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Caso Mariana Ferrer: O que acontece após uma denúncia de estupro?

Mariana Ferrer - Reprodução/Instagram
Mariana Ferrer Imagem: Reprodução/Instagram

Luiza Souto

De Unviersa

10/09/2020 16h58

Em 2019, a influenciadora Mariana Ferrer relatou em seu Instagram ter sido dopada e estuprada no beach club Café de la Musique, local onde trabalhava como embaixadora, em Florianópolis. Após seu relato, a Polícia Civil indiciou o empresário André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável. Nesta quarta (9), André foi absolvido por falta de provas. O juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, julgou como improcedentes as denúncias da jovem. Cabe recurso à decisão.

A decisão do magistrado causou comoção nas redes sociais. Muitos questionaram a validade de se fazer boletim de ocorrência e apontaram o desfecho de um caso como esse como um dos motivos pelos quais várias mulheres não denunciam seus abusadores.

Especialistas, no entanto, reforçam a importância de registrar episódios de violência nos órgãos competentes e apontam o caminho para que uma denúncia seja levada adiante.

"É essencial que se faça o boletim de ocorrência, que é o primeiro momento em que as autoridades públicas tomam ciência de que houve um crime para então tomar providências", diz a delegada de polícia Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de SP.

"O fato de a vítima denunciar não fará só com que o agressor responda pelo crime que cometeu como vai impedir que faça novas vítimas ou continue mantendo outras vítimas sob seu domínio", complementa a delegada Maria Luisa Dalla Bernardina Rigolin, de Capivari (SP).

Universa contou com a ajuda de especialistas para mostrar o passo a passo de uma denúncia de violência sexual.

Delegacia ou Ministério Público

A mulher que é vítima de violência sexual pode procurar qualquer delegacia de polícia —ou, mais especificamente, uma delegacia da mulher— para fazer um boletim de ocorrência e registrar ali a agressão.

Não é preciso juntar provas já que seu relato deve ser considerado suficiente para dar início à investigação. A partir de seu depoimento, a polícia determina como coletará as provas, e quais serão reunidas, como equipamentos eletrônicos dos envolvidos.

Dependendo do caso —se acabou de sofrer a agressão, por exemplo—, ela será encaminhada para fazer o chamado exame sexológico no Instituto Médico Legal, onde será verificada a existência de vestígios como sêmen e sangue. Pode-se pedir também uma avaliação psicológica da vítima.

A vítima também pode procurar o Ministério Público Estadual para fazer a denúncia, com a diferença de que esse órgão não fica aberto 24h.

Outra opção é relatar o que aconteceu numa carta e, com a ajuda de um advogado, fazer, por procuração, na delegacia um requerimento de instauração de inquérito. Mas especialistas destacam a importância de a vítima estar presente no primeiro momento para que ela dê o máximo de detalhes possíveis do crime.

Segundo a delegada Maria Luisa, um único depoimento da mulher basta. "A gente evita que ela seja chamada mais de uma vez, seja na fase de inquérito, seja na judicial, para não revitimizá-la."

Os crimes sexuais atualmente têm prazo de prescrição de 20 anos. Mas, para os casos ocorridos a partir de 2012, se o fato aconteceu quando a vítima era menor de idade, esse tempo é contado a partir dos seus 18 anos. Ou seja: mesmo que tenha sido estuprada aos 14 anos, pode procurar a polícia até os 38. A lei que estabelece o prazo de prescrição de abuso sexual foi criada após a nadadora Joanna Maranhão denunciar abuso que sofreu na infância.

Decisão pode levar meses ou anos

Após a denúncia, a polícia tem até 30 dias, podendo ser prorrogados, para concluir o inquérito, com as provas colhidas e depoimento dos envolvidos e, assim, enviar seu parecer para o Ministério Público Estadual ou arquivá-lo.

Os inquéritos que chegam ao Ministério Público são analisados e a partir daí, o órgão decide se arquiva ou propõe uma ação na Justiça. O órgão tem o prazo de 15 dias para fazer isso se o réu estiver solto, e de cinco dias, se estiver preso. E chegando nas mãos do juiz, o magistrado tem prazos de cinco ou de dez dias, para sua decisão final.

Apesar dos prazos estabelecidos, dependendo da complexidade do caso, o processo pode durar muito mais, como meses —como no caso de Mariana Ferrer— ou até anos, caso haja necessidade de coletar mais provas ou depoimentos. Além disso, as partes podem entrar com recursos e apelações.

"Dependendo do crime e das circunstâncias, esses prazos são sempre prorrogáveis, ainda mais em casos de crimes hediondos, como estupro", explica Raquel.

"Na delegacia, [o trâmite] costuma ser mais rápido, em um mês mesmo, porque no inquérito não tem defesa atuando. Quando vai para a Justiça, surge a parte do contraditório e da ampla defesa", diz Maria Luisa.

Para toda sentença cabe recurso de apelação, mas este deve ser feito a partir dos depoimentos e provas já apresentados. As partes não podem, por exemplo, apresentar novas provas.

Em caso de dúvida, a mulher pode ligar para o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).

*Fontes: delegada de polícia Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de SP, delegada de polícia Maria Luisa Dalla Bernardina Rigolin, de Capivari/SP, promotora do MPSP Celeste dos Santos, idealizadora do Projeto Avarc [Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos], e juíza Mônica Maciel Soares Fonseca, titular da 1ª Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes.