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"Venci o preconceito e hoje participo de um reality como modelo trans"

Bárbara Britto sempre sonhou em ser modelo - Reprodução / Instagram
Bárbara Britto sempre sonhou em ser modelo Imagem: Reprodução / Instagram

Ana Bardella

De Universa

16/10/2020 04h00

Bárbara Britto tem apenas 24 anos, mas carrega uma bagagem de experiências intensas de vida: com a mãe viciada em crack, foi criada pela avó em São José dos Campos, interior de São Paulo. Dentro de casa, teve a liberdade de crescer sendo quem realmente era, uma mulher transexual. Porém, da porta para fora, sofria com o preconceito. Após o falecimento da avó, quando tinha 17 anos, Bárbara encarou também as maiores dificuldades da vida. Precisou morar com o pai, um pastor, que não admitia que vestisse roupas femininas ou se comportasse da forma como gostaria. Cada vez mais reprimida, chegou a morar em um albergue e se prostituir para conseguir se sustentar. Hoje, realizando o sonho antigo de trabalhar como modelo e após participar do reality Born to Fashion, do canal E! Entertainment, ela conta sua história.

"Sempre fui modelo"

"Entre as minhas lembranças mais antigas, está a de desfilar para lá e para cá dentro de casa. O sonho de ser uma modelo famosa sempre me acompanhou — e, na infância, não me sentia reprimida. Eu e minha mãe não tínhamos uma relação próxima: viciada em crack, ela era totalmente ausente. Por isso, eu e uma das minhas irmãs fomos criadas pela nossa avó materna. Ela, uma mulher simples, nunca me reprimiu. Apesar de não me entender como uma mulher transexual, ela me respeitava e me considerava uma pessoa artística. Ela foi a primeira pessoa a reconhecer a arte dentro de mim"

A perda mais difícil

"Com o passar do tempo, surgiram as situações de preconceito na escola e na rua. Mas tudo ficou mais difícil quando minha avó faleceu. Na época eu estava com 17 anos e não tive outra alternativa a não ser morar com meu pai, que é pastor. Durante um tempo, fui obrigada a me vestir, a me comportar e a falar como um menino. A situação foi se tornando cada vez mais insuportável para mim, até que decidi sair de lá a fim de me livrar de toda essa repressão. Voltei para a casa onde vivia com a minha avó e jurei que conseguiria um emprego para me sustentar"

Sucessão de nãos

"A casa estava sendo ocupada por um dos meus tios e duas primas. Fiz alguns cursos na área de costura e comecei a procurar emprego por aí. No entanto, via que mesmo as pessoas cisgênero com menos experiência do que eu sempre estavam em vantagem e comecei a me deparar com uma sucessão de 'nãos'. Parti então para as vagas em lojas, em bares e restaurantes. Mas nenhum estabelecimento se mostrava aberto para me contratar. Foi então que minhas necessidades falaram mais alto e, mesmo com medo, vi que não me restava outra alternativa a não ser me prostituir. Comecei com os programas na minha cidade e juntei o máximo de dinheiro que pude para me mudar para São Paulo. Sabia que era o único lugar em que eu poderia ter chances de realizar meu sonho antigo de trabalhar como modelo.

Mas nada foi fácil. Chegando na capital paulista, fui viver no local de atendimento de uma cafetina. Sofri todo tipo de violência nesse período, incluindo tentativas de estupro. Quando cheguei ao meu limite, fui morar em albergue. Mas o ambiente era extremamente hostil com pessoas transexuais. Em pouco tempo, tive que me mudar novamente, desta vez para um albergue um pouco mais acolhedor. Continuei com os programas, mas nunca desisti de desfilar".

Com a oportunidade, o crescimento

"Ao longo dos meses, fui criando uma rede de contatos em São Paulo e finalmente consegui meus primeiros trabalhos como modelo. Foram exatamente nove meses na prostituição, até conseguir sair dela e não ter a pretensão de voltar. A cada novo desfile, performance ou ensaio que era chamada para fazer, estruturava minha vida o suficiente para não precisar recorrer aos programas.

Hoje, além desta ocupação, sou também registrada como analista de atendimento em uma plataforma de empreendedorismo. Só consegui a vaga porque uma amiga travesti chegou ao cargo de chefia e me indicou. Essa ajuda foi extremamente importante, já que durante a quarentena meus trabalhos no mundo da moda se tornaram escassos.

Mesmo conseguindo exercer a profissão que sempre desejei, ainda tenho muitos sonhos. Quero desfilar para marcas grandes, fora do país e ser reconhecida como uma referência para outras travestis, em especial as pretas. Quero que elas saibam que ainda temos um longo caminho pela frente, mas que é sim possível sonhar e alcançar uma vida fora das esquinas e das ruas. Hoje minha mãe está recuperada, temos uma relação melhor e sinto orgulho de toda a minha trajetória"