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Mulheres abordam tratamento do câncer de mama no SUS e na rede privada

Samanta Pereira descobriu a doença em junho de 2019: "Me sinto privilegiada por ter acesso rápido aos serviços de saúde" - Arquivo pessoal
Samanta Pereira descobriu a doença em junho de 2019: "Me sinto privilegiada por ter acesso rápido aos serviços de saúde" Imagem: Arquivo pessoal

Camila Brandalise

De Universa

07/11/2020 04h00

Mesmo com o fim do Outubro Rosa, campanhas de conscientização sobre o câncer de mama estão por toda parte: na televisão, em pontos de ônibus e nas fitas rosas, símbolo do combate à doença, há mensagens sobre a importância do diagnóstico precoce e do tratamento.

Isso não se reflete, porém, na qualidade dos serviços encontrados por grande parte das brasileiras que procuram o SUS (Sistema Único de Saúde) para tratar o câncer de mama. Há, principalmente, demora no diagnóstico e no início do tratamento, o que pode ser crucial para a cura, como mostra um estudo lançado em setembro pelo Instituto Avon em parceria com o Observatório de Oncologia, plataforma de monitoramento de dados relacionados a diferentes tipos de câncer.

De acordo com a pesquisa Panorama da Atenção do Câncer de Mama no SUS, que analisou dados de 2015 a 2019, pacientes do sistema público levam, em média, 45 dias para a confirmação da doença. Do diagnóstico ao início do tratamento, são mais 83 dias. No Brasil, a legislação exige que o diagnóstico de pacientes de câncer seja dado em, no máximo, 30 dias (Lei dos 30 Dias, de 2019), e que o tratamento comece em até 60 dias após confirmada a doença (Lei dos 60 dias, de 2012). Não foi feita comparação com o sistema particular de saúde.

"Em alguns casos, no SUS, a mulher é diagnosticada precocemente, mas, por atraso no início do tratamento, a doença dela avança. O tratamento acaba sendo muito mais agressivo e com menor chance de cura", afirma a mastologista Juliana Francisco, consultora
médica do Instituto Avon. "Temos que encurtar as barreiras da mulher nessa jornada."

Um menor tempo de espera pelo tratamento pode salvar a vida de milhares de mulheres, explica Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon. "O diagnóstico precoce apresenta chance de cura de 95%, que cai para 20% em estágio mais avançado", afirma. "Sabemos o que fazer, mas não fazemos. O levantamento mostra que o Brasil está em uma situação precária", diz Daniela.

Ela também aponta como alarmante o dado relacionado à porcentagem de mamografias feitas em mulheres de 50 a 69 anos no Brasil: somente 23% desse público têm acesso ao exame. A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é que seja de 70%.

Universa conversou com duas mulheres diagnosticadas com câncer de mama. Uma procurou o SUS e esperou um ano até o início do tratamento. Outra, que tem plano de saúde, procurou um hospital privado e, em um mês, começou a quimioterapia.

"Pelo SUS, meu tratamento só começou um ano depois da primeira consulta"

Maria de Fátima câncer de mama - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A goiana Maria de Fátima com o filho, João Pedro: "É por ele que eu luto"
Imagem: Arquivo pessoal

"Em novembro de 2019, fui tomar banho e senti um caroço no seio direito. Fiquei preocupada com o que poderia ser e procurei o posto de saúde da família do meu bairro, chamado Jardins do Cerrado 7, em Goiânia. É uma região decadente e o único serviço de saúde com que contamos é esse posto. Fiz a primeira ultrassonografia e já havia suspeita de câncer de mama. A médica que me atendeu me encaminhou para um hospital, onde só consegui ser atendida em fevereiro de 2020.

A demora se deu por falta de horário mas também porque me encaminharam, por erro, do posto de saúde para a área do hospital em que atendiam problemas no tórax. Tive que voltar ao posto, pedir outro encaminhamento e só então consegui marcar com uma ginecologista.

No hospital, fiz uma ultrassonografia novamente e confirmaram o diagnóstico de câncer de mama. A médica que me atendeu disse que eu deveria fazer uma cirurgia para retirar o seio. Mas aí foram solicitados mais exames que demoraram muito para sair.

Eu não tinha informação sobre nada. Ligava para o hospital e ninguém sabia sobre o meu caso, não me diziam se poderia marcar a cirurgia, se teria que fazer outra consulta. Até que começou a sair uma secreção do mamilo, e, em junho deste ano, eu procurei o hospital novamente. Passei a ser atendida por outro médico, que pediu mais exames e uma nova análise sobre a minha situação.

Cortaram um pedacinho do caroço e, na biópsia, foi confirmado novamente que era câncer. O médico me informou que o tumor estava muito grande e que seria arriscado fazer a cirurgia. E disse que seria melhor começar a quimioterapia para que diminuísse e, então, fazer um procedimento cirúrgico para retirá-lo.

Comecei o tratamento no dia 16 de outubro, praticamente um ano depois da primeira vez que procurei o serviço de saúde. Serão seis meses de quimioterapia e, depois da cirurgia, passaria por radioterapia.

Nesse meio tempo, eu corri muito atrás de informações. Ligava para o hospital e dizia: 'Pelo amor de Deus, me ajuda, senão eu vou morrer'. Fui juntando todas as minhas documentações, comecei a falar que ia procurar o Ministério Público.

Com a quimioterapia, me sinto muito fraca, com dores. Mas agora acredito que minha situação será resolvida porque comecei o tratamento.

Eu vejo tanta propaganda falando de câncer de mama, da importância do diagnóstico, de procurar o médico e de se tratar. Mas nós, que estamos vivendo isso, vemos que não tem tanto empenho assim dos serviços de saúde que nos atendem. Acredito que falta fiscalização de um órgão da saúde que possa acompanhar os casos e avaliar o andamento.

Em agosto, entrei com pedido de afastamento do trabalho pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A gente precisa se dedicar a lutar contra a doença. Já convivo com o medo de morrer. Seria bom contar com esse auxílio durante o tratamento.

Meu grande companheiro é meu filho de 11 anos, João Pedro. Ele está sempre ao meu lado, me acompanha no hospital, nos exames. Faz comida para nós quando eu não tenho forças para cozinhar. Me ajuda sempre, me dá força para continuar vivendo. É por ele que eu luto."

Maria de Fátima Viana, 44, administradora, de Goiânia


"Fiz o tratamento pelo plano de saúde e foi tudo muito rápido. Operei em dois meses"

Samanta câncer de mama - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Samanta, em foto durante a quimioterapia, em 2019: "Meu tratamento foi rápido. Hoje, estou curada"
Imagem: Arquivo pessoal

"Descobri o nódulo no final de maio do ano passado. Fui deitar, virei para o lado esquerdo e senti um desconforto. Apalpei a mama e senti uma bolinha. Apalpei a direita para comparar e não tinha nada. Pensei: 'Isso vai me dar dor de cabeça', mas nem imaginava que fosse câncer. Não tenho casos na família, levo uma vida saudável.

Passei pelo meu ginecologista que, apalpando, disse que provavelmente meu nódulo era benigno. Mesmo assim me pediu exames e me encaminhou para uma mastologista. Minha consulta com ela foi em junho de 2019. Esperei pelo resultado da biópsia do nódulo por cinco dias. Saiu em uma sexta-feira. No mesmo dia, eu já tinha marcado consulta com a mastologista. Ela abriu o exame e me deu o diagnóstico de câncer de mama. Só pediu mais exames para saber que tipo de câncer era.

Depois que recebi o diagnóstico, foi tudo muito rápido. Me senti ligada no piloto automático. Um mês depois, em julho, iniciei a quimioterapia. Depois de um mês desse tratamento, fiz a cirurgia para a retirada da mama. Foram várias consultas, procedimentos e exames, para saber se havia metástase, por exemplo. Também faço acompanhamento com psiquiatra desde agosto de 2019. Tudo pelo plano de saúde. Recentemente, me consultei com um cirurgião plástico para falar sobre a cirurgia de reconstrução da mama.

Hoje, um ano e sete mês após minha primeira consulta, estou curada. Ouvir isso da minha médica foi uma vitória. Mas é importante dizer que me sinto privilegiada pelo tratamento que tive e por ter plano de saúde.

Conheci muitas mulheres que têm câncer de mama. Nós trocamos muitas informações em grupos de Facebook, nos ajudamos. Fiz amizade com duas que fazem o tratamento pelo SUS e fico muito triste porque elas não têm acesso aos serviços que eu tive, nem está sendo rápido como foi comigo. Nem se compara. Um dos tratamentos que fiz foi com um remédio que é mais difícil de conseguir pelo SUS. Minhas amigas me disseram que só teriam acesso a ele por via judicial, por exemplo.

Essa diferença não deveria existir. Todas nós deveríamos ter o mesmo tratamento e o mesmo acesso a todos os recursos.

Samanta Pereira, 45, nutricionista, de Porto Alegre