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Jovem morre após cirurgia plástica e acende debate sobre pressão estética

Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Mariana Toledo

De Universa

17/09/2020 15h02

No último sábado, 12, a cabeleireira Edisa de Jesus Soloni, 20, faleceu após realizar três procedimentos estéticos - lipoescultura, glúteo e lipopapada - em uma clínica de cirurgia plástica em Belo Horizonte (MG). As cirurgias foram feitas na sexta, 11, e no dia seguinte o quadro dela piorou bastante. Encaminhada às pressas para um hospital (os procedimentos foram realizados em uma clínica), ela acabou não resistindo. No atestado de óbito, a causa da morte foi embolia pulmonar. A família da vítima acusa a clínica responsável pelas cirurgias de negligência e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

O episódio traz à tona o debate sobre os riscos envolvidos nos procedimentos estéticos e a real necessidade de fazê-los. Na manhã desta quinta, 17, o programa "Encontro com Fátima" (Globo) recebeu a cantora Marília Mendonça, que já fez uma abdominoplastia, procedimento cirúrgico estético para remover gordura e pele em excesso do abdômen, para comentar o assunto. "Eu sempre sofri uma pressão externa muito grande. Falavam sobre minha voz, meu estilo musical, minhas roupas, meu corpo. Mas não quis ceder. Quando resolvi emagrecer, foi de maneira saudável, mudando a alimentação. Depois, fiz a cirurgia só para retirar o excesso de pele mesmo. Mas para tomar uma decisão como essa, você precisa estar seguro e pensar na saúde".

Marília ainda afirmou que não faz propaganda de produtos como emagrecedores, por exemplo, porque acredita que qualquer mudança corporal tenha que ser pelo caminho "da saúde", como ela define.

Quem também repercutiu o assunto foi a influenciadora e fundadora do Movimento Corpo Livre Alexandra Gurgel. Xanda, que hoje é totalmente bem resolvida com seu corpo e compartilha dicas de aceitação e amor-próprio em suas redes sociais, já se submeteu a um procedimento de lipoescultura há oito anos, quando não gostava da sua aparência. A cirurgia deixou marcas em Alexandra até hoje, como fibroses - formação ou desenvolvimento de tecido conjuntivo num local como parte de um processo de cicatrização, como uma espécie de "cicatriz interna" - espalhadas por todo o corpo.

Em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram, a comunicadora conta que as fibroses doem como se fossem pedras e que deixaram sua barriga dividida em duas, além da cintura diferente de cada lado. "A busca pelo corpo perfeito transformou meu corpo pra sempre. Aprendi que a escolha que eu faço para o meu corpo tem que ser por mim, por uma vontade genuína, e não pelo outro. Isso é autocuidado, isso é auto amor", desabafa no post.

No vídeo, Alexandra ainda dá destaque a um dado importante: o Brasil é líder no ranking de cirurgias plásticas no mundo. Em 2019, as mais buscadas foram aumento de mamas (15,6%), lipoaspiração (14,6%) e cirurgia das pálpebras (12,5%), de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

O médico psiquiatra Eduardo Aratangy, supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e um dos organizadores do livro "Como lidar com os transtornos alimentares", explica que a busca por beleza é universal entre os humanos mas que, no contexto atual, ela foi impulsionada por fatores como as redes sociais - nesse ambiente, a beleza é associada a ser bem quisto e aceito. "O que vemos atualmente é uma dificuldade enorme de envelhecer. As pessoas lutam contra os processos biológicos normais e, nesse sentido, existe um excesso", afirma.

Aratangy defende que essa busca por beleza não é tola e nem deve ser criticada, mas que precisa ser feita com sabedoria. "Nesses tempos em que procedimentos milagrosos parecem tão atraentes, é necessário reforçar o que sempre valeu na medicina: buscar profissionais competentes. Não dá para encontrar o médico certo pela internet. Precisa ter indicações e checar seus títulos, se são reconhecidos pelas sociedades da medicina. Recebo no consultório pacientes que passaram por médicos que encontraram no Instagram e me assusto com o que vejo, entre fórmulas malucas e receitas de medicamentos que interagem mal entre si", conta.

O profissional ainda pontua que os bons cirurgiões são capacitados para entender quais são as motivações por trás daquela busca por procedimentos estéticos e são ainda responsáveis por alinhar suas expectativas e alertar sobre os riscos envolvidos, que não podem ser negligenciados.

Problema maior entre os jovens

Segundo a SBPC, houve um aumento de 141% de cirurgias plásticas entre os jovens de 13 a 18 anos no país. A professora Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, traz outro dado relevante, que é a incidência maior dos transtornos alimentares, que também têm ligação com essa busca pela aparência ideal, entre mulheres de 15 a 25 anos. Para ela, isso não se dá à toa, e está diretamente relacionado a uma necessidade de inclusão típica desta faixa etária mais jovem. "Nesse período, estamos com a imagem corporal em formação. E o corpo é nossa grande representação de quem somos. Só lá pelos 30 anos esse processo se conclui e a pessoa começa a se aceitar e conviver bem com quem é", explica.

Joana observa que, hoje, existe uma falsa premissa de que não podemos conviver com defeito nenhum - e é essa ideia que motiva as buscas por procedimentos estéticos e demais soluções milagrosas: "Estamos dentro de uma cultura de culto ao corpo, com práticas estéticas cada vez mais democráticas e que, por isso banalizam os riscos. Há médicos - que eu, na verdade, chamaria de criminosos - que omitem das pacientes esses riscos". Banalização de risco, para a doutora, é isso: achar que tudo vale a pena só para não termos que conviver com determinado defeito. "O resultado desse comportamento é uma geração absolutamente intolerante, que acha que basta pagar para consertar aquilo que te incomoda. É uma estetização da vida cotidiana", alerta.

Outro ponto que a especialista ressalta é que essas questões ligadas à aparência não são mais coisa de estética apenas: "Muitas pessoas veem os procedimentos e as demais práticas - como pílulas, remédios, aparelhos de ginástica que funcionam sem que você precise fazer nada - como um passaporte para a felicidade. Elas acham que com o corpo novo virá também um bom emprego, festas, namorado, bens de consumo. Isso também é mais presente entre os jovens e para eles não é só um detalhe, e sim o que vai definir a avaliação que os outros farão dele, o caráter, o valor no mercado de trabalho e no amoroso. Então eles lançam mão do que é mais rápido, aparentemente fácil e acessível, como clínicas que prometem resultados milagrosos a preços baixos e oferecem inúmeras opções de parcelamento".

Nesse comportamento que a Joana comentou, surge um outro problema. No pós-operatório - ainda que os procedimentos tenham sido bem-sucedidos e a pessoa se recupere bem - a expectativa é sempre alta, com o paciente acreditando no tal passaporte para a felicidade que a cirurgia conferiu a ele. Aí, se essa mudança de vida completa não vem, gera frustração. "Já ouvi mulheres que acreditavam que a cirurgia iria salvar o casamento", revela a professora.

Por fim, assim como Aratangy, a coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio não condena as práticas de cirurgia plástica de maneira geral. "Acho válido corrigir o que incomoda. Claro que pode trazer benefícios. Mas precisamos dimensioná-los e sempre avaliar as condições psicológicas e as expectativas do paciente", conclui.

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