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Estresse e violência doméstica aumentam consumo de álcool por mulheres

Consumo de bebida alcoólica aumenta entre mulheres - Getty Images
Consumo de bebida alcoólica aumenta entre mulheres Imagem: Getty Images

Luiza Souto

De Universa

21/08/2020 04h00

O consumo abusivo de álcool entre as mulheres só cresce. Pelo menos desde 2006, quando o Ministério da Saúde passou a coletar dados para o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas.

Naquele primeiro ano de análise, levantamento feito por telefone em todo o país mostrou que, na população adulta, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas era bem mais frequente em homens (16,1%) do que em mulheres (8,1%). Em 2010, esse número de mulheres já era de 10,6%. Na nova pesquisa, feita em 2019 e divulgada em maio último, mostra a taxa em 13,3%. O consumo abusivo entre homens segue mais alto, mas caiu levemente entre 2010 (26,8%) e 2020 (25,3%). O consumo abusivo é maior entre as mulheres mais jovens (23% na faixa de 18 a 24 anos). O estresse no trabalho e a jornada dupla podem ser fatores desencadeantes para o uso da bebida, indica a pesquisa.

"E o divórcio também", acrescenta a professora de ciências Elaine, de 39 anos, ao ouvir os dados. Por causa da bebida, neste ano, a moradora de São Paulo foi internada com problemas nos rins e fígado.

"Não é mais feio mulher em bar"

Elaine, que pediu para ter a identidade preservada, bebe socialmente desde a adolescência, com o consentimento dos pais, nas festas da família. Já adulta, quando queria desestressar, marcava com as amigas em um bar.

"E, depois do bar, você toma mais uma em casa e vai dormir, sem precisar de antidepressivo", diz. "A bebida é muito permissiva. Quando você está com um cigarro na mão, te olham estranho. Mas, se aparece com bebida, te acham divertida. Hoje não é mais feio a mulher ser encontrada num bar."

Mãe de três filhos, de 7, 15 e 18 anos, ela diz que o fim do casamento, há um ano, deu-se pelo alto consumo de bebida. "Eu falei para ele: 'A bebida me faz mais feliz que você'". Logo depois, o pai de Elaine morreu, e as doses só aumentaram. Eram cerca de 18 latas de cerveja por dia. Misturadas a bebidas destiladas como caipirinha. No fim do ano, "deu PT", abreviação para "perda total" e gíria usada quando a pessoa bebe a ponto de perder os sentidos.

"Em cinco dias, gastei R$ 3.000 em bebida. Acordava, bebia, 'dava PT' e continuava depois."

Em julho deste ano, parou no hospital após fortes dores e recebeu o diagnóstico de hepatomegalia, aumento anormal do tamanho do fígado, e nefrolitíase (cálculo renal). O consumo abusivo de álcool pode provocar lesões no fígado e nos rins.

Foi uma amiga de Elaine que, sabendo de seu diagnóstico —e de seu histórico— a aconselhou a procurar terapia. Ela acatou a sugestão e está alternando as sessões com a meditação. Diz que já conseguiu diminuir a bebida, e hoje evita passar em bares.

"Quando você dá entrada no hospital e vê que a brincadeira está levando a sua saúde, leva um choque de realidade", diz.

Violência contra a mulher também aumenta alcoolismo

Mulheres que vivem um relacionamento abusivo também têm buscado mais a bebida alcoólica para amenizar o sofrimento, explica o psiquiatra Thiago Fidalgo, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Os casos têm se tornado tão frequentes que o núcleo criou um grupo específico de atendimento só para as mulheres com dependência.

"Muitas vezes, elas não percebem que estão numa relação abusiva, então nós as orientamos também sobre as formas de denúncia e onde elas podem procurar ajuda", explica. "Vários estudos confirmam que grupos específicos para mulheres aumentam a taxa de sucesso de tratamento. É neles que temas como a violência e questões de sexualidade aparecem, sem o desconforto de falar num grupo misto. Ali, podemos nos aprofundar em questões como o sentimento delas, sem tocarmos apenas no assunto de drogas e dependência."

Fidalgo observa ainda que mulheres em cargos de chefia, como executivas, têm também bebido mais numa tentativa de se igualar aos seus pares, na maioria homens.

"Há duas semanas, atendi uma executiva relatando que muitas das reuniões da empresa onde trabalha acontecem em almoços e happy hours, e que todos os participantes, a maioria homens, bebem. Então, o sentimento dela é o de que, para estar inserida nesse mundo corporativo, o álcool tem que fazer parte também", diz.

A psicóloga Camila Ribeiro de Sene, presidente do grupo Alcoólicos Anônimos do Brasil, também relaciona o trabalho com o aumento do abuso de álcool entre elas.

"Houve um aumento de pedidos de ajuda significativo de mulheres. E observamos relatos de mudança da rotina, excesso de trabalho e a questão da aceitação social. A mulher, tentando se colocar em par de igualdade com o homem, pode gerar fatores de risco como esse. Por isso, começamos a oferecer um espaço de compartilhamento só para elas. A gente vê o quanto as mulheres têm sofrido."

Desde o início da pandemia, o Alcoólicos Anônimos manteve as suas reuniões virtuais, por aplicativo de mensagem ou salas de bate-papo. Neste período, Camila indica, a média de novos integrantes triplicou. E, entre os seis pedidos diários de ajuda, quatro são de mulheres.

Como pedir ajuda

O Instituto Nacional de Alcoolismo e Abuso de Álcool (NIAAA), dos Estados Unidos, indica que qualquer pessoa que consuma muito álcool rapidamente pode estar em perigo de uma overdose. Isso ocorre normalmente depois do consumo de quatro doses, para a mulher, ou de cinco doses, para o homem, em cerca de duas horas. A mulher, por ter mais gordura proporcionalmente no corpo do que o homem, absorve mais o álcool. Uma dose de bebida alcoólica equivale a aproximadamente 100 ml de vinho, 30 ml de bebida destilada ou 330 ml de cerveja.

O Alcoólicos Anônimos não faz diagnóstico de alcoolismo. Mas, em seu site, o grupo disponibiliza um questionário para ajudar as pessoas a identificar o hábito de bebida. São 12 perguntas como "Eu bebo muito?". Quando as respostas afirmativas passam de quatro, é provável que a pessoa tenha problemas com álcool.

O Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp programa o retorno dos seus grupos presenciais para setembro, mas, enquanto isso, segue atendendo por aplicativo de mensagem (11 99645-8038)..

A advogada catarinense Rita, de 56, está nos AA há 25 anos. Começou a beber na adolescência. Aos 26 anos, já era totalmente dependente do álcool e foi internada pela família numa clínica especializada em alcoolismo.

Ela diz que a recuperação não acontece de um dia para o outro. Mas com a ajuda dos pais e em nome do filho, hoje com 22 anos, prometeu nunca mais beber. Para quem precisa de ajuda, ela orienta a busca por grupos de conversa online.

"O alcoolismo gira o tempo inteiro na cabeça porque você vê as pessoas bebendo, assiste a propagandas. A recuperação vai até o resto da vida porque, no dia a dia, temos que evitar um monte de coisa. Mas hoje entendo que aquilo ali não é para mim."