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País deve melhorar rede de proteção a crianças, diz especialista do Unicef

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

19/08/2020 11h14Atualizada em 20/08/2020 10h43

A gravidez de uma criança de 10 anos após ser estuprada de forma recorrente por quatro anos reacendeu o debate sobre a necessidade da consolidação de uma rede de proteção social no país para prevenir e denunciar crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Em entrevista a Universa, a especialista em proteção do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil, Luiza Teixeira, afirma que o Brasil não possui uma rede de proteção eficiente e que a sociedade não é informada sobre como prevenir casos de abuso sexual infantil e como denunciar casos.

Ela sugere, inclusive, que se oriente crianças sobre como se proteger. "Precisamos enxergar as crianças e adolescentes de forma mais atenta para identificar se elas estão sendo vítimas de violência, e também as envolver no diálogo ativo para que elas mesmas identifiquem a prática e façam uma autoproteção", diz Luiza. "É muito importante a sociedade entender isso, não só a família, os governos. A sociedade, que é todo mundo, tem o dever de garantir os direitos e proteger crianças contra a violência."

Leia a seguir trechos da entrevista:

UNIVERSA: O Brasil assiste a um episódio bárbaro em que uma criança de 10 anos engravidou vítima de um estupro recorrente. Como uma violência como essa ocorre por quatro anos sem que ninguém tente impedir?

LUIZA TEIXEIRA: Falando de prevenção, já existe há muitos anos no Brasil um esforço de falar sobre a violência, mas ele precisa ser continuado e ampliado. A violência contra crianças e adolescentes, principalmente a sexual, ocorre de forma velada, muitas vezes envolvendo alguém próximo, um familiar ou amigo da vítima.

Sabe-se que os números reais desses casos são muito maiores. A violência sexual tem grande subnotificação, tanto por causa da falta de conhecimento sobre como pedir ajuda como pelo processo de normalização do ato ou do medo. Por isso é tão importante que se fale do assunto.

As pessoas entendam que o problema existe, é recorrente e é um crime que tem de ser investigado e tem de ser punido. É preciso falar com as crianças, adolescentes e com a comunidade: se trata de um crime que precisa ser prevenido. Mas elas precisam saber também como pedir ajuda.

Qual seria o papel das escolas nessa rede de proteção? Professores podem identificar a violência?

Todo sistema de garantia de direitos é absolutamente importante, tem de funcionar em rede. E a garantia de direitos deve incluir todas áreas. A educação tem papel fundamental, assim como a área da saúde, da Justiça e da segurança pública. Tudo vem a fortalecer, porque segundo determina o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] é papel de toda a sociedade [proteger as crianças e adolescentes]. Conhecer cada um dos papéis é importante para que essa atuação em rede ocorra com olhar produtivo e acolhedor. As áreas têm de atuar em conjunto para prever e responder.

O Brasil está falhando na oferta dessa rede de proteção?

A gente percebe que a rede de proteção em muitas partes do Brasil está enfraquecida, e a gente precisa do fortalecimento dela. Mas existe também a questão da autoproteção. A gente precisa começar a enxergar as crianças e adolescentes de forma mais atenta, para identificar se elas estão sendo vítimas de violência, e também as envolver no diálogo ativo para elas mesmas identifiquem a prática de violência e possam fazer a autoproteção. É muito importante a sociedade entender isso, não só a família, os governos. A sociedade, que é todo mundo, tem o dever de garantir os direitos e proteger crianças contra a violência.

Se funcionasse, alguém, inclusive de fora da família, poderia dar o alerta?

Sim, a rede seria capaz de perceber [os sinais de abuso]. A questão da rede é essa: identificar os sinais, em que eles estão baseados, quais os mais evidentes. Violência sexual é mais difícil de perceber por meio de sinais físicos, porque é um crime mais prolongado e que pode não deixar vestígios.

Nesse caso em particular, há vários tipos de sinais, como mudança de comportamento sem explicação. Existem vários sinais que, se observados e com diálogo aberto com as crianças e adolescentes, ajudam muito a identificar e também a pedir ajuda.


Esse tipo de violência deixa marcas profundas, que não se encerram com a interrupção da gravidez. Como lidar com esse momento seguinte?

Qualquer tipo de violência pode causar trauma que dura a vida toda, principalmente se for da ordem sexual, afetando a vida social e psicológica. É um tipo de violência muito marcante, e a gente precisa falar sobre o assunto. Isso é, de certa forma, ainda tabu. A sociedade precisa entender que ela acontece, e é um fenômeno multifacetado, é complicado, é complexo, mas tem de ser combatido com informações.

Na nossa sociedade, parece claro que um dos problemas é que a vítima ainda é vista como culpada.

A vítima precisa ser enxergada como tal, precisa ser acolhida e respeitada, e nesse acolhimento não se pode nem responsabilizá-la nem revitimizá-la. A Lei 3.431, de 2017 [que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência] vem justamente para abordar e evitar a revitimização.

Isso é uma coisa a ser enfrentada porque a vítima da violência sexual nunca é culpada. Mas é importante que todos saibam como fazer, qual o papel, como receber de forma acolhedora e ajudar dessa forma para não fazer que a vítima reviva o momento da violência. Ou seja, é preciso fazer o atendimento de forma respeitosa.

No Brasil, há uma histórica dificuldade de se fazer cumprir essas garantias. Esse é um bom momento para debater o tema?

Recentemente o ECA completou 30 anos. Então isso vem mostrar também que conhecer a lei é super importante. No debate, se percebe que não se sabe o que a lei determina. É preciso a conscientização da população. É momento, sim, de olharmos para o problema de forma atenta.

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