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Arquiteta que dormia em aeroporto para poupar fatura milhões na construção

Bárbara Kemp - Arquivo Pessoal
Bárbara Kemp Imagem: Arquivo Pessoal

Renata Turbiani

Colaboração para Universa

07/10/2020 04h00

A relação com a construção civil sempre fez parte da vida da empresária Bárbara Emília Kemp Dugaich Auto, de 43 anos. Na infância, ela gostava de acompanhar o trabalho de um tio, dono de imobiliária, nas obras que ele precisava fazer nos imóveis que gerenciava. Assim, suas escolhas naturais de ensino foram pelos cursos Técnico em Edificações, no colegial, e Arquitetura e Urbanismo, na faculdade.

Aos 16 anos, já começou a trabalhar na área, primeiro como estagiária em uma unidade de planejamento e engenharia que pertencia ao Banco Itaú e, depois, como projetista no departamento de Engenharia do antigo Banco Real. "Ali eu percebi que não tinha o perfil necessário para ser funcionária de grandes instituições financeiras, mas antes de sair aproveitei para aprender tudo o que podia", conta.

Em 2006, conseguiu fazer um acordo para se desligar da empresa, e usou a rescisão —cerca de R$ 17 mil— para abrir o próprio negócio, inicialmente como prestadora de serviços para bancos. Assim surgiu a Kemp Oficina de Projetos e Gerenciamento de Obras, que, hoje, ela comanda ao lado do marido Rogério Moraes. O ponto de partida foi em Fortaleza, no Ceará, local escolhido porque seu cliente número um, justamente o Banco Real, estava promovendo a expansão.

"Ficamos três anos e meio no Nordeste e o começo foi bem difícil. Passamos por vários perrengues, como ter de dormir em aeroportos e rodoviárias para economizar dinheiro. Aos poucos, conquistamos novos clientes, até porque fomos fazer o que ninguém queria, que eram trabalhos de adequação de acessibilidade e pequenas reformas", relata.

Cansada de viver na "ponte-aérea" Fortaleza - São Paulo, em 2009, decidiu ficar de vez na capital paulista. A partir daí, a empresa decolou, chegando a ter 200 funcionários e a faturar R$ 58 milhões em 2013. No ano seguinte, no entanto, o cenário mudou. Ao mesmo tempo em que tomou a decisão de não renovar um contrato que não estava compensando financeiramente, Bárbara teve de lidar com a crise que se instalou no Brasil e resultou na suspensão da maioria dos seus projetos.

"Naquela época, tínhamos quatro clientes e um deles era responsável por mais de 90% do nosso faturamento. Com o dinheiro parando de entrar, foi preciso reestruturar todo o negócio. Renegociamos com fornecedores e reduzimos drasticamente os custos e a equipe, ficando com apenas 36 pessoas", recorda.

Enquanto via a situação se complicando cada vez mais —em 2016, a receita baixou para R$ 3,9 milhões—, a arquiteta optou por expandir a área comercial para abrir novos mercados, sobretudo no varejo, e, segundo ela, apesar do alto investimento que teve de fazer, foi isso o que ajudou na retomada.

"O ponto de partida foi a participação na Latam Retail Show, a maior feira de varejo, franquias, e-commerce, food service e shopping centers da América Latina. Montamos um estande de 50 m², todo laranja, bem chamativo, e localizado em uma área de muito movimento. O valor foi alto, mas valeu a pena. Tivemos um ótimo retorno. Além disso, acredito que conseguimos nos manter vivos porque nunca fomos uma empresa endividada e sempre guardamos dinheiro. Passamos por um momento bem duro, mas que acabou nos ensinando muitas coisas, e a primeira foi não concentrar mais do que 15% em um único cliente. No final, acredito que saímos fortalecidos disso tudo", complementa.

Recuperação e nova queda

A recuperação da Kemp Oficina de Projetos e Gerenciamento de Obras começou a se consolidar em 2017, quando faturou R$ 6 milhões. Dali para a frente, Bárbara decidiu investir em tecnologia, com a aquisição de novos equipamentos, como o Laser Scan 3D e o óculos de realidade aumentada HoloLens, e a implementação da metodologia BIM (Building Information Modeling), que ajudam a mitigar falhas, melhorar a qualidade do serviço oferecido e a experiência do cliente e reduzir custos.

Outra inovação foi o desenvolvimento de uma plataforma própria de gestão de engenharia, batizada de Workemp, cujo objetivo é permitir que os clientes acompanhem todas as etapas da obra. Inicialmente, ela seria apenas interna, mas o mercado mostrou interesse no produto e a arquiteta vislumbrou aí outra fonte de receita.

Com todas as novidades, a empresa fechou 2019 com R$ 14 milhões de faturamento, 150 funcionários e 36 clientes ativos, de 16 segmentos diferentes - na lista estão Lojas Americanas, Leroy Merlin, Itaú, Santander, Nike, Carrefour, Drogaria São Paulo, Claro, Tim, Vivo, O Boticário, Pernambucanas, Renner, Kitchen Central, Shell Select, Oxxio, Dasa e Tok&Stok.

Para 2020, as perspectivas eram as melhores, mas a situação mudou novamente em abril por conta da pandemia do novo coronavírus. O grande desafio desta vez, segundo a empresária, foi atuar no home office. "Quando a prefeitura de São Paulo anunciou o fechamento dos escritórios, tivemos dois dias para estruturar tudo na casa dos funcionários. No fim das contas, deu tudo tão certo que, inclusive, estamos pensando em manter assim de forma permanente."

De acordo com Bárbara, diferentemente do que aconteceu na crise anterior, dessa vez a maioria dos seus projetos não foi paralisada. Ainda assim, a projeção de faturamento teve de ser revista —ela esperava um robusto crescimento em relação a 2019, mas deverá fechar o ano em R$ 7 milhões.

"Fizemos alguns ajustes, para ter fôlego para enfrentar esse período, e aproveitamos para rever processos, estratégias e planejamentos e investir em novas ferramentas, como de comunicação. Também conseguimos fechar novos clientes, com valores mais baixos, mas acreditamos, que pelo bom trabalho que executamos, conseguiremos fidelizá-los e, em uma futura renegociação, melhorar os ganhos."

Mesmo com tantos percalços no caminho, a sócia-fundadora da Kemp Oficina de Projetos e Gerenciamento de Obras garante que nunca pensou em desistir: "Acredito muito no meu negócio e amo o que faço. Para empreender, ainda mais na área da construção civil, que é cíclica, é preciso persistência. Não dá para desistir no primeiro ou no segundo tombo, mesmo porque sempre surgirão novos problemas e desafios".