Topo

"Tudo bem ser maior do que ele": mulheres rebatem a gordofobia nas relações

Mary e o namorado, Matheus - Acervo pessoal
Mary e o namorado, Matheus Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

03/09/2020 04h00

Em meados de julho, a modelo Bia Gremion usou as redes sociais para discutir um assunto que gerou reações raivosas: como a gordofobia impacta nos relacionamentos. "Tudo bem ser maior que o seu parceiro!", ela escreveu na legenda de uma foto na qual aparece abraçada ao namorado, Lorenzo Magnaboschi. "Nós, pessoas gordas, precisamos sempre diminuir, emagrecer e disfarçar nosso tamanho e nossas características gordas para caber em sociedade — e nos relacionamentos não é diferente", disse.

"Não existe número na fita métrica para dizer se alguém é 'namorável' ou 'inamoravel' (...) Tem muita coisa machista e heteronormativa nisso de esperar que a mulher seja menor, pequena, frágil e extremamente magra", completou. Por um momento, a campanha iniciada por Bia ficou em segundo plano pois, após a repercussão do post, o comediante Léo Lins se apropriou da imagem para fazer piada. A modelo anunciou que processará o humorista pelo comentário, que foi considerado gordofóbico por ela e por parte do público.

Passada essa polêmica, Universa se volta novamente para a ideia da campanha criada por Bia: a gordofobia nos relacionamentos. Nas relações afetivas, esse tipo de preconceito tem impactos específicos. "Em geral, os casais são afetados pela gordofobia que vem de fora. Eles tendem a ser bastante observados ou questionados, com aquele ar de 'O que você viu nela?', como se a mulher precisasse ser muito melhor nos demais aspectos da vida, para superar ou compensar o tamanho do próprio corpo", aponta a psicóloga Vanessa Tomasini.

Mas é possível, sim, driblar o preconceito e aproveitar o relacionamento da forma como ele merece ser vivido. A seguir, duas mulheres contam como lidaram com estas situações:

"Brigávamos por insegurança"

"Eu eu o Matheus nos conhecemos no ensino médio, mas na época éramos apenas amigos, pois ambos namorávamos outras pessoas. Quando terminamos o colégio, perdemos o contato e só retomamos três anos depois. Ele pediu para me adicionar no Facebook e eu aceitei. A partir de então nós, que estávamos solteiros, começamos a nos falar todos os dias e a sair. No começo não queríamos admitir que estávamos apaixonados, mas acabou que ele me pediu em namoro e quatro meses depois decidimos morar juntos, na casa dos pais dele. Na virada do ano de 2018 para 2019, fui pedida em casamento e aceitei. Hoje, após quatro anos de relacionamento, estamos noivos, moramos em um apartamento, adotamos um gato e somos muito felizes.

Mary e o namorado, Matheus, que foi quem a incentivou a seguir como modelo. - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Mary e o namorado, Matheus, que foi quem a incentivou a seguir como modelo.
Imagem: Acervo pessoal

Principalmente no início da relação, minhas inseguranças foram motivos de desentendimentos. Mesmo o Matheus demonstrando que me considera maravilhosa e me apoiando sempre, existiu uma fase em que eu me cobrava muito e tinha uma paranoia de que jamais seria capaz de fazer alguém feliz enquanto não fosse magra. Eu entrava em ciclo de pensamentos ruins e não conseguia sair dali. Alguns comentários de pessoas conhecidas contribuíam para que eu pensasse assim.

Quando percebi que nossa relação estava ficando desgastada por causa disso, resolvi mudar a maneira como me enxergava. Entrei em uma jornada profunda de conexão com o meu corpo, e finalmente consegui me enxergar da maneira como ele sempre me viu, com muito mais amor por quem eu sou. Esse processo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, tanto para mim, quanto para o nosso relacionamento. Hoje me sinto suficiente e trabalho como modelo plus size. Ou seja: me gostei a ponto de me mostrar para todo mundo. Ele continua sendo meu maior incentivador." Maryane Cristina (@marycriistina), 22 anos, modelo

"E se ele te trocar por uma magra?"

"Eu e o Gabriel temos a mesma idade e estamos juntos desde os 15 anos. Nos conhecemos na escola, nos tonamos melhores amigos e engatamos o namoro. Por termos iniciado a relação tão cedo, desenvolvemos o hábito de dialogar constantemente para que evoluíssemos simultaneamente. Costumo brincar que nosso namoro é um conto de fadas, porque damos risada, nos amamos, somos felizes. Não tenho do que reclamar. No entanto, percebo que, para a sociedade, é chocante que uma mulher gorda possa estar satisfeita amorosamente e vivendo um relacionamento saudável. O nome disso é gordofobia: as pessoas acham que só poderemos desenvolver uma vida 'normal' depois de perder peso.

Larissa e o namorado, Gabriel, estão juntos há sete anos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Larissa e o namorado, Gabriel, estão juntos há sete anos
Imagem: Acervo Pessoal

Infelizmente, já passamos por muitas situações constrangedoras no nosso namoro, todas elas provocadas por pessoas de fora. No aniversário de um ano do nosso compromisso, o Gabriel postou um vídeo com fotos minhas no YouTube e precisou ocultar os comentários, para que eu não percebesse que estava sendo xingada. Essa não foi a primeira vez que algo do tipo aconteceu: eu já tive uma foto exposta e fui alvo de humilhações no ambiente virtual.

Fora das redes, não estamos blindados. Durante uma fase da vida o Gabriel emagreceu bastante e o contraste entre nossos corpos aumentou. Percebemos o jeito como algumas pessoas nos olhavam, julgando. As mais maldosas chegam a rir, apontar ou fazer algum tipo de comentário. Ouvi uma vez que ele era um guerreiro por estar comigo.

Bem no começo do namoro, me sentia mais vulnerável. Hoje, depois de passar por um processo de descobrimento de mim mesma, de constatar que tenho saúde e força de vontade para realizar meus sonhos, me magoo bem menos com esse tipo de situação. Inseguranças existem, como em todo relacionamento. Mas se alguém me perguntasse: 'Você não tem medo de ser trocada por uma mulher magra?' eu responderia que não. Se ele, de fato, encerrasse a relação e iniciasse uma nova, não seria o formato do corpo o fator decisivo para o rompimento. A diversidade faz parte do viver e quem não aprendeu isso ainda é que está errado." Larissa Adorno (@atalgorda), 22 anos, estudante de história