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Irmão de PM influencer morta por ex: Era contra machismo e foi vítima dele

A PM Sylvia Rafaella Gonçalves foi assassinada em casa - Reprodução/Instagram
A PM Sylvia Rafaella Gonçalves foi assassinada em casa Imagem: Reprodução/Instagram

Abinoan Santiago

Colaboração para Universa

17/10/2020 04h00

Assassinada a tiros pelo ex-marido, a soldado da Polícia Militar da Bahia Sylvia Rafaella Gonçalves Pereira, de 38 anos, virou vítima de algo contra o qual sempre lutou: o machismo. O crime, ocorrido em 6 de outubro, teria sido motivado porque o ex, Edson Ferreira de Carvalho, 33, não aceitava o fim o relacionamento, que durou sete anos e terminou em julho.

O suspeito também era policial militar da corporação baiana e se matou logo após tirar a vida de Rafaella, como era conhecida entre os fãs nas redes sociais, a família e os amigos de Ibotirama, onde vivia com as duas filhas, a 664 quilômetros de Salvador.

A policial militar era também influencer digital, com mais de 80 mil seguidores, e comentava em suas redes sociais sobre a equidade entre homens e mulheres. A última publicação sobre o tema é datada de 3 de agosto. Nela, Rafaella escreve que os "homens também precisam colaborar para construir a igualdade de participação de ambos os gêneros".

O que os seguidores não sabiam é que Rafaella era vítima de agressão física no casamento recém-acabado.

"Ela tinha essa bandeira, mas era uma vítima, não conseguia sair dessa situação", diz o irmão de Rafaella, Antônio Neto da Lapa, de 35 anos, afirmando que a família dela ficou surpresa com a dimensão do carinho dos seguidores. "Não esperávamos essa repercussão, mesmo sabendo da carreira dela como influenciadora digital e da militância pelos direitos da mulher, levantando bandeira contra o machismo. Ela defendeu as mulheres nas redes sociais pouco antes de morrer."

"Fazia tudo pelas filhas"

O assassinato de Rafaella interrompeu uma carreira conquistada por motivação da filha mais velha, atualmente com 12 anos. A menina é fruto de outro casamento da influencer.

Após fechar um mercado, em Bom Jesus da Lapa, cidade baiana onde foi criada, Rafaella passou a estudar para concursos públicos com a expectativa de dar uma vida melhor para a filha que, à época da aprovação dela na PM baiana, estava com apenas dois anos.

Depois de passar na prova e no teste físico, Rafaella precisou se sacrificar e ficou nove meses longe da filha durante o curso de formação, em Salvador. Da capital, ela passou a morar em Ibotirama, onde foi lotada.

"Ela ficou afastada da filha, mas, pensando na estabilidade, fez a formação. Era, à época, a única mulher na academia de Salvador. A Rafaella começou a se destacar ainda no curso porque era muito aguerrida, como se espera de uma mulher. Cultivou até a morte vários amigos dessa época", lembra o irmão.

Foi na corporação que Rafaella conheceu Edson. Mas o relacionamento começou somente anos depois. A filha do casal atualmente está com três anos. A vontade de ficar perto das meninas fez com que a policial não pensasse em avançar na carreira e se tornar oficial da PM.

"Para ir para algum comando ou ser oficial, ela deveria fazer um curso que dura mais de dois anos em Salvador e, com isso, se afastaria das filhas", diz o irmão.

"O sonho dela era fazer tudo para dar o melhor às filhas. Sempre foi muito organizada financeiramente. Nunca teve dívidas. Tudo o que comprava era à vista depois de juntar as economias. Tudo era para as filhas, não pensava nem nela", afirma Antônio.

Ciúme e agressões

Rafaella e Edson viveram juntos por sete anos, mas, desde 2016, o matrimônio desandou. O então marido era considerado agressivo e bastante ciumento, segundo a família dela. O primeiro caso de violência doméstica sofrida pela soldado teria ocorrido há quatro anos. Um ano depois do fato, nasceu a filha do casal e o relacionamento passou por diversas idas e vindas.

Segundo a família de Rafaella, o estopim para o basta no casamento ocorreu em julho. Edson a agrediu violentamente e chegou a ser preso em flagrante. O caso gerou uma medida protetiva impedindo que Edson chegasse perto da ex-mulher, mas ele apelava para a filha para desrespeitar a ordem judicial.

"O primeiro boletim é de 2016. Não era uma situação grave, mas já dava para revelar o caráter da pessoa. Ela, como a maioria das mulheres, acreditava na mudança dele. A vontade da família sempre foi de que ela terminasse o relacionamento. Mas, depois do nascimento da filha, piorou a situação. Ele se aproveitou da existência da menina para manter contato", diz o irmão da vítima.

"A filha era o único pretexto para visitar a casa e, sempre que ele chegava lá, tentava reatar com minha irmã. Quando ele viu que não tinha mais jeito, resolveu matá-la."

Assim como a beleza de Rafaella chamou a atenção de Edson, foi também o motivo pelo qual ele passou a demonstrar agressividade.

"Quando saíam para uma festa, retornavam antes de o evento acabar, porque todo homem que passava por eles, o Edson acreditava que estava olhando para a Rafaella. Isso com qualquer um. Era um ciúme doentio. Ele se aproximou pela beleza e matou pelo ciúme e pelo sentimento de possessão", diz o irmão.

A família tentou intervir de diversas maneiras para Rafaella terminar de vez o casamento. Isso resultou em ameaças de morte do suspeito contra os familiares da policial. Mas, apesar do risco, os parentes não imaginavam que o fim do relacionamento resultaria na morte dela.

"A gente tinha esse receio de que pudesse acontecer algo pior. Afinal, ele era um homem violento, armado e com histórico de agressão. Porém, ninguém acreditava que chegasse a esse ponto", lamenta o irmão.

Família quer realizar o último desejo de Rafaella

Após mais de dez dias da morte de Rafaella, a família ainda tenta se recuperar para dar apoio às filhas da PM, que deverão ficar sob a tutela dos pais de Rafaella.

"Eles estão extremamente abalados e sem forças. É aquela sensação de que poderiam ter feito algo, embora eu acredite que todos fizeram tudo o que poderia ser realizado. Estão chorando escondidos para as netas não sofrerem", diz o irmão de Rafaella.

A PM morreu baleada na cabeça em casa, no intervalo do expediente. Fardada, estava no quarto ao lado da filha de três anos quando recebeu um disparo na lateral da cabeça.

A filha mais velha estava no quarto ao lado. Ao ouvir os disparos, saiu correndo para ver o que acontecia. Encontrou a mãe e o ex-padrasto no chão e a irmã na cama. E logo acionou os familiares.

"A mais nova viu quando ele fez isso. Ela fala: 'Papai matou a mamãe, mas vai voltar, né?'. Nós desconversamos, explicando que a mãezinha foi pro céu. Agora ela pergunta para a avó: 'A senhora vai ser minha mamãe, né?'. Sempre que passa uma moto na rua, sai correndo com medo porque o pai tinha uma. Tem umas motos em que a descarga dá uns pipocos, como se fossem tiros. Quando escuta este som, ela se assusta porque se lembra dos disparos", lamenta Antônio.

Para amenizar a dor das crianças, a família quer realizar um sonho de Rafaella: levar as filhas dela para conhecer a Disney. Os parentes descobriram que a policial mantinha uma poupança para concretizar o plano.

"Este era o último desejo dela. Vamos levar, com certeza. Nada impedirá", promete o irmão.

O crime

O assassinato de Rafaella aconteceu por volta das 12h30 do dia 6 de outubro, em Ibotirama, na Bahia. Segundo a Polícia Civil, o caso é investigado como feminicídio porque Edson não aceitava o fim do relacionamento com a vítima.

Após uma agressão sofrida em julho, Rafaella pediu uma medida protetiva de urgência contra o ex-marido, concedida pela Justiça. Apesar disso, o ex-casal possuía um acordo verbal para que Edson pudesse visitar a filha de três anos.

Rafaella morreu com dois disparos. Ela estava fardada e sentada no quarto, com os pés apoiados em uma mesa. O primeiro tiro atingiu uma das pernas. Já o outro, considerado fatal, atingiu a lateral da cabeça. A policial estava desarmada.

De acordo com a Polícia Civil, a arma usado pelo suspeito era de propriedade da PM da Bahia. O caso segue em investigação com o depoimento de testemunhas e espera de laudos.