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Como advogada que fazia ioga: o que fazer se te filmarem sem autorização

A advogada e professora Mariana Maduro praticando ioga na Lagoa Rodrigo de Freitas - Reprodução/Instagram
A advogada e professora Mariana Maduro praticando ioga na Lagoa Rodrigo de Freitas Imagem: Reprodução/Instagram

Camila Brandalise

De Universa

18/08/2020 04h00

O caso da advogada carioca Mariana Maduro, filmada fazendo ioga, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, e exposta no Instagram pelo empresário Ricardo Roriz, infelizmente não é uma exceção. "Relatos como esse, de mulheres gravadas ou fotografadas sem dar autorização, são mais comuns do que imaginamos", explica a advogada Júlia Nunes Santos, fundadora da Associação Ame para vítimas de violência de gênero e especialista em direitos das mulheres.

Mariana tomou conhecimento de que havia sido gravada depois que o vídeo foi postado por Roriz em sua conta no Instagram, com mais de 300 mil seguidores. Depois, ele apagou o perfil. A advogada procurou a delegacia e fez registro de ocorrência. E a Polícia Civil indiciou o empresário Ricardo Roriz e o ambulante Celso Lins Bastos, que faz comentários machistas com Ricardo no vídeo, por atos como perturbação da tranquilidade, ato obsceno e injúria qualificada.

Mesmo que as imagens não sejam compartilhadas, porém, é possível que a mulher processe a pessoa que a filmou e exija que os vídeos ou as fotos feitos sem sua autorização sejam apagados. Além disso, pode entrar com uma ação por danos morais.

"Fui filmada enquanto tomava banho"

A bacharel em direito Maria*, 35, passou pela situação de ser filmada sem que houvesse divulgação do vídeo. Ela só descobriu que um vizinho estava fazendo imagens dela porque notou que havia alguém atrás de uma janela no banheiro. "Em uma noite, tinha acabado de tomar banho e percebi que havia alguém na janela. Tinha uma película preta bem forte, mas estava com um recorte no canto. Cheguei mais perto para ter certeza que havia alguém me observando e notei um homem correndo", lembra.

"Fui até a portaria e pedi para ver imagens das câmeras de segurança. Identificamos o morador e todo o circuito feito por ele, até chegar ao meu apartamento. Após a visualização das imagens e a informação de qual era o morador, bloco e apartamento, formalizei uma ocorrência no condomínio e fui à delegacia de plantão mais próxima", explica.

Na delegacia, conta, solicitou quebra de sigilo telefônico para colher imagens feitas pelo homem, que deu depoimento após o boletim de ocorrência, teve o celular apreendido, e as imagens, apagadas.

Nesse caso, o delegado entendeu que não foi crime porque não houve compartilhamento de imagem. "De fato, a lei não diz: 'Não pode filmar alguém'. Mas registrar a ocorrência é importante para poder abrir um processo de indenização e juntar o documento com a denúncia formalizada", explica Júlia. A advogada orienta a vítima a procurar o juizado de pequenas causas. "Pode ser mais fácil, porque não precisa contratar advogado. O importante é não deixar de exigir seus direitos."


Compartilhamento de imagem pode levar a pena de até cinco anos de prisão

Caso haja compartilhamento, mesmo que para apenas um contato no Whatsapp, a pessoa que enviou a foto ou o vídeo pode ser investigada pelo crime de injúria, como no caso da advogada carioca, e pode receber pena de um a seis meses de prisão. Se na imagem houver nudez, a punição aumenta para um a cinco anos de prisão. Nessa situação, a orientação é procurar uma delegacia de crimes cibernéticos.

A psicóloga Juliana Cunha, diretora da ONG Safernet, de apoio a vítimas de crimes virtuais, orienta mulheres a tirarem prints de toda a exposição na internet antes de pedir que uma rede social ou que a própria pessoa que compartilhou apague as imagens. "É importante, em primeiro lugar, colher essas provas para fazer a denúncia", afirma. Juliana destaca que a própria Safernet também pode ser um canal de ajuda, uma vez que dispõe de um formulário para que a vítima preencha e solicite algum tipo de serviço, seja ele psicológico ou jurídico. A assistência é gratuita.


"Homens ainda pensam que corpos femininos são públicos"

Juliana diz que nota, nos pedidos de ajuda enviados por vítimas, muito medo e vergonha de seguir com a denúncia. "Como se a culpa fosse da própria mulher", afirma. "Eu sempre digo a elas que nossa cultura vai sexualizar seus corpos até não poder mais. O impacto psicológico vai ficar marcado nelas, que vão achar que precisam evitar fazer algo ou ter certo tipo de conduta para que isso não ocorra de novo. É uma violência silenciosa que reverbera inclusive em pessoas que não passaram por isso, mas que, vendo os casos, têm medo de passar."

A advogada criminalista e especialista em violência de gênero Andressa Cardoso rebate o argumento de que filmagens ou fotos podem ser apenas uma "brincadeira", como disse o empresário que filmou Mariana no Rio de Janeiro. "Não é uma brincadeira. É uma violência. Homens precisam entender que os corpos femininos não são públicos e que não podem destiná-los aos fins que bem entenderem."

* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.