Topo

Hillary Clinton: líderes como Bolsonaro ganham quando mulheres perdem

Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA e candidata à presidência pelo Partido Democrata em 2016: "Senti a força total da misoginia" - David Gannon/AFP
Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA e candidata à presidência pelo Partido Democrata em 2016: "Senti a força total da misoginia" Imagem: David Gannon/AFP

De Universa, em São Paulo

02/09/2020 15h35

A ex-senadora norte-americana Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA na gestão Obama (2009-2013) e candidata à Presidência nas últimas eleições em seu país, defende que os direitos das mulheres nada representam se não houver meios para exercê-los. E que líderes como Jair Bolsonaro (sem partido) ganham quando as mulheres perdem seus direitos.

Em artigo publicado no site The Atlantic intitulado "Escassez de Poder", a democrata resume o que acha importante na condução de políticas públicas para a emancipação feminina: "Relegar saúde, educação e participação econômica das mulheres às margens da política externa e interna é prejudicial não apenas para as mulheres, mas para nações inteiras".

Hillary relembra um discurso feito por ela em 1995, na China, na 4ª Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres, quando ela era a primeira-dama dos EUA:

"Acima de tudo, eu queria argumentar que não era mais aceitável falar sobre direitos humanos e direitos das mulheres como tópicos separados. Eles eram o mesmo, e eu estava determinada a fazer as pessoas ouvirem isso."

Hoje, 25 anos depois, ela acredita que as mulheres estão melhores quanto aos seus direitos, "mas o trabalho não está nem perto de estar pronto".

"O que ficou claro é que simplesmente abraçar o conceito de direitos das mulheres, sem falar em consagrar esses direitos nas leis e constituições, não é o mesmo que alcançar a igualdade total. Os direitos são importantes, mas não são nada sem o poder de reivindicá-los", ela defende. "É sobre poder: quem tem, quem não tem e como enfrentamos esse desequilíbrio".

"Líderes como Bolsonaro ganham com a perda de direitos das mulheres"

A ex-senadora afirma que "a vontade de diminuir os direitos das mulheres está entrelaçada com a busca por poder político" de líderes pelo mundo como o presidente Jair Bolsonaro e ainda Donald Trump (EUA), Vladimir Putin (Rússia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Viktor Orbán (Hungria) e Recep Tayyip Erdogan (Turquia).

"Nos últimos 25 anos, vimos que, quando mulheres e meninas participam da democracia, os benefícios se propagam por toda a sociedade. As mulheres líderes têm maior probabilidade de aumentar os orçamentos para cuidados de saúde e educação, e a liderança feminina contribui para maior cooperação, igualdade e estabilidade. Muitos dos países com as respostas mais eficazes à pandemia são liderados por mulheres: Jacinda Ardern, na Nova Zelândia, Angela Merkel, na Alemanha, Sanna Marin, na Finlândia, e Tsai Ing-wen, em Taiwan", ela pontua.

Hillary conta que sentiu a "força total da misoginia" quando concorreu à Presidência dos EUA e enaltece o que representa hoje ter a senadora democrata Kamala Harris disputando a vice-presidência.

"Todos nós temos imagens em nossas cabeças da aparência de um líder e de como é sua voz. Essa imagem é branca e masculina há séculos, e mudá-la exigirá um esforço deliberado. Nesse aspecto, é impossível exagerar a importância de ter Kamala Harris, uma mulher negra e filha de imigrantes, na chapa presidencial."

Coronavírus e uma "nova ordem mundial"

A democrata ressalta que a pandemia de covid-19 impacta as mulheres muito mais que os homens, especialmente em seus postos de trabalho e em suas finanças, e que, por mais que a internet tenha ajudado na organização feminista, ela também abre espaços para misóginos espalharem desinformação e críticas machistas.

"Mesmo em meio a toda essa turbulência, ainda acredito que promover os direitos, as oportunidades e a plena participação de mulheres e meninas é o grande negócio inacabado do século 21. Concluir esse trabalho é a coisa certa e moral a se fazer e também é um imperativo estratégico urgente. Precisamos de um compromisso global com a mudança de leis e políticas e com a transformação de normas culturais centenárias em torno dos papéis e valores das mulheres."

"É uma frase dolorosa de escrever, mas aqui está algo que me dá esperança: 25 anos atrás, falando em Pequim como primeira-dama, pensei ter atingido o pico de poder e influência que estaria disponível para mim. Eu estava determinada a usá-lo para levantar as preocupações e direitos das mulheres. Mesmo assim, minha jornada estava longe de terminar e eu teria a chance de levar essas preocupações aos mais altos escalões do governo e da política", ela escreve.

"O que pensamos ser um pico pode acabar sendo um patamar frustrante. Mas isso também pode ser uma estação intermediária em uma escalada mais alta. É nisso que penso quando vejo mulheres jovens em todo o mundo que não têm paciência para mudanças graduais e nenhuma intenção de desacelerar. Elas acreditam que uma nova ordem mundial não é apenas possível, mas necessária e urgente, e estão absolutamente certas."