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Mecânica brasileira é finalista em prêmio internacional da ONU

A mecânica Agda Óliver, que há 10 anos abriu uma oficina mecânica com ambiente mais acolhedor - Arquivo Pessoal
A mecânica Agda Óliver, que há 10 anos abriu uma oficina mecânica com ambiente mais acolhedor Imagem: Arquivo Pessoal

Eliane Almeida

Colaboração para Universa

29/07/2020 04h00

Há 12 anos, uma decepção acabou dando a Agda Óliver uma ideia para investir. Depois de levar o carro para revisão em uma oficina mecânica em Ceilândia (DF), onde mora, percebeu de que muitas peças foram trocadas desnecessariamente, incluindo o filtro do ar condicionado, já que ela sequer tinha um. "Meus amigos disseram que isso era comum e que mulher não deveria levar carro à oficina, que era função de homem", comenta. Diante do misto de impotência e revolta e ao ver que outras mulheres compartilhavam desses sentimentos, decidiu ela mesma mudar esse cenário.

Pegou o manual do carro e começou a ler. Acabou achando tudo muito interessante. "Foi então que tive a ideia de abrir minha própria oficina, a Meu Mecânico, onde as mulheres pudessem se sentir à vontade, além de terem a chance de conhecer pelo menos um pouco sobre seu automóvel, com as mecânicas que eu pretendia contratar", conta Agda. A empresária, até então bancária, se preparou por dois anos, entre mapeamento de negócios, curso de mecânica, gestão e marketing em vendas. E foi um desses cursos que a levou ao prêmio Empretec Women in Business Award.

Um curso oferecido pelo Sebrae com metodologia da ONU ajuda homens e mulheres a identificarem oportunidades de negócio e desenvolverem planos para novas empresas. Para reconhecer iniciativas femininas de impacto, o Sebrae indica nomes para a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), criadora da premiação.

A comissão da premiação deste ano recebeu 32 indicações de 13 países de todas as regiões em desenvolvimento, incluindo 17 da América Latina, 7 da Ásia, 6 da África e 2 da Europa Oriental.

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A empresária Agda Óliver e funcionárias da oficina mecânica
Imagem: Arquivo Pessoal

Do Brasil, foram 5 indicações. "O Brasil é um país com uma forte rede de empreendedoras. A finalista do Brasil tem um perfil muito impressionante que, sem dúvida, facilitará o empoderamento das mulheres. Tornou-se ainda mais importante na atual crise, uma vez que a pandemia da Covid-19 teve um impacto particularmente negativo nas mulheres empresárias, devido à sua superrepresentação em setores vulneráveis a bloqueios", explica Tatiana Krylova, Chefe da Divisão de Investimentos e Empresas da UNCTAD.

As brasileiras têm um forte histórico de desempenho no WBA, e já estiveram entre as 10 finalistas várias vezes desde 2008. Patrícia Paz Silva Giordani recebeu o segundo lugar durante o WBA 2012, enquanto uma categoria especial premiou Rosana Marques sobre promoção de exportação durante o WBA 2018. O evento, que acontece a cada dois anos, em 2020 será nos Emirados Árabes, ainda sem data prevista por causa da pandemia.

Com um investimento inicial de R$ 45 mil, Agda se deparou com muitos problemas na hora de desenvolver seu plano de negócios, há dez anos. Um deles foi encontrar mulheres aptas ao trabalho. "Muitas querem aprender, mas infelizmente não poderia ensinar a todas. Já cheguei a ter duas [mecânicas] trabalhando, mas hoje tenho apenas uma", lamenta.

Antes da pandemia do coronavírus, sua oficina atendia em média 300 carros por mês e 70% do público era feminino —atualmente esse número caiu para 200 automóveis. Por causa disso, ela reduziu o número de funcionários de dez profissionais para apenas quatro. Seu negócio cresceu nesses dez anos entre 4% a 8% ao ano, mas 2020 deve sentir o impacto da crise: o primeiro semestre sofreu uma queda de 11,5% no faturamento.

Além do trabalho na oficina, Agda também repassa seu conhecimento por meio de palestras e workshops, mas, apesar disso, na hora de usar suas ferramentas sob as rodas de um carro, ainda enfrenta a desconfiança de homens e até mulheres. "Não é uma unanimidade. Alguns chegam na oficina procurando pelos mecânicos. É triste, pois sabemos da nossa competência, mas respeitamos a vontade do cliente", explica.

Entre seus clientes também estão idosos e o público LGBT+ que, segundo ela, procuram a oficina por causa do tratamento acolhedor e a transparência nas informações. Ela acredita que a indicação ao prêmio pode valorizar e incentivar cada vez mais mulheres para que tomem à frente dos negócios.

"Ainda não somos reconhecidas e nem ocupamos o lugar que deveríamos. Estamos na fase de provar muito e o tempo todo. Acredito que temos muitas mulheres fortes, que abrem as portas e que brigam para isso, mas há ainda uma jornada longa pela frente."