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'É um processo longo e sofrido', diz mulher que denunciou líder espiritual

Líder espiritual Jair Tércio Cunha Costa é investigado por abuso sexual a 14 mulheres - Reprodução/CNT
Líder espiritual Jair Tércio Cunha Costa é investigado por abuso sexual a 14 mulheres Imagem: Reprodução/CNT

Juliana Almirante

Colaboração para o UOL, em Salvador

03/08/2020 20h48Atualizada em 04/08/2020 08h22

Primeira mulher a denunciar o líder espiritual Jair Tércio Cunha Costa, ex-grão-mestre de uma loja maçônica, Tatiana de Amorim Badaró afirmou que o processo para denunciar os supostos abusos sexuais e psicológicos que sofreu de 2002 a 2014 foi longo e bem sofrido.

Ao menos 14 casos de abusos sexuais e psicológicos contra o líder espiritual são investigados pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Jair desenvolve uma doutrina pedagógica que é estudada em retiros espirituais. Ele nega as acusações. Em nota enviada por meio da assessoria de imprensa, a GLEB (Grande Loja Maçônica do Estado da Bahia) informou que, "tão logo que tomou conhecimento dos fatos referentes ao Maçom envolvido no mês de julho do corrente ano, adotou internamente as medidas necessárias e ele está respondendo a uma sindicância, tendo sido cautelarmente afastado das atividades regulares na maçonaria, com seus direitos maçônicos suspensos".

Como começaram os abusos

Tatiana diz que os abusos sexuais começaram quando ela foi à casa de Jair para auxiliá-lo com as palestras que ele concedia.

"É um processo bem longo e bem sofrido porque, a princípio, eu achava que eu estava errada e me sentia culpada pelo meu desconforto. Ele dizia que aquilo era sagrado e não tinha nada de material naquilo e usava esse argumento para não usar preservativo. Ele dizia que o meu desconforto era porque eu não tinha evolução espiritual o suficiente para compreender os planos divinos e entender a forma que a espiritualidade opera", afirma.

No entanto, Tatiana diz que o incômodo crescia e que acabou encontrando mensagens no celular de Jair com outras mulheres que supostamente apontavam para os mesmos tipos de abusos.

"Em um desses momentos, eu vi o celular dele e, pelo teor das mensagens, ele enviava mensagens para muitas mulheres, meninas menores de idade e outras mulheres. Ele dizia que estava 'pesado' e que tinha que esvaziar. 'Preciso me esvaziar e só posso fazer isso com você'. Quando vi esse padrão, vi que não estava questionando um Deus e que estava diante de um criminoso. Foi aí que eu rompi completamente com ele", afirma.

Tatiana explica que tenta fazer denúncias em delegacias desde 2015, mas não conseguiu que a apuração fosse adiante.

"Fui em uma delegacia em Salvador duas vezes e diziam que eu não tinha prova suficiente e que era para me proteger. Quando fui na Delegacia da Mulher, em Florianópolis, disseram que teria que ir em Salvador", relata.

Segundo Tatiana, Jair exerceu a função de Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica da Bahia por oito anos. Quando a instituição teve conhecimento da denúncia, ele já não ocupava mais essa função. A maçonaria entrou em contato com ela, afastou Jair das atividades e abriu uma apuração interna sobre o caso

"Quando eu pedi para tirarem meu nome do site da faculdade, eu recebia muitas mensagens de que a espiritualidade ia me cobrar por isso. As pessoas me diziam que eu estava na lama", diz.

Até que Tatiana conseguiu apoio junto à promotora de São Paulo Gabriela Manssur, da rede de apoio à violência contra mulher "Justiceiras". Foi quando o caso foi levado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que por sua vez levou a acusação para investigação pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Ela considera que a repercussão do caso do médium João de Deus a encorajou para seguir a denúncia.

"Com certeza abriu caminho para que isso seja visto com mais seriedade. Que bom que isso está melhorando. Infelizmente o caso João de Deus colocou luz numa realidade infeliz", declarou.

A promotoria não deu mais detalhes sobre o caso porque o processo está em segredo de Justiça para preservação dos depoimentos de novas vítimas que podem vir a surgir. O MP-BA só deve se manifestar quando o processo for concluído.

Defesa de líder nega abuso

Em nota, o advogado de Jair, Fabiano Pimentel, afirmou que "os fatos narrados não condizem com a conduta de Jair Tércio Cunha Costa, que afirma jamais ter agido com violência física ou psicológica com qualquer pessoa, muito menos em contexto sexual".

"Todas as relações que teve, em toda a sua vida, foram consentidas e marcadas por carinho e afeto. Apesar de sua trajetória no campo dos estudos da espiritualidade e de ser autor de diversas obras literárias, fatores que o alçaram a autoridade na matéria, o Sr. Jair Tércio nunca se valeu de sua posição para lograr vantagens espúrias, principalmente em âmbito sexual", explicou o advogado.

De acordo com Fabiano, o líder espiritual não foi intimado a comparecer a nenhum interrogatório, mas já se colocou à disposição das autoridades para esclarecimentos.

"Pessoas que convivem com ele e o conhecem de perto atestam que ele não usaria de nenhuma forma de violência ou ardil para obter qualquer tipo de benefício sexual, e que sua vida é pautada na divulgação e propagação do bem e do autoconhecimento, sendo isso incompatível com o teor das acusações", afirmou.

Relações com menores

Além das denúncias de abusos investigadas pelo MP-BA, o programa "Fantástico" afirmou também que há um boletim de ocorrência registrado em Salvador em que um homem conversa com uma menor de idade.

A adolescente questionou o homem, cuja voz é atribuída a Jair Tércio, se ele retirou a virgindade dela e afirma que sua mãe queria levá-la ao ginecologista. O interlocutor pediu que a jovem não atendesse o pedido.

"Você não vai. Esqueça isso, minha filha. Pelo amor de Deus, viu?", disse o homem, que ainda negou ter abusado da adolescente.

"Comigo não é relação, não. Comigo foi carinho, foi amor", justificou-se.