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Conheça a brasileira que trabalhou na campanha de Biden: "Ele quer mudança"

Maíra Ferranti Corrêa, 29, trabalhou como gerente de produção de vídeo na campanha de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos - Arquivo pessoal
Maíra Ferranti Corrêa, 29, trabalhou como gerente de produção de vídeo na campanha de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos Imagem: Arquivo pessoal

Camila Brandalise

De Universa

08/11/2020 11h38

Era 13h30 do sábado (7), no Brasil, quando o democrata Joe Biden foi considerado o vencedor das eleições americanas, sendo o 46º presidente eleito. Em Portland, nos Estados Unidos, onde vive a brasileira Maíra Ferranti Corrêa, 29, que trabalhou na campanha de Biden como gerente de produção de vídeos, o relógio marcava 9h30 quando ela e o marido, em meio a uma caminhada matinal para acalmar os ânimos, começaram a receber as notícias com o resultado.

Emocionada, Maíra voltou para casa e fez uma reunião online com sua equipe, que tem cerca de 40 pessoas, para comemorar. Ao atender a ligação de Universa, o marido, ao fundo, estourava uma garrafa de champanhe. "Senti na alma a felicidade e o orgulho de ter participado dessa campanha", diz. "Eu já era da área de vídeo, mas do entretenimento. No começo do ano quis me envolver com algo que tivesse um propósito e pensei até em trabalhar como voluntária nas eleições antes de ser chamada para essa vaga", conta ela, que saiu e São Paulo em 2014 para morar em Los Angeles e estudar cinema.

Mais do que a vitória de Biden, porém, a celebração é por Kamala. "O sucesso dela é o sucesso de todas as mulheres", diz. "É extremamente simbólico ver ela como vice. Não só por ser mulher e ocupar esse cargo, mas também por ver um homem, seu marido, como segundo cavalheiro. É saudável para os homens ver outros em posições que não são as principais", conta. Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Maíra.

Como foram os bastidores da apuração?

Foi muito cheia de ansiedade, de espera e de não saber o que fazer. Querendo ou não, não tem muito o que fazer, a apuração está nas mãos do pessoal que faz esse trabalho. Sabíamos desde o começo que demoraria. É comum demorar. Deveria ser como é no Brasil, mas não é, é tudo manual. A equipe da campanha sempre foi muito realista no sentido de que poderia demorar. Começamos a semana ansiosos [a apuração se iniciou na terça-feira (3)], com a energia lá em cima. Conforme foi passando entendemos que não dava para saber o que ia acontecer. Agora de manhã [de sábado (7)] tínhamos ouvido dos nossos chefes que não saberíamos até a tarde. Saí para uma caminhada com meu marido e começamos a receber informações de que oficializaram o resultado. Foi bem emocionante.

O que as americanas podem esperar das políticas do Biden para as mulheres?
Eu acho que mais do que suas futuras políticas, já me parece extremamente simbólico ter a Kamala como vice. Não só por ela ser mulher e ocupar esse cargo, mas também por ver um homem, seu marido, como segundo cavalheiro. É saudável demais não só para as meninas sentirem que podem almejar um cargo como esse, mas também para os homens verem outro homem que não está na posição principal. O marido dela [o advogado Douglas Emhoff] está empolgado com isso. O sucesso da Kamala é o sucesso de todas nós, meninas e mulheres.

No Brasil, diversos políticos escolhem mulheres como vice mas, na equipe, a maioria ainda é de homens. Isso também aconteceu com Biden?
Na minha equipe, é quase 50/50, mas tem mais mulheres do que homens. Fiquei positivamente surpreendida ao ver o cuidado que se teve com igualdade de gênero e respeito em relação à orientação sexual, raça, idade. No primeiro dia de trabalho, temos que assistir a um vídeo do Joe Biden dizendo que não tolera qualquer tipo de discriminação e abuso. Que não tolera grito. Acho que, como qualquer homem branco de 80 anos, ele pode ter certas coisas que precisam ser melhoradas. Mas acredito que quer mudança

Como você chegou nesse cargo?
Estudei cinema em São Paulo e cheguei a trabalhar no Brasil. Mas queria a experiência de estudar nos Estados Unidos e me mudei para cá em 2014. Fiz um curso em Los Angeles de produção para televisão e cinema. Trabalhei no Buzzfeed e, depois, em uma empresa de um canal de comédia no YouTube. No começo desse ano pedi demissão porque queria trabalhar com algo que tivesse um propósito. Pensei até em ser voluntária nas eleições. Fui falando para as pessoas que tinha essa vontade, fiz um curso de política, até que uma pessoa da campanha do Biden pediu uma indicação para um chefe do Buzzfeed, que falou meu nome. Trabalhei como gerente de produção dos vídeos que chamamos de 'orgânicos', como o que foi divulgado logo após sair o resultado. Era para ser usado durante a campanha, foi inspirado na obra de uma fotógrafa negra de Nova York chamada Lorraine O´Grady com cenas de cidadãos americanos. Os líderes [da campanha] assistiram e seguraram para ser o vídeo da vitória.

Qual foi o momento mais marcante para você no período da campanha?
O que mais fico lembrando é do time e de ver como me deu orgulho de trabalhar em uma equipe cheia de gente maravilhosa, tão boa, gentil. Eu sempre gostei de trabalhar, mas essa é uma das primeiras vezes que consigo fala de boca cheia que amo muito o que faço. Senti na alma essa felicidade, esse orgulho.

Você teve contato com mulheres do partido Democrata que considera inspiradoras?
A gente tinha reuniões semanais, online, com toda a equipe de campanha. Toda semana vinha alguém conversar conosco, dar uma palavra de apoio e empolgação. Duas delas foram as congressistas Nancy Pelosi e Elizabeth Warren. Ver elas e a Kamala atuando faz eu me sentir mais empoderada, mais confortável em ser quem eu sou. Eu cresci me achando estranha, me chamavam de bocuda. Não em casa, na minha família fui acostumada a poder falar o que pensava. Mas me achava o patinho feio. Acho que a nossa geração já está vendo uma diferença no sentido de ter mulheres reivindicando o que elas querem.

Com quem você gostaria de trabalhar no futuro?
Com a [congressista] Alexadria Ocasio-Cortez. Ela, assim como as mulheres que citei, colocam a cara à tapa. Elas falam da experiência de trabalhar contra o patriarcado e é como se isso abrisse o caminho para outras mulheres chegarem longe também. A questão da sororidade é extremamente importante. No Brasil e aqui, a gente cresce achando que mulher é contra mulher, se tem uma bem-sucedida, só tem essa vaga, que é dela. Tive muita sorte de aprender com outras mulheres que temos que estar sempre nos elevando.