o meu sangue engrosse e fique mais propenso a formar coágulos e, portanto, a causar tromboses. Apesar disso, até os cinco anos tive uma vida normal. Na verdade, até essa idade eu nem sabia que tinha uma doença.

Tudo mudou depois que peguei uma gripe que não sarava de jeito nenhum. Meus pais ficaram preocupados e me levaram para o hospital. Lá, fiz um monte de exames e os médicos, quando viram os resultados, todos alterados, acharam que era leucemia.

Naquela época, eu morava em Sinop, no Mato Grosso, e, no mesmo dia, fui transferida para Curitiba, no Paraná. Inicialmente, o que descobriram foi que eu tinha tido duas tromboses, uma no cérebro, que me fez perder o olfato e um pouco do paladar, e outra na veia porta, que fez meu baço crescer muito.

Aí começaram as investigações para saber a causa disso. O diagnóstico mesmo só veio quando eu já tinha 16 anos. O que tenho é uma deficiência de proteínas "S" e "C". A minha medula não as produz, e isso causa a trombifilia. Os médicos sempre disseram que eu era como uma bateria e só tinha 1% de carga.

Ao longo dos anos, passei por inúmeras internações, até porque a minha imunidade é baixíssima, e isso me fazia (e ainda faz) ter infecções com facilidade. Também fiz algumas cirurgias e todos os tipos de testes e tratamentos que se possa imaginar. Tudo o que falavam, íamos atrás, inclusive em outros estados, mas nada nunca funcionou.

Além das tromboses, desenvolvi cirrose hepática, porque o sangue não consegue chegar normalmente ao fígado - hoje, ele só funciona 30%. No geral, todos os meus órgãos sofrem e funcionam de forma diferente. O coração, por exemplo, aumentou de tamanho, já que precisa trabalhar mais. Também tenho muitas crises convulsivas.

Bruna 1 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
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Imagem: Arquivo Pessoal

Depois que a doença se manifestou, passei dez anos entrando e saindo de hospitais, em busca de uma cura. De repente, não tinha mais uma vida normal, não pude mais brincar com outras crianças, inclusive com meus irmãos e primos, não conseguia ir sempre para a escola, não podia ficar em locais movimentados.

No ensino médio, parei de frequentar a sala de aula devido ao risco de contaminação. Vivi cheia de restrições e perdi muita coisa no caminho. Enquanto meus amigos e colegas estavam se formando no colégio, começando uma faculdade, eu, aos 17 anos, entrava na fila do transplante de fígado e medula.

Mas, quando fiz 18, depois de um ano em que eu só ia de casa para o hospital e do hospital para casa, algo mudou dentro de mim. Decidi parar de lutar pela cura e começar a lutar pela vida, parar de sobreviver e começar a viver de verdade.

Conversei com meus pais e médicos e eles acabaram concordando. Eu e minha família, então, saímos de Curitiba e voltamos para Sinop, mas a cada dois meses eu tinha de retornar para fazer exames e acompanhamento. Foi assim durante dois anos.

As pessoas falavam que estávamos loucos e que eu ia morrer, mas eu parei de me importar. Realmente não sei quanto tempo tenho e, por isso mesmo, quero aproveitar ao máximo e ser feliz.

Logo depois que fiz essa escolha, prestei vestibular para o curso de Psicologia na Unic (Universidade de Cuiabá) e passei, me formo no ano que vem. Em seguida, fui morar sozinha e comecei a trabalhar com internet, com produção de conteúdo. Agora, tenho um canal com 170 mil seguidores no Instagram. Meu objetivo é inspirar as pessoas e incentivá-las a viver o agora, assim como eu faço.

Há um ano e meio conheci meu namorado e fiquei noiva em julho, no meio da pandemia. O Marcos foi um presente, ele é tudo o que sempre sonhei. Com cinco meses de namoro, tive uma complicação e passei alguns dias na UTI. Os médicos disseram que talvez eu não resistisse e, mesmo assim, ele ficou ao meu lado.

Agora estamos morando juntos e temos um combinado: sempre terminar o dia com algo bom, porque não sei se será o meu último. Pode ser assistir a um filme bacana, preparar uma comida que gostamos, dançar, dar risada...

Bruna 3 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Fiz 21 anos e finalmente consegui ter uma vida normal. Claro que existem limitações. Preciso ir ao médico com frequência, tomo muitos remédios, em especial para dor, pois tenho dores fortíssimas.

Não posso praticar atividade física, sigo uma dieta alimentar restritiva, tenho que ter cuidado para não pegar nenhuma infecção, me machucar ou ter sangramentos e continuo aguardando o transplante, mesmo sem a certeza de que me recuperarei totalmente com ele.

O fato é que há três anos parei de ter a cura como objetivo e optei por viver o tempo que me resta da melhor forma possível, não focando em que dure muito, mas vivendo muito o quanto durar. E essa foi a melhor decisão que tomei."